Gozo e silêncio: os códigos do banheirão, onde homens buscam prazer rápido
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É tarde da noite e um homem atravessa a plataforma da estação. De jaqueta de couro, malinha pendurada no ombro e aliança na mão direita, ele caminha com passos firmes em direção ao banheiro público.
A forte luz branca revela os sulcos na bochecha e dois olhos verdes brilhantes, que logo vasculham o espaço. Não há sinal de segurança ou faxineiro, mas o espelho revela três pessoas no mictório. Elas se viram para ver quem acaba de chegar.
O silêncio é cortado apenas pelo jato d'água que um homem aciona na torneira da pia toda vez que alguém entra, num eterno lavar de mãos. Ninguém fala nada, mas os olhos todos se cruzam pelo espelho.
Na faixa dos 50, o último a entrar se ajeita no único mictório vago. Desce o zíper e balança o pau grande e ainda mole. Fixa os olhos num ponto do azulejo e aperta a descarga algumas vezes, embora nenhuma gota de urina tenha caído ali.
Ao seu lado, um jovem de 20 e poucos, de mochila azul, observa toda a ação pelo rabo do olho. A tensão e o cheiro de desinfetante no ar fazem os movimentos parecerem quase letárgicos. O rapaz pende a cabeça para o lado e, com a mão, invade o espaço separado por uma divisória, procurando o membro do vizinho. Ele o apalpa, como se conferisse a anatomia do músculo.
O cinquentão dá um passo para trás sem olhar para o lado e o jovem se agacha para abocanhar o pênis, que enrijece. A mamada dura pouco — alguém entra e todos voltam aos seus lugares. A cena se repetiria algumas vezes naquela noite.
Minutos depois, um homem de camisa polo branca se oferece, sem anunciar, como sentinela do prazer sigiloso. Ajeita-se no corredor a ponto de seu corpo ficar dividido — o lado esquerdo próximo da pegação, o lado direito próximo à porta.
Uma cabine se abre e outro homem se agacha para dividir a tarefa de dar prazer a um desconhecido. Com os rostos próximos à latrina, eles até se beijam enquanto saboreiam o corpo estranho. Duas pessoas surgem do nada e fazem uma espécie de rodinha em torno do trio.
O cinquentão deixa escorregar a calça e a cueca até os joelhos. Enquanto um baba e suga o pau, o outro passa os dedos pelos testículos até o ânus do homem de jaqueta de couro. Só aí ele fecha os olhos e solta um sopro de gemido. Os outros dois se masturbam rapidamente e gozam no mictório.
A única palavra sai da boca do cinquentão: "vou gozar". Ele tenta retirar o pênis da boca, mas o mais jovem pressiona ainda mais, goela adentro, ávido pelo clímax anunciado. O gozo explode entre a boca, o rosto do jovem e o chão do banheiro.
Ofegante, o mais velho ergue a calça e os participantes se olham. Ele limpa a cabeça do pau com papel higiênico, lava as mãos e sai. Em menos de um minuto, aquela roda secreta de prazer se dissolve mais rápido que as bolinhas de naftalina no mictório.
É a Babel!
Alan*, 44, lembra até hoje quando descobriu o banheirão. Foi no Tiergarten, espécie de Parque do Ibirapuera de Berlim. "Não sou santo, mas até para os meus padrões fiquei em choque. Pensei: 'caralho, onde é que eu estou?'", lembra.
Em Paris também rolava, mas, em vez dos banheiros, as pontes do Rio Sena protegiam os desejos lascivos. Em Londres, ele se jogou nas casinhas subterrâneas espalhadas pela cidade. Foi como uma revelação. "Faz as festas de sexo serem só um detalhe."
Alan passou a pesquisar e mapear os melhores lugares de São Paulo, o chamado "cruising" (busca por um parceiro sexual casual e anônimo), mas em sanitários. E garante: apesar de quase todo banheiro público trazer uma placa com o artigo 233 — "praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público. Pena: detenção, de três meses a um ano, ou multa" —, não há lugar onde isso não aconteça: supermercado, museu, terminal e até em parques como o próprio Ibirapuera. "É um absurdo à noite, não só o banheiro. Ali é a Babel", observa.
Rodoviárias e aeroportos também são garantia de putaria e anonimato. "No banheiro do aeroporto de Brasília, quase fiz com um comissário de bordo que estava ali só para isso", relembra.
Diário da pegação
"Há os casados. Os meninos mais jovens frequentam shoppings e os trabalhadores ficam nessa área de terminais", explica Alan. "Mas há também pessoas famosas, muito famosas, no circuito que basicamente é academia de rico e casas culturais. Já vi jogador de futebol, ator famosérrimo, um músico."
Alan, que diz afastar dos amigos qualquer desconfiança sobre suas aventuras, faz uma espécie de diário de seus encontros sexuais em banheiros. Lembra-se de um em especial, no Carnaval de 2018, num hotel próximo ao Sambódromo em São Paulo.
Enquanto bebia cerveja no lobby, um casal de "fortinhos" — uma mulher sarada e um homem "grandão, regata de camarote, bermuda e tênis" — puxou conversa sobre os desfiles da noite. Intuiu que a mulher era famosa, visto o número de pedidos para selfies, mas estava mais focado no entra e sai do banheiro próximo. Alguns copos de chope depois, foi conferir.
"Era um banheiro com layout interessante. Quem entrava não via a parte dos reservados." O fortão que estava com a namorada entrou atrás.
Assim registrou a experiência:
"Tinha só um cara na pia. O fortão parou ao meu lado, se olhou no espelho, olhou pra mim. Eu sorri. Nem tinha passado pela cabeça que poderia rolar algo. Juro. O banheiro já estava vazio. Ele — aqui entram aquelas ideias de bêbado - estava muito mais alto que eu. Me dirigi ao mictório como ele, mas fiquei bem afastado, até que nossos olhares se cruzaram. Ele se afastou um pouco do mictório para mostrar que estava de pau duro. Fiquei meio sem reação. Olhei pra pica dele, olhei pra parede, pra ele, que chegou bem perto de mim. Acabei pegando na pica do grandão. Num gesto rápido, ele me forçou um pouco pra baixo, pegando meu ombro, querendo que eu chupasse. Fiz sinal negativo com a cabeça. Foi então que ele pegou no meu pau — sim, eu estava de pau duro também. Começou a bater uma punheta pra mim, abaixou-se e foi me mamar, com tudo quieto, só nós dois ali no banheiro. Quando vi que ia gozar, avisei, meio sussurrando. Ele não parou e quase gozei em sua boca. Eu mesmo tirei o pau e gozei no mictório, com o grandão olhando. Ele começou a se masturbar e pediu de novo uma chupada. Mais uma vez recusei, mas bati uma punheta até ele gozar. Assim que terminou, subiu a bermuda e foi pro outro lado do banheiro se arrumar. Nada falou. Acho que sequer olhou para mim depois. Saí e ainda tive tempo de vê-lo de volta à mesa. Pra mim foi surpreendente em muitos sentidos, mas bem legal."
Anônimos x filmagem
Não importa o público, o tesão e o local. A prática do banheirão é regida por códigos muito comuns. "É a demora no banheiro, o olhar, a 'pegada na mala'. Quando você vê uma pessoa muito tempo no mictório, alguma coisa está errada", explica Alan. Ou está muito certa.
Além do fator surpresa, tem quem use os banheiros públicos já com hora marcada. São geralmente homens mais jovens que têm no Twitter toda uma rede de contatos e troca de informações sobre a prática — na maioria das vezes, citando locais com numerais no lugar das letras, em código. Muitos, como Fernando*, 27, aproveitam para gravar o sexo.
"Não sei dizer quando comecei, mas tenho uma vaga lembrança de que foi após um churrasco no centro de São Paulo. Na volta, usei o banheiro da estação porque estava apertado. Vu vi dois caras ao meu lado, se masturbando no mictório. Como estava alcoolizado, o tesão bateu e começamos a nos masturbar. Rolou mamada e o cacete — vou te falar num português bem aberto, tá?", Fernando conta, via áudio, direto do seu perfil anônimo no Twitter.
Seu pau grande e torto costuma "protagonizar" as filmagens, seja sozinho, sentado no vaso sanitário ou metendo forte em algum garoto na cabine.
Ele prefere banheiros de estações de ônibus e trens, mas também tem curtido ciclovias. "É uma adrenalina a sensação de proibido. Tem o medo de ser flagrado por alguém e aí o tesão aumenta. Banheirão é um bagulho fodido de fazer", diz.
Alan, já na casa dos 40, não curte quem filma as aventuras. "Tem banheiro onde você não consegue mijar porque tem 8 caras batendo punheta juntos e eles não saem nunca dali, esperam o segurança expulsar. Ou então quem fica na porta mexendo no celular, ou quem mora longe e fica esperando quem apareça. Tem quem prefere os mais velhos... Tem até fetiche com gente em situação de rua. São os caminhos do desejo. É meio doido."
Além dos diários, Alan registra suas descobertas em uma série de fotos — alguns registros ilustram esta reportagem. É o oculto que o move a desbravar banheiros e gozos de desconhecidos.
"Você estar ali, ter aqueles minutos e voltar para as esposas, para suas casas — esse é o viés que me atrai", diz. "Não quero fazer amizade, saber o nome. Quanto mais você fala, mais você descobre. Você não quer descobrir nada. Quer gozar e cair fora."
* Os nomes foram alterados a pedido dos entrevistados
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