O ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula e ex-governador da Bahia, Rui Costa (PT), é dono de uma propriedade rural no interior do estado que formalmente está no nome de uma aliada política dele.
A região foi recentemente contemplada com verba de R$ 42 milhões do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), coordenado por ele próprio.
A transação não foi registrada no cartório de imóveis do município onde está localizada a área rural. Tampouco houve o pagamento do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) referente ao negócio.
A propriedade fica na divisa entre os municípios de Ipiaú e Itagibá, a aproximadamente 360 km ao sul de Salvador, às margens da rodovia estadual BA-650.
O UOL percorreu a região durante três dias e confirmou com um dos funcionários da fazenda e com o prefeito de Itagibá que o local pertence ao ministro da Casa Civil.
Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, Rui Costa não quis se manifestar.
Produtores rurais da região estimam que a fazenda possui aproximadamente cem hectares (equivalente a cem campos de futebol), o que a classifica como "pequena propriedade rural", conforme a classificação fundiária do estado da Bahia.
O preço do hectare na região varia de R$ 15 mil a R$ 25 mil, segundo produtores, o que indicaria um valor estimado de R$ 1,5 milhão para a propriedade.
Não é possível saber o preço do negócio efetuado pelo ministro, já que não há registro no cartório de imóveis.
A legislação municipal estabelece que a transmissão de propriedade gera uma obrigação tributária de 2% do valor do negócio.
No Brasil, a lei de registros públicos (nº 6.015/74) e o Código Civil definem que os direitos reais sobre a propriedade de imóvel só se constituem com o registro, mas não prevê um prazo para que isso seja feito nem sanção administrativa.
Juridicamente, conforme a lei nº 8.935/94, o registro imobiliário também é um ato de publicidade do negócio -- ou seja, a publicidade da transmissão de propriedade é um requisito de interesse público, já que o documento deve refletir as informações corretas de cada propriedade.
Rui Costa, formado em economia, fez carreira no Sindicato dos Químicos e Petroleiros da Bahia antes de disputar eleições.
Em 2018, na última eleição que disputou, declarou à Justiça Eleitoral patrimônio de R$ 674 mil.
Quatro anos depois, ele comprou um apartamento em Salvador no valor de R$ 2,5 milhões, dos quais R$ 400 mil foram financiados.
Já a fazenda, de acordo com moradores de Itagibá, teria sido adquirida por ele entre o fim do seu governo, em 2022, e o início do governo Lula, em 2023.
A ausência de documentação em cartório impossibilita a verificação da data da transação.
Pavão azul
Logo na entrada da fazenda, há uma casa de paredes brancas já pronta para moradia, ocupada por um funcionário.
Quando a reportagem chegou até a porteira, um funcionário se aproximou e confirmou se tratar da fazenda de Rui Costa.
O UOL retornou ao local no dia seguinte e encontrou o mesmo funcionário.
A reportagem então perguntou quando Rui Costa estaria no local, mas ele se limitou a dizer: "Não sei, vocês têm que perguntar a ele".
Madeiras empilhadas, um pórtico ainda em construção, máquinas e uma retroescavadeira percorrendo o terreno demonstram que o local está passando por obras.
Ao lado dessa primeira casa, há dois galpões com telhado branco usados como estruturas de apoio. Ao fundo, um grande açude em construção completa a paisagem da entrada da fazenda.
Após o açude, existem duas estruturas em obras. À direita, uma espécie de galpão. À esquerda, em um local mais alto do terreno, funcionários trabalham na construção de uma casa de tijolos, ainda sem teto.
Já foi traçado um caminho no solo para outra obra em um local mais afastado.
O único animal visto pela reportagem, a partir da porteira da propriedade, foi um pavão azul. A espécie não é nativa da região — o bioma do local é de Mata Atlântica.
'Mudas de cacau'
A reportagem conversou com funcionários da Prefeitura de Itagibá para saber se houve pedido de licenciamento para obras no local ou recolhimento de impostos, mas a resposta foi negativa.
O prefeito de Itagibá, Marquinhos Barreto (PCdoB), que é aliado do ministro, conversou com o UOL em seu gabinete, acompanhado de uma equipe de assessores.
Ele afirmou já ter feito uma visita a Rui na fazenda e disse que o município tem "orgulho" de ter um ministro como morador e produtor rural.
"Ele é munícipe hoje, temos que tratar bem. Já visitei ele na fazenda", afirmou.
"Ele tá com uma vontade doida de produzir, plantar as coisas dele. Chega dia de domingo ele tá lá com a bota dele, tirando mato. A gente torce pra que dê certo e ele consiga produzir na área dele. Ele tá plantando lá umas mudas de cacau, tá fazendo as coisas dele lá", disse o prefeito.
O terreno de Rui Costa era parte de uma área maior, pertencente à Mendonça Agropecuária, e é limítrofe à estrada.
A empresa pertence à prefeita de Ipiaú, Maria Mendonça (PP), e a seus familiares. Ela é aliada próxima do ministro da Casa Civil, que costuma se hospedar na casa dela quando visita a região.
Segundo produtores rurais de Itagibá, a fazenda de Rui foi formada a partir de um desmembramento da área da prefeita. Essa alteração não foi averbada na matrícula do imóvel.
O terreno da Mendonça Agropecuária tem 1.241 hectares, com criação de gado e produção de cacau. A fazenda do ministro da Casa Civil é uma fatia dessa área.
A porteira da fazenda de Rui fica a uma distância de 3 km da fazenda da prefeita e a cerca de 20 km do centro de Ipiaú, município com 40 mil habitantes. O trajeto leva cerca de 15 minutos de carro.
Recursos para a região
Atualmente, estão em andamento obras de pavimentação na rodovia estadual que dá acesso à fazenda de Rui Costa, executadas pelo governo da Bahia, com valor previsto de R$ 11 milhões.
Quando o UOL esteve no local, a pavimentação era executada em um trecho distante da entrada da propriedade, mais próximo à área urbana.
A obra foi anunciada em junho do ano passado pelo atual governador, Jerônimo Rodrigues (PT), aliado e sucessor de Rui Costa, em uma cerimônia realizada em Ipiaú com a presença do ministro da Casa Civil do governo Lula.
O governo Lula anunciou no fim de julho um novo pacote de remessas do PAC Seleções para todo o Brasil.
Quarenta e três dos 417 municípios da Bahia foram contemplados com esses recursos federais. Ipiaú está nesse pequeno grupo de municípios baianos beneficiados pelo PAC.
O próprio Rui Costa anunciou nas redes sociais da prefeita Maria Mendonça a destinação de recursos para abastecimento de água e drenagem na cidade.
"A Conder, [órgão do] governo do estado, já iniciou uma etapa, a obra tá em execução. E agora pelo PAC, pelo governo federal, o presidente Lula liberou mais R$ 42 milhões pra fazer as outras etapas", afirma Costa, no vídeo divulgado pela prefeita.
"Com isso a gente resolve definitivamente os problemas de alagamento, melhora a infraestrutura do município e ajuda evidentemente as pessoas para que não percam seus bens e não tenham transtornos em momentos de chuvas fortes."
O ministro também costuma frequentar os eventos políticos da região e se encontrar com aliados.
Ainda em julho, esteve em Ipiaú para participar do lançamento da candidatura da sucessora de Maria Mendonça à prefeitura da cidade.
Outro lado
O UOL enviou questionamentos ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, sobre a aquisição da fazenda, a falta de registro em cartório e a ausência de pagamento de tributo ou licenciamento para obras.
O primeiro contato ocorreu no último dia 12. No dia seguinte, sua assessoria afirmou que ele não iria se manifestar.
A reportagem insistiu com a assessoria do ministro nesta terça (20), sem sucesso.
O UOL também tentou conversar pessoalmente com a prefeita de Ipiaú, Maria Mendonça (PP), desde semana passada, mas assessores informaram que ela não estava na cidade.
A reportagem fez contatos por telefone e por mensagens, mas não obteve retorno.
O UOL ainda questionou o prefeito de Itagibá sobre a ausência de pagamento do ITBI aos cofres municipais.
Marquinhos Barreto afirmou que não existe um prazo obrigatório para formalizar o negócio e que o município está à disposição do ministro para realizar os trâmites necessários.
"Itagibá tem orgulho de ter um ministro como produtor rural e a gente tá aí, na hora que ele procurar a gente pra escriturar, a gente vai fazer o possível para avançar com o processo pra ele continuar aqui na região", afirmou.
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