A prisão da advogada e influenciadora Deolane Bezerra, no início de setembro, não arranhou sua imagem. Pelo contrário: provocou a comoção dos fãs, que se aglomeraram em frente ao presídio no Recife (PE) onde ela ficou detida e iniciaram campanhas pela sua libertação.
Deolane é suspeita de envolvimento em um esquema de lavagem de dinheiro e jogos ilegais. Ao ser presa, disse à polícia ganhar R$ 1,5 milhão por mês, ter 12 mansões e pelo menos três carros de luxo: um Lamborghini, um Range Rover e um Rolls-Royce.
Entre aquele 4 de setembro em que foi detida até a sexta-feira 5 de outubro, já solta graças a um habeas corpus, Deolane ganhou quase 1,6 milhão de seguidores no Instagram - hoje são 22,2 milhões, mais que nomes como Bianca Andrade e Gessica Kayane, a GKay.
Pelas regras da medida cautelar que garantiu sua liberdade, Deolane não pode fazer propaganda para sites de jogos enquanto durar a investigação.
A influenciadora só tem aparecido nos stories para fazer propaganda de sua marca de cosméticos, a Deo Beauty. Um dos produtos é o perfume Fortune.
"Vocês não têm noção, para quem estava na cadeia, o quanto esse perfume é bom. Eu só cheirava a cadeia", disse em vídeo, logo após ser solta.
Nas duas últimas semanas, as buscas por seu nome e o de sua mãe, também presa na operação, chegavam a aumentar 800% conforme novas notícias sobre o caso eram veiculadas.
O UOL conversou com um policial do Recife à frente da investigação, que pediu anonimato.
Ele contou que nunca viu em 20 anos de carreira o que presenciou naqueles dias em frente à Colônia Penal Feminina, no Recife.
"Populares se acomodando e fazendo vigília na frente de uma unidade prisional. Virou circo", afirma.
O desembargador Eduardo Guilliod Maranhão, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, afirmou, em decisão, que muitas pessoas ali teriam sido pagas para participarem da aglomeração.
Seja como for, especialistas em marketing digital avaliam que Deolane construiu um personagem poderoso, o que ajuda a entender a comoção nas redes e nas ruas, independentemente dos méritos da investigação.
"Deolane Bezerra virou referência de mulher batalhadora. Aquela que não leva desaforo para casa, que entra em treta se precisar. E mantém isso com seu carisma. Não dá para negar que é uma gênia", diz Paulo Yanaguizawa, gerente de mídia social da Monks Brasil.
"Ela conseguiu criar uma base de seguidores fanáticos, que vão defendê-la mesmo em uma situação séria como agora", completa.
Segundo especialistas, alguns aspectos sobre Deolane ajudam a entender essa idolatria:
- Transmite carisma e esperança;
- Adota um discurso religioso de prosperidade;
- Entrega entretenimento a qualquer custo;
- Passou por uma tragédia de grande repercussão, com a perda no namorado;
- Apareceu no momento certo, durante a pandemia.
'Está dando engajamento'
As centenas de pessoas que ficaram na frente da Colônia Penal Feminina para ovacionar Deolane são uma mostra do prestígio dela.
Os protestos, com cara de ativação de marca, tiveram gritos, aplausos e vídeos gravados para as redes sociais. Houve desde simulação de parto a influenciadores com cartazes de apoio trazendo os próprios arrobas.
Na época, Deolane chegou a ser encaminhada para prisão domiciliar, mas descumpriu regras do acordo e foi presa novamente.
A estratégia para evitar uma nova confusão foi afastá-la da capital rumo ao presídio de Buíque, a 280 km do Recife.
Na chegada ao sertão, ainda houve alguma comoção, mas depois de alguns dias quase ninguém mais estava no local.
Entre as sobreviventes restavam as amigas Natália Alves, 36, Manu Silva, 24, e Mariele Ferreira, 21. Todas influenciadoras.
Elas queriam entregar uma sandália Gucci a Deolane, comprada no Recife por R$ 3.890.
As três postaram vídeos nas próprias redes sobre a vigília.
"Está dando engajamento. Uniu meu trabalho com o carinho que tenho por ela", disse Manu.
E se ela for condenada? "Estou do lado da doutora até o fim. Que atire a primeira pedra quem nunca errou na vida", respondeu Natália.
Hora da ascensão
O sucesso de Deolane Bezerra começou no namoro com o cantor MC Kevin, em 2020. Havia demonstrações públicas de amor e ódio entre eles.
"Quando ele, famoso, começou a mostrar seu desespero nas redes por uma mulher, quem era? Deolane. Bonita, bem-sucedida e que menosprezava tudo o que ele tinha para oferecer. A simbologia de poder dela conectou as mulheres", afirma Egnalda Côrtes, fundadora da agência de creators Côrtes.
Ele morreu um ano depois no Rio ao cair da sacada de um hotel. Uma das histórias sobre esse acidente é que ele teria ocorrido quando tentava se esconder de Deolane. O músico tinha medo de ser flagrado com outra mulher.
"Ela entrega a novela da vida real na nossa mão", afirma Rafaella Loto, sócia da YouPix, uma das maiores consultorias de negócios para criadores de conteúdo do Brasil.
"Junto com essa história, ela é autêntica e carismática. Ali já tinha todos os ingredientes para essa história dar certo. [História] Que, aliás, nem o melhor roteirista do Brasil poderia criar", completa Rafaella.
A tristeza pela perda trágica de um grande amor e aparições com toques melodramáticos alavancaram a influenciadora. Ela chegou a lançar uma música em homenagem a Kevin, "Meu Menino", e a cantá-la no SBT.
Ela soube aproveitar a fama e se consolidou como uma "superinfluenciadora", afirma Paulo Yanaguizawa, gerente de mídia social da Monks Brasil.
'Virou ímã de dinheiro'
Deolane contou em entrevistas ter saído de Vitória de Santo Antão (PE) aos nove anos, rumo a São Paulo, onde a mãe, Solange, queria tentar a vida.
A família prosperou na maior cidade do país.
"Ela traz uma narrativa do migrante nordestino que venceu, e isso conecta tanto o nordestino que vive na região, o que está em São Paulo e os filhos dele", opina Egnalda Côrtes.
"Ela aprendeu a jogar o jogo e virou um ímã de dinheiro. Ganhou espaço no que a gente chama de economia da atenção. Aí vieram marcas, patrocinadores. E mais dinheiro."
O poder de sedução da influenciadora também se mostra pela via religiosa. Está em sua bio do Instagram: "Deus é bom o tempo todo".
A um mês de ser presa, postou um vídeo mostrando sua nova mansão. A legenda: "Foi a mão de Deus".
Em julho, comemorou a "casa 12" em outro post. "Não é ostentação, é superação. Obrigada, papai do céu, tudo para tua honra e glória", escreveu.
"É a narrativa do evangelho da prosperidade. O discurso de que fui abençoado cria esperança no seguidor de que a vida dele vai dar certo também. Cola em um país pobre e desigual como o nosso", analisa Rafaella, que considera a influenciadora um "fenômeno".
Ana Paula Passarelli, cofundadora da agência de influência digital Brunch, afirma que o sucesso de Deolane também vem do desejo do brasileiro por acompanhar um tipo de "entretenimento do caos".
"A transformação de tudo em entretenimento cria uma confusão entre o que é real e o que é personagem. Por isso é preciso de letramento midiático", afirma.
Uma nova forma de idolatria
A psicóloga Bárbara Alves, mestre em ciberpsicologia e humanidades digitais, vê o apoio contínuo a Deolane como uma nova forma de idolatria.
"O fenômeno pode ser explicado pela dissonância cognitiva: se ignoram evidências para manter uma visão positiva do ídolo. Também há o efeito de halo, que faz com que as qualidades percebidas em uma área levem seguidores a desconsiderar comportamentos controversos", explica.
Deolane tem uma base de fãs que se informa sobre ela no perfil dela mesma ou das irmãs. Assim, controla como será absorvida sua história.
No caso da prisão, se coloca como injustiçada. Mantém o apoio dos seguidores assim, pois os conhece.
"O que ela faz, esse envolvimento com sites de jogos e apostas, muita gente está fazendo. Então pega o argumento de que a Justiça não estaria valendo para todo mundo", diz a psicóloga Andrea Jotta, pesquisadora especialista em relações de comportamento digital.
"Até nisso Deolane consegue conexão. As pessoas que se sentem injustiçadas na vida, pelo patrão, por exemplo, vão ficar do lado dela."
Efeito Pugliesi e o futuro de Deolane
No meio do marketing digital corre uma expressão para explicar o que acontece com alguns influenciadores após um cancelamento: é o efeito Pugliesi.
Gabriela Pugliesi foi cancelada após fazer uma festa durante o isolamento social na pandemia de covid-19. Na época, estimou-se que a perda de contratos com grandes marcas chegou a R$ 3 milhões.
Mas, nesse cenário, o preço dela para fazer publicidade baixou, as marcas pequenas a contrataram, e Pugliesi voltou à cena. Hoje, mãe de dois filhos, ela foca em maternidade.
O mesmo pode acontecer com Deolane.
Além do patrimônio já acumulado, seus 22,2 milhões de seguidores no Instagram e sua base de fãs ainda farão brilhar os olhos do mercado, opinam os especialistas ouvidos pela reportagem.
"Esses dias vi uma influenciadora dizendo que adora o cancelamento. Traz curiosidade, aumenta seguidores. Isso acontece mesmo. Quem olha mais para números capitaliza em situações negativas. Inclusive uma prisão", diz Rafaella Lotto, da YouPix.
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