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Quem é Hugo Motta, possível sucessor de Lira na presidência da Câmara

O nome de Hugo Motta (Republicanos-PB) estourou no noticiário no mês passado como o principal candidato à sucessão de Arthur Lira na Câmara em 2025.

Jovem e de perfil discreto, ele cresceu à sombra de Eduardo Cunha, Rodrigo Maia e Lira. Fez muitos amigos importantes em 13 anos como deputado federal em Brasília e quase nenhum inimigo.

Mas aprendeu isso dentro de casa: Motta pertence a uma das famílias mais poderosas da política paraibana, que comanda a cidade há um século.

O UOL esteve em Patos, reduto político do clã, para decifrar o DNA político de Motta. Descobriu que seu poder se estende por outros 90 municípios do estado.

Nos últimos cinco anos, para cada habitante de sua cidade, o governo mandou cinco vezes mais verbas extras na saúde do que para a capital, João Pessoa.

A reportagem também constatou que ele e a família deixaram obras inacabadas e processos por improbidade.

Em sua campanha pela reeleição, o pai de Motta, Nabor Wanderley, se vendia como o prefeito que asfaltou mais de 200 ruas, mas só quem vive lá se lembra que apenas 13% do município de Patos, quarto maior do estado, tem esgoto tratado.

Neste domingo, Nabor foi reeleito com mais de 70% dos votos.

Campanha de Nabor Wanderley em Patos (PB), em setembro de 2024
Campanha de Nabor Wanderley em Patos (PB), em setembro de 2024 Imagem: Natália Portinari/UOL

Donos do poder

Patos é a porta de entrada do sertão paraibano, com a quarta maior população do estado (108.766 habitantes, segundo o IBGE).

As placas de rua repetem o mesmo sobrenome: no mesmo trajeto, é possível passar pela rua Bossuet Wanderley, chegar à travessa Leôncio Wanderley, pegar as ruas Doracy Wanderley, Maria de Lourdes Wanderley, Osni Wanderley, Major Wanderley, e terminar na travessa Nabor Wanderley.

Hugo Motta é da família Wanderley. O casamento de seus pais uniu os Wanderley e os Motta, os dois clãs que rivalizaram na política da cidade por décadas.

Os Wanderley estão na região desde a invasão holandesa, no século 17. O sobrenome vem do alemão "Von Der Ley", segundo um historiador da família.

Já Edivaldo Motta, avô de Hugo Motta, foi deputado constituinte, deputado federal, deputado estadual e prefeito. Morreu em 1992, deixando sua esposa, Francisca Motta, como sucessora política.

Chica Motta, como é conhecida, está no sexto mandato como deputada estadual.

Hugo nasceu do casamento entre Ilanna Motta, filha de Edivaldo, com Nabor Wanderley da Nóbrega Filho, filho de um Nabor Wanderley que havia administrado Patos nos anos 1950.

Nabor Wanderley, prefeito de Patos (PB)
Nabor Wanderley, prefeito de Patos (PB) Imagem: Natália Portinari/UOL

Foi Chica Motta a responsável por impulsionar a eleição do ex-genro Nabor a prefeito de Patos em 2004, logo após ele se divorciar de sua filha.

Foi ela também quem acolheu Hugo em João Pessoa, onde ele começou a faculdade de medicina antes de virar deputado (ele concluiu a faculdade em Brasília, já na Câmara dos Deputados).

"Hugo nasceu no meio da política", diz o prefeito de Patos, Nabor Wanderley, o pai do deputado, ao UOL.

"Com um, dois anos de idade, o avô dele levava ele para o mercado, para a rua. Ele participava das reuniões políticas com as lideranças. Ele cresceu nesse meio, desde criancinha."

No intenso convívio com a avó, Hugo aprendeu a fazer política sem ofender adversários e conquistar aliados pelo carisma, jeito bem diferente do de seu avô, Edivaldo Motta, que tinha reputação de turrão e de gostar de fazer inimigos.

"Francisca é uma referência política para a gente", diz o ex-genro Nabor Wanderley.

"Ela ficou viúva e depois criou a família, criou os netos. É uma mulher séria, teve vários mandatos pelo trabalho que ela faz. Não adianta ser de uma família de políticos e não trabalhar."

Hugo Motta discursa em evento
Hugo Motta discursa em evento Imagem: Divulgação

À sombra de Cunha e Lira

Em 2010, aos 21 anos, Hugo foi eleito deputado federal com 86 mil votos. Seu pai estava no segundo mandato como prefeito de Patos. Então filiado ao MDB, virou pupilo de Eduardo Cunha na Câmara.

Hugo Motta presidiu a CPI da Petrobras, que ajudou a desgastar o governo de Dilma Rousseff em 2015. Chegou a levar a filha de Eduardo Cunha, Dani Cunha, para passar um São João em Patos.

Na cassação de Cunha, estava entre os 42 ausentes da votação. No âmbito privado, nunca faltou com lealdade ao primeiro presidente da Casa de quem foi próximo.

1º.fev.2015 - Eduardo Cunha (MDB-RJ) comemora sua eleição para presidente da Câmara, em 2015, ao lado de Hugo Motta
1º.fev.2015 - Eduardo Cunha (MDB-RJ) comemora sua eleição para presidente da Câmara, em 2015, ao lado de Hugo Motta Imagem: Pedro Ladeira - 1º.fev.2015/Folhapress

Quando Hugo Motta e Lula se reuniram para discutir a sucessão da Câmara, em setembro, o presidente perguntou sobre Cunha, e Motta respondeu que ele é seu amigo.

Votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff, mas sem usar palavras fortes, defendendo que o Brasil retomasse "seu crescimento e desenvolvimento".

Durante a gestão de Rodrigo Maia, foi relator da PEC do Orçamento de Guerra, que liberou recursos para o governo federal na pandemia.

Também se aproximou de Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da Câmara, que o escolheu como seu candidato a sucessor. É amigo de Lira e de Elmar Nascimento (União-BA), seu potencial adversário na eleição, tanto no trabalho quanto em momentos de lazer.

Como não compra brigas, Motta tem também a simpatia de Renan Filho (MDB), ministro dos Transportes, que, em tese, é rival de Lira em Alagoas.

Enquanto o Congresso Nacional ganhou força, com a aprovação das emendas impositivas, das emendas de relator e das emendas Pix, Motta ficou à sombra de Cunha, Maia e depois Lira, orbitando o poder. Não se desgastou tanto quanto outros expoentes do centrão.

Desde 2023, Motta é líder do Republicanos, partido presidido pelo deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP) e ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. Apesar de integrar um partido com forte ligação com a bancada evangélica, é católico praticante.

Novo chefe da família

Após 13 anos na Câmara, Hugo Motta substituiu a avó como chefe político do clã.

Em Patos, espalhou-se a fama de que não é suficiente fazer acordo com Nabor: é preciso falar com o filho, que toma as decisões finais pelo pai.

Nabor Wanderley desconversa quando questionado se é liderado pelo filho: "Cada um tem sua área de atuação".

Segundo políticos do estado, Hugo Motta hoje controla 93 das 223 prefeituras da Paraíba, especialmente no médio e alto sertão.

José Marciano Monteiro, sociólogo da Universidade Federal de Campina Grande que conduziu uma pesquisa sobre famílias da política paraibana, diz que esses grupos maximizam seu patrimônio e poder usando a família.

"Depois de controlar os diretórios municipais, passam a controlar um território. O poder de Hugo Motta não é só do município de Patos, é das cidades menores que estão próximas a Patos", diz o pesquisador.

A obra da Vila Olímpica, em Patos (PB), já recebeu recursos do governo federal e hoje foi assumida pelo governo estadual, mas segue incompleta
A obra da Vila Olímpica, em Patos (PB), já recebeu recursos do governo federal e hoje foi assumida pelo governo estadual, mas segue incompleta Imagem: Natália Portinari

Investigações sobre a família

A família já esteve na mira das autoridades. Em 2016, Francisca foi afastada da Prefeitura de Patos e chegou a ser presa, acusada de participação no desvio de R$ 11 milhões da prefeitura com contratos de aluguel de carros. Foi absolvida em 2021.

A mãe de Hugo Motta, Ilanna Motta, ocupava o cargo de chefe de gabinete da prefeitura na época e também foi presa na mesma operação e depois absolvida.

Francisca Motta também foi inocentada pelo emprego de funcionários fantasmas na prefeitura após a Justiça entender que não havia provas de sua intenção de lesar os cofres públicos, embora tenha ficado comprovado que os servidores de fato não trabalhavam.

Nabor Wanderley é investigado e responde a processos no Judiciário e no Tribunal de Contas da Paraíba. Ele é acusado de desvio de dinheiro da prefeitura.

No TCE-PB (Tribunal de Contas do Estado da Paraíba), Nabor está sendo acusado de conceder irregularmente R$ 1,4 milhão em gratificações a funcionários da prefeitura.

O Ministério Público de Contas estadual quer que ele devolva os valores aos cofres públicos.

O prefeito também é acusado de desvio de verba federal em um convênio da prefeitura com a Funasa para a reforma de casas. A PF (Polícia Federal) apontou superfaturamento. Nabor foi absolvido em primeira instância, mas o MPF (Ministério Público Federal) recorreu.

"Estamos fazendo nossa defesa. Não vejo nenhum tipo de problema, até porque nós trabalhamos com muita transparência", diz Nabor ao UOL.

"Tudo está em fase de andamento. Tem muitos relatórios, mas estamos acompanhando tudo isso."

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