Ana, Camila, Marina e os pais das crianças de Serrambi não conseguiram, até agora, confrontar Thiago sobre o que lhes aconteceu em Pernambuco. Alliny e outros devem ter de esperar para poder vê-lo no banco dos réus.
Na madrugada de 4 de setembro, o herdeiro indiciado pelo MPSP passou à 0h10 pela imigração do Aeroporto Internacional de São Paulo. Cerca de 17 horas depois, desembarcou entre os arranha-céus de Dubai, num oásis de ricos e poderosos. Instalou-se a cerca de 150 km dali, onde foi filmado caminhando tranquilamente no jardim de um hotel cinco estrelas de Abu Dhabi.
Incluído na lista de procurados da Interpol após o pedido de prisão decretado pela juíza Erika Soares de Azevedo Mascarenhas em 27 de setembro, ele foi detido por oficiais dos Emirados Árabes em 13 de outubro. "Ele não se escondeu, inclusive ficou passando e-mails, fazendo vídeo provocando a promotora. Assim ele foi localizado no hotel e preso", conta a delegada Ivalda Aleixo, do Departamento de Capturas da Polícia Civil de São Paulo, que lidera o caso. "Ele gosta de intimidar pelo poder econômico e pela força física. Alguém que reforça ser um 'heterossexual inegociável' é um cara frustrado."
No dia seguinte, o herdeiro foi liberado após pagar fiança, recurso possível por não se tratar de um acusado de crime político ou terrorismo — o valor não foi divulgado. Thiago Brennand pode esperar em liberdade até que as autoridades locais decidam se vão ou não extraditá-lo. Segundo o advogado Victor Del Vecchio, mestrando em direito internacional pela Universidade de São Paulo, o trâmite depende de negociações diplomáticas entre Emirados e Brasil. Os dois países já têm um tratado assinado desde 2019 que formaliza casos de extradição, mas esse documento precisa ser sancionado pela presidência da República, o que ainda não foi feito.
O Tribunal de Justiça de São Paulo enviou um dossiê para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, formalizando o pedido de extradição, em 7 de novembro. Os documentos tiveram tradução juramentada para o árabe. O ministério não comenta casos concretos em andamento. "O tempo de tramitação e julgamento do pedido de extradição pelas autoridades dos Emirados Árabes dependerá da legislação interna daquele país", informou, em nota enviada à reportagem.
Thiago contratou dois escritórios de advogados para sua defesa, depois de ter brigado com sua antiga advogada, Dora Cavalcanti. Em Pernambuco, ele é representado pelos criminalistas Carlos Barros e Gustavo Rocha, e, em São Paulo, por Ricardo Sayeg, que se apresenta como "especialista em superação de crises e contencioso estratégico de demandas complexas" e "advogado europeu". Procurados ao longo de semanas, Barros e Rocha não responderam às perguntas enviadas por e-mail nem atenderam às ligações. Já a ordem dada à secretária de Sayeg é dizer, ao telefone, que ele "não vai se posicionar sobre o tema".
Enquanto isso, Thiago é obrigado a declarar à Justiça dos Emirados Árabes um endereço fixo, comparecer a audiências e não pode sair do país. Se descumprir as regras, volta a ser preso. "A repercussão do caso e o deboche com que ele está tratando a Justiça", diz a delegada, podem tornar o processo de extradição mais célere. "Estamos em contato frequente com a Interpol. Quando nos derem 'ok', o governo brasileiro o traz de volta e ele vem para um presídio de São Paulo."
Entretanto, o processo também pode se arrastar por bastante tempo, pondera Aleixo. "Estamos num momento político importante [eleições], em seguida vem Copa do Mundo e temos um recesso do Judiciário no final do ano", destaca. Talvez Thiago só volte para responder aos processos no Brasil em 2023.
*Nomes trocados para preservar a identidade dos entrevistados e envolvidos