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Na minha cama, o clitóris, essa maravilha, recebe a adoração que merece

Bruna Maia/UOL
Imagem: Bruna Maia/UOL

Bruna Maia

Colaboração para o TAB, de São Paulo

22/09/2022 00h00

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Dei sorte no começo da minha vida sexual. Tive lances com homens experientes que sabiam encontrar e agradar o clitóris, mesmo que o meu seja pequenino e mais coberto pelos lábios.

Também tive sorte de conseguir gozar com penetração com relativa facilidade — se o rapaz não mandava muito bem no oral e nas dedadas, o orgasmo chegava de outra forma. Ficava então pensando: "mas onde fica o clitóris dessas minas, na garganta?", toda vez que "as feministas" reclamavam que os caras não encontravam o clitóris. Melhor, o clitóris não: apenas sua glande, a pequena parte que sai ali onde os lábios se encontram, acima da vagina e da uretra.

Eis que esses tempos saí com um moço que gostava muito de chupar. Se pudesse, só faria isso. Mas ele não acertava, ficava na uretra eternamente. A língua não chegava lá, ele não compreendia e esquecia que dedos são importantes nessa brincadeira. Aí entendi "as feministas".

Teve também um sujeito com o pau grande, muito grande. Ao contrário do que muita gente pode pensar, homens bem dotados nem sempre agradam. Há mulheres que olham e desistem. Outras se assustam só de passar a mão por cima do jeans e preferem não encarar, ele dizia. Como a penetração era difícil, teve de se especializar no oral.

Acontece que essa especialização deu tão certo quanto um coaching, o que significa que ele não aprendeu muito: errava o alvo e não percebia que os movimentos da língua precisam variar, e que diferentes mulheres gostam de métodos diferentes. Há quem prefira movimentos circulares, lambidas, ou que o grelo seja sugado como se o outro estivesse mamando. Ou, muitas vezes, tudo isso junto.

Se sua língua se movimenta apenas como um para-brisa de carro, tente algo diferente.

Foi bom pra você?

Além dos que até tentam, mas não encontram o clitóris, há uma considerável quantidade de homens que simplesmente o ignoram. Para eles, o sexo é uma atividade falocêntrica, que gira em torno de oral neles e meteção em ritmo de britadeira, pouco importando quem está do outro lado.

"A culpa é da pornografia" é a resposta fácil para esse fenômeno. Mas a invisibilidade do clitóris é muito mais antiga que a popularização da pornografia audiovisual. Já estive com homens muito bons de serviço que viam pornô. A indústria pode ser um veículo de exploração de muitas mulheres e ajuda a perpetuar um sexo que não nos agrada (ainda que haja vídeos focados no prazer feminino). Muitos filmes contribuem para o falocentrismo, mas o buraco é mais embaixo e o grelo é mais em cima.

O clitóris é marginalizado; o orgasmo feminino, também.

Um estudo da Universidade de São Paulo ouviu 3.000 mulheres e mostrou que 55,6% delas têm dificuldade de chegar ao orgasmo. Outro, da Universidade de Indiana, nos EUA, descobriu que 91% dos homens tinham gozado na última relação, ante 67% das mulheres. Um terceiro, também estadunidense, apontou que 65% das mulheres heterossexuais costumam gozar; entre as lésbicas, o número sobe pra 86% — parece que o problema é o homem.

Nas minhas próprias relações, no sexo casual, consegui gozar na maioria das vezes desde que adquiri conhecimento do meu corpo, graças à arte da masturbação. Mas, muitas vezes, o mérito foi meu: aquela siririca enquanto o rapaz me comia de quatro.

No Instagram, costumo compartilhar meus pensamentos, processos e obsessões. Falo com frequência de gênero e a palavra-chave "orgasmo" sempre surge por lá. É uma desigualdade sexual: homens gozando quase sempre, mulheres gozando muito menos.

"Mas às vezes eu não gozo e é legal, não precisa gozar para o sexo ser bom", pinga no inbox. Respondo com uma pergunta: vocês já imaginaram um homem dizendo isso?

Freud não explica

A ideia do clímax feminino como algo que não é assim tão necessário para que o sexo seja bom é relativamente recente. No quadrinho "A origem do mundo: uma história cultural da vagina ou a vulva vs o patriarcado", a cartunista sueca Liv Strömquist conta que a coisa mudou lá por 1800, no Iluminismo, que relegou o grelo à escuridão. Também foi nessa época que a ideia do amor materno incondicional emergiu.

Um dos responsáveis por consolidar o desprezo ao clitóris foi o autor considerado revolucionário por jogar luz à sexualidade feminina (risos), Sigmund Freud. Entre suas bobagens misóginas está uma teoria totalmente desprovida de provas científicas: a de que o orgasmo clitoriano é infantil e que mulheres maduras experimentam apenas o orgasmo vaginal. Que desculpa pra não ter que fazer oral, né, Sigmundo?

As ideias de Freud não revolucionam, mas refletem a sociedade vitoriana baseada na domesticação das mulheres em que ele viveu. Outra bobeira dita por ele cujos efeitos vivenciamos até hoje é a de que mulheres têm inveja do falo. Notem, ele não estava falando apenas do falo metafórico, enquanto símbolo de poder, mas do pênis propriamente dito.

Faz todo sentido que tenhamos inveja do poder do qual os homens gozam. Mas por que teríamos inveja inata do pau? Freud foi além, dizendo que a melhor maneira de uma mulher compensar essa síndrome de castração é tendo um filho, isto é, o bebê seria um dildo para a mulher. E ele não pode usar a desculpa da juventude, pois mandou essa em 1931, poucos anos antes de morrer e deixar um legado idolatrado.

Mas, como é preciso muito pouco pra homem ganhar biscoito, Freud é considerado incrível por ter feito essa coisa tão difícil: ouvir mulheres. Já devorei livros do austríaco, mas escapei de seus escritos sobre feminilidade, que poderiam ter tido péssima influência sobre minha decisão de não ter filhos. Para mim, sempre foi tranquilo não desejar a maternidade e não me sentir menos por isso. Para Freud, porém, a mulher que não é mãe e esposa é incompleta.

Não é justo que o pai da psicanálise leve toda a culpa pela misoginia da medicina. Até pouco tempo, as tubas uterinas eram chamadas de "Trompas de Falópio", homenageando o homem que as descreveu. Uma reentrância bem pequeninha no fim da vagina, passando o colo do útero, é chamada de "Bolsa de Douglas". Os caras simplesmente nomeavam nossa anatomia pra si. E é curioso que Douglas tenha sido capaz de encontrar uma coisa tão minúscula, mas não de mapear o clitóris.

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Imagem: Bruna Maia

O gigante invisível

O clitóris é um órgão enorme. Foi descrito pela cientista Helen O'Connell, em 1998. Aquilo que os caras não encontram é só um pedacinho dele. A maior parte é interna, circunda a vulva e envolve a vagina, cheio de terminações nervosas que transformam a região genital das mulheres em um universo de prazer, muitas vezes inexplorado.

Se você não está convencido de que esse herói é importante para o prazer de quem nasceu com ele, o PornHub divulgou dados em 2021. Globalmente, 35% das pessoas que visitam o portal são mulheres, e o termo mais procurado por elas é "lesbian" — um tipo de sexo em que o clitóris é protagonista.

Elas procuram "pussy licking" 161% mais que os homens. A busca por "eat pussy" conduz rapidamente a vídeos com closes de buceta, em que a atenção está toda nela, com chupadas, dedadas e outros estímulos que fazem a mulher gozar até o cu piscar. Eu, que sou imaginativa e prefiro me masturbar pensando em situações excitantes (pornôs com história que rodam dentro da minha mente), já me rendi aos pornôs de "pussy licking" umas vezes.

Se o gigante do prazer demorou para ser descoberto, também levou bastante tempo para que a indústria dos brinquedos sexuais fizesse jus ao seu poder. Não sejamos injustos: nem todo vibrador focava só no falo. A varinha mágica, o primeiro modelo a ser fabricado, parece um microfone com uma ponta vibratória que estimula a glande. Os "bullets" também focam nessa parte da vulva e os "rabbits" permitem estimulação da vagina e da glande.

O primeiro sugador de clitóris surgiu em 2016. Com uma boquinha que vibra ao redor dele, imitando um bom oral, o pequeno é capaz de levar a orgasmos intensos e longos, depois de pouco tempo de estímulo. Se você tem dificuldade para gozar, seja por não conhecer o próprio corpo ou ter um parceiro que não manja nada, ele vai te deixar mais feliz e relaxada. Tive meu primeiro em 2019, e ele me salvou de uma tendinite. Até então, eu me masturbava usando os dedos, um processo muitas vezes demorado devido ao uso de antidepressivos que podem retardar o orgasmo. Com o brinquedinho, o tempo se tornou menor, e os orgasmos mais numerosos.

Minha relativa fama na internet não me rendeu muito dinheiro com publis — até porque, se tem coisa que não sei fazer é lidar com publicitários. Mas me rendeu uma parceria com uma loja de vibradores que me manda vários presentes. Não apenas sugadores, mas varinhas mágicas, rabbits, línguas vibratórias.

Desde 2019 não me envolvi mais profundamente com nenhum homem, uma mistura de pandemia e profunda exaustão da masculinidade. Não é que não queira nunca mais um envolvimento, quero. Mas tem de ser com um adulto, e homens de 30 e poucos, 30 e muitos, 40 e poucos e talvez até de 80 são muito infantis.

Enquanto não encontro alguém com idade emocional adequada, eu me viro com transas casuais e muita masturbação. No ano passado, durante uma crise de hipomania (sou bipolar tipo 2 e, nessas situações, minha libido aumenta e fico eufórica), passei um dia tão envolvida com um acessório com língua vibratória que gozei vinte vezes e cheguei a ficar com a mão ralada de roçar no lençol.

Paro por aqui porque meu sugador me chama. Na minha cama, o clitóris, essa maravilha da natureza, recebe a adoração que merece.

*Bruna Maia é jornalista, cartunista, escritora e artista plástica. Apresenta o podcast 'Nu Frontal' com a escritora Clara Averbuck