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'Tropa do Nikolas': as novas caras e brigas da geração Z conservadora

A eleição de 2024 mostra a força dos conservadores da geração Z. Eles são tão versados nos versículos da Bíblia quanto nos algoritmos do TikTok e do Instagram.

Para esses políticos, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), 28, é um mentor. Ainda mais jovens, eles seguem suas lições nas redes e nas urnas.

A "tropa do Nikolas" tem o vereador mais votado de SP (Lucas Pavanato, 26) e os líderes do 1º turno para prefeito de Belo Horizonte (Bruno Engler, 27) e Fortaleza (André Fernandes, 27).

As histórias se parecem: vindos de famílias cristãs (Nikolas e André são filhos de pastor), foram alunos rebeldes ("Eu era o chato da escola", diz Pavanato) e precoces no envolvimento com política ("Meu primeiro voto na vida foi em mim", diz Engler).

O grupo exalta o ex-presidente Jair Bolsonaro sem seguir no automático o comando dele — muito menos o do PL, partido do trio.

Eles apoiaram e exaltaram Pablo Marçal (PRTB) em SP contra a coligação do próprio partido, que apoia o prefeito Ricardo Nunes (MDB).

"Ao contrário do passado, quando a rebeldia juvenil se associava à esquerda, esses jovens veem conservadorismo e direita como forma de desafiar o status quo", diz Renato Meirelles, diretor do instituto de pesquisa Locomotiva.

"Eles perceberam que a 'crítica ao sistema' ganharia mais força quando associada a temas como valores familiares e morais. Quanto mais provocador o discurso, mais likes e engajamento", descreve Meirelles.

Nikolas, o deputado federal mais votado do país em 2022 (1,5 milhão), apontou esse caminho de vídeos curtos, diretos e agressivos no TikTok e no Instagram.

Pavanato é o primeiro político da geração Z a chegar ao top 10 de vereadores mais votados. Caso vençam o 2º turno, Fernandes e Engler podem ser os primeiros prefeitos de capitais desse grupo.

Da esq. para a dir.,: o ex-presidente Jair Bolsonaro, o candidato à prefeitura de BH Bruno Engler e Nikolas Ferreira, deputado federal
Da esq. para a dir.,: o ex-presidente Jair Bolsonaro, o candidato à prefeitura de BH Bruno Engler e Nikolas Ferreira, deputado federal Imagem: Doug Patrício/ Brazil Photo Press/Folhapress

Como Pavanato 'destravou'

Lucas Pavanato teve 161 mil votos dizendo ser contra o aborto, o MST e o "uso de banheiro feminino por pessoas trans". Não há nenhuma proposta específica para a cidade de São Paulo.

A família dele frequenta a Assembleia de Deus em Sorocaba (SP). "Meu pai foi pedreiro, depois técnico industrial. Era uma casa simples, mas foi uma infância boa", diz.

Em escolas públicas, o embate de Pavanato era com os professores.

"Em 2013, eles detonavam o Marco Feliciano. Eu achava desrespeitosa a forma como falavam dos evangélicos. Foi o estopim, comecei a levantar a mão e debater", disse.

Com 17 anos, já em São José dos Campos, era presença garantida em protestos contra Dilma Rousseff. Entrou para o MBL e se mudou para São Paulo.

"Eles me pagavam R$ 1.000 e eu morava no sótão de uma casa do movimento, na Vila Mariana. Era sujo pra caramba, mas fiquei dois anos morando assim."

Em 2020, virou estagiário do vereador Fernando Holiday, responsável por seu perfil no Twitter. Em 2022, recebeu 36 mil votos e foi eleito suplente de deputado estadual do Novo.

Pavanato conheceu Nikolas na campanha de 2022. "No MBL não tinha espaço para esse discurso moral. Vi como o Nikolas falava sem medo. Meu 'destravamento' foi por ver ele se portar", afirma.

Pavanato absorveu a fórmula: aproveitava temas em alta nas redes para fazer comentários em tom de raiva ou deboche. Pouco depois das eleições de 2022, virou comentarista da Jovem Pan.

Seu perfil, onde publica vídeos de "revolta com notícias", citações bíblicas e embates com esquerdistas que às vezes viram briga física, tem 1,3 milhão de seguidores no Instagram e 1,4 milhão no TikTok.

O sucesso fez brilhar os olhos de Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, que liberou R$ 1 milhão para sua campanha — metade foi usado em impulsionamento em redes.

"Eles me forneceram o recurso e o tempo de TV, mas deixaram eu fazer a campanha livremente."

Na noite da eleição, recebeu ligações de Bolsonaro e outros líderes. "Conversei mais com o Nikolas. Ele deu conselhos, disse para eu ficar atento, porque agora eu virei um alvo", diz.

Lucas Pavanato (à esq.) e Nikolas Ferreira
Lucas Pavanato (à esq.) e Nikolas Ferreira Imagem: Reprodução / Instagram e TV Câmara

Garotos-problema?

Pavanato faltou a uma reunião de Ricardo Nunes com vereadores de sua aliança (que inclui o PL) sobre o 2º turno. Ele disse ao jornal O Globo que Nunes não é "direita puro-sangue".

Ao UOL, afirmou que iria conversar com o prefeito de São Paulo (um dia depois fez um vídeo de apoio ao candidato à reeleição), mas deixou claro que o objetivo era "não deixar Boulos ser eleito".

Os partidos que estão agora entusiasmados com essas figuras da geração Z conservadora vão ter muita dificuldade para controlá-los, afirma a cientista política Silvana Krause, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

"São lideranças sem noção hierárquica, criadas sem recrutamento, aventureiros anti-institucionais", diz Silvana.

"Eles trazem teses antissistema e anarcocapitalistas [defesa de uma sociedade regulada pelo mercado, sem Estado]. Querem quebrar qualquer tipo de mediação", descreve o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Mackenzie.

De youtuber a prefeito

Deputado federal pelo PL, André Fernandes defende a "comunicação direta com o cidadão" desde que, adolescente, fazia vídeos em seu quarto, em Cariús (CE).

Era um humor grosseiro, como quando cheirava sal de cozinha como se fosse cocaína ou ensinava a depilar o ânus.

Mesmo sendo filho de um pastor "que sempre foi anti-PT", religião e política não eram seu foco. "Mas tenho um vídeo com 13 anos de idade já criticando a Dilma", lembra.

Aos 17 anos, partiu para os vídeos "em defesa da moral e bons costumes". Trocou o YouTube pelo Facebook e viu que o tom indignado engajava mais que o piadista.

Os vídeos contra o isolamento social na época da pandemia, por exemplo, ajudaram a turbinar as redes de André e outros colegas da geração Z conservadora.

"Essa visão ganhou força entre setores da direita que são críticos a qualquer interferência estatal que considerem exagerada", diz Renato Meirelles.

Em 2019, quando já era deputado estadual, André conheceu Nikolas e começou a convidá-lo para dar palestras no Ceará.

"Ele [Nikolas] consegue falar o que a juventude tem vontade, mas não tem oportunidade", diz André.

Nikolas & Engler

O candidato do PL a prefeito de BH ocupa um lugar especial na "tropa do Nikolas". Não é exatamente seu pupilo, mas colega de militância adolescente.

Em 2016, eles participaram da criação do grupo de Facebook Direita Minas, que cresceu nos protestos a favor do impeachment.

O grupo ganhou força na onda bolsonarista de 2018. Nikolas acabou indo para Brasília, enquanto Engler para a Assembleia de MG.

A campanha de 2024 entra em um possível plano ambicioso: que Engler governe BH e Nikolas tente o governo estadual em 2026.

Ao UOL, Engler não confirma nem nega: "Posso dizer que ele estará apto a disputar esse cargo do ponto de vista legal [Nikolas faz 30 anos, idade mínima para governador, em 2026]. Se for decisão dele e do partido será todo meu apoio."

O séquito de Nikolas até ganhou um apelido jocoso do pastor Silas Malafaia: "Sabia que temos agora 'bolsominions' e 'nikolominions'?", disse à Folha de S.Paulo.

Sem concorrer, Nikolas foi escalado pelo PL para uma turnê de apoio a candidatos a prefeito. Dos 68 candidatos apoiados, 20 foram eleitos e 5 estão no 2º turno.

Seu maior feito foi ter ajudado o amigo a chegar ao 2º turno.

No TikTok, Engler posta discursos no plenário mineiro contra o grupo terrorista Hamas, parabéns ao humorista Nego Di e ao ex-coach Pablo Marçal pelas doações ao Rio Grande do Sul e um alerta sobre o caso de um estuprador transgênero na Inglaterra.

Nas campanhas à prefeitura de 2020 e 2024, sua juventude foi alvo dos adversários, que diziam que ele queria ser prefeito enquanto "ainda mora com os pais".

Neste ano, fez um vídeo para o jornal O Tempo mostrando que tem um apartamento pequeno perto da Assembleia de MG, mas gosta mesmo é de passar os sábados na casa dos pais e dos avós, com quem "ia à missa todo fim de semana" quando criança.

Católico e de classe média alta, Engler argumenta que é aliado natural dos evangélicos por "ser radicalmente contra a liberação de drogas, defender a vida desde a concepção e a família tradicional".

"Figuras [jovens] como eu e o André Fernandes representam um sentimento de mudança", diz. "Pelo fato de termos começado há pouco tempo na política, não fazemos parte de nenhum dos grupos políticos do velho sistema corrupto."

Engler falou com o UOL um dia após ir a Brasília, junto com André Fernandes, conversar com Valdemar da Costa Neto e Jair Bolsonaro sobre verba, estratégia e apoios. Por enquanto, o diálogo com a velha política ainda se faz necessário.

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