Há dois meses, as vendas de Franciele Leite, 27 anos, minguaram. Trabalhadora informal, ela comercializa jeans em Toritama, no agreste de Pernambuco, e viu a renda da família cair pela metade desde o início da pandemia do novo coronavírus. "A gente ainda trabalhou um mês aqui, e fizemos um estoque, mas já acabou. Com o dinheiro que veio, estocamos comida, leite e fralda, porque tenho um filho de 5 meses. O resto a gente vai se virando", diz ela. "Quem tem freguês fixo e vendia muito, hoje ainda consegue vender até uns 40%. Eu tô vendendo 10%."
Em 2019, a história de Franciele e de outros moradores de Toritama deram base ao documentário "Estou me guardando para quando o Carnaval chegar", do diretor Marcelo Gomes - disponível na Netflix. O filme retrata o frenesi de toda a cidade em torno do jeans, marcado pelo ritmo exaustivo de produção, com estruturas precárias de trabalho e sem quaisquer direitos garantidos aos trabalhadores informais. O único descanso dessas pessoas é passar o Carnaval na praia - entretanto, embora produzam tanto durante o ano, muitas delas precisam vender até seus pertencem para poder viajar.
Maior polo de fabricação de jeans no Nordeste, Toritama tem 3 mil empresas de confecções, de acordo com um levantamento feito pelo Sebrae em 2019. Nela, são produzidas, por ano, 60 milhões de peças de roupas -- grande parte vem de máquinas de costuras instaladas em fundos de quintal e nas salas das casas, as chamadas facções. Franciele é uma das 60 mil pessoas que trabalham indiretamente para a indústria têxtil da região - outras 15 mil têm emprego direto.
"Trabalho como vendedora na feira [um dos principais espaços de comércio de roupa, aos finais de semana, com centenas de barracas, ao ar livre]. Antigamente, eu tinha facção em casa, onde costurava com meu marido, minha irmã e uma outra menina. Aí eu tinha parado de costurar, tinha fechado a minha facção. Minha ideia era só ficar vendendo. Eu tava colocando as roupas pra uma menina costurar na casa dela, e a gente vendia na feira. Agora, tudo parou."