De longe, todas as favelas do Rio parecem iguais. Milhares de casas de gente honesta, coladas e empilhadas sobre as outras, se distribuem irregularmente em morros ou terrenos planos, cortados por canais ou "valões" que servem de esgoto a céu aberto. A presença do tráfico, quando existe, costuma ser notada a poucos metros da entrada: homens armados e reunidos em torno de mesinhas dispõem sobre elas maconha e cocaína, em embalagens etiquetadas com preço, nome da boca de fumo e da facção criminosa.
É nos detalhes que se notam as diferenças. Em favelas controladas pela facção TCP, o Terceiro Comando Puro, a segunda maior do estado, os muros estão dominados por grafites e pinturas gospel. Versículos da Bíblia aparecem em cada esquina, assim como imagens de Cristo, a palavra "Jesus" e bandeiras do Estado de Israel.
A semitização do neopentecostalismo é crescente no Brasil, influenciada pelo movimento de líderes evangélicos norte-americanos: passa pelo caráter mítico de Israel como Terra Prometida e pelos relatos bélicos presentes no Velho Testamento, numa conexão contraditória entre o judaísmo baseado na lei e na disciplina e o cristianismo que oferece o perdão.
A convivência dos fiéis com os traficantes no Morro do Dendê, na Ilha do Governador, por exemplo, é de respeito. Crias fumam maconha nas pracinhas, enquanto moradores caminham com a Bíblia embaixo do braço. Ninguém perturba ninguém. Até pouco tempo antes de a pandemia chegar, megacultos rolavam aos domingos em Acari e Parada de Lucas, usando uma estrutura tão grandiosa quanto a do baile funk de sábado. Esses shows, frequentados por membros do tráfico, chegam a ter apresentações de grandes nomes da cena gospel.
Para alguns grupos, a tolerância é limitada aos seguidores de Cristo. Certas correntes do neopentecostalismo costumam associar as religiões de matriz africana ao diabo. Como Cruzados pós-contemporâneos, traficantes coagiram, exilaram e agrediram sacerdotes e praticantes de umbanda, candomblé e outras religiões.