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9 em cada 10 juízes no Brasil ganharam mais que os ministros do STF em 2024

Nove em cada dez juízes no Brasil ganharam mais do que os ministros do STF em 2024.

Por lei, nenhum servidor público deveria receber mais do que eles. Nem o presidente da República.

Mas um levantamento inédito do UOL revela que pelo menos 36 mil funcionários da elite do serviço público fugiram a essa regra, em 2024, e receberam os chamados supersalários.

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Imagem: Arte/UOL

Supersalário é o nome informal dado à combinação entre o salário ou subsídio do servidor e o pagamento de benefícios adicionais —ou "penduricalhos"— que resultam em ganhos mensais líquidos maiores que os dos ministros do Supremo.

Os gastos com esses excedentes já chegam a R$ 13 bilhões por ano.

Dentre os servidores nessa situação, 22 mil são juízes e desembargadores. Outros 5.500 mil são integrantes do Ministério Público, número que pode dobrar quando todas as bases de dados dos MPs de 2024 estiverem disponíveis.

Especialistas ouvidos pelo UOL apontam um descontrole nos pagamentos e na multiplicação dos penduricalhos a essas carreiras.

"A maior parte [dos supersalários] está no Judiciário e no MP porque eles decidem as próprias remunerações. Quando os benefícios são para poucos, eles viram privilégios", afirma Vanessa Campagnac, uma das autoras do "Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público" da Republica.org.

O STF afirma, via assessoria de imprensa, que "não apoia pagamentos ilegais ou ilegítimos" a juízes e desembargadores, mas faz uma "distinção (...) a respeito de benefícios que podem ser legitimamente pagos acima do teto, como eventual acúmulo de varas ou acúmulo de acervo".

Em nota, diz ainda que endossa a discussão de propostas no Congresso para estabelecer quais vantagens podem ser pagas ou não. Leia a íntegra aqui.

Procurado pela reportagem, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), responsável pelo controle administrativo da carreira, não se pronunciou sobre o assunto.

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Na série Brasil dos Privilégios, que estreia hoje, o UOL analisa contracheques de servidores dos últimos quatro anos, obtidos em bases públicas de dados, e traça um panorama de uma elite que tem ampliado seus rendimentos de forma acelerada.

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Como não há bases de dados unificadas e disponíveis para todos os órgãos públicos, não é possível saber o número exato de funcionários que receberam valores acima dos ministros do STF. Podem ser mais que 36 mil.

Os cálculos a seguir são uma amostra do tamanho desse gasto.

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Imagem: Arte/UOL

O teto virou piso?

O valor do salário bruto dos ministros do Supremo Tribunal Federal é considerado o teto do funcionalismo público.

Durante a maior parte de 2024, ele era de R$ 44 mil — o que, somando benefícios e tirando descontos como impostos e previdência, deu uma média de R$ 31 mil líquidos, por mês, para cada ministro.

Já a remuneração mensal líquida dos juízes em diversos tribunais do país, no mesmo período, foi de R$ 59 mil em média. Quase o dobro do Supremo. Os dados não consideram os tribunais eleitorais.

O artigo 37 da Constituição estabelece que o máximo que um funcionário público pode receber é o salário do ministro do STF. Tudo que ultrapassa esse valor é descontado de forma automática. É o "abate-teto".

Mas a lei também permite que alguns adicionais, tratados como indenizações, furem esse teto. Como não são propriamente o subsídio, não estariam sujeitas a ele.

Entram nessa conta os auxílios, bônus e reembolsos — como quando um servidor faz uma viagem a trabalho.

"Aí entra uma criatividade que abarca auxílio-alimentação, auxílio-moradia e auxílio-saúde. Esse tipo de pagamento deveria estar sujeito ao teto, mas eles passam a ser classificados como indenização", explica Bruno Carazza, autor do livro "O País dos Privilégios" e estudioso do assunto.

Licença compensatória: o 'hit' dos penduricalhos

Nos últimos anos, novos penduricalhos têm sido criados com o carimbo de "indenização" para evitar que sejam retidos.

Essa dinâmica faz com que a profusão de penduricalhos saia do controle.

De 2021 a 2024, o custo com supersalários no Judiciário mais que triplicou: foi de R$ 3,1 bilhões para R$ 10,9 bilhões.

Segundo Cristiano Pavini, coordenador do projeto DadosJusBr na ONG Transparência Brasil, a explosão de gastos acima do teto foi puxada por um penduricalho chamado licença compensatória.

Trata-se de um benefício concedido a membros do Judiciário e do Ministério Público que acumulam funções, como substituir colegas em férias ou assumir funções que estão vagas.

Pago desde 2015, ele tinha outro nome e era limitado ao teto do funcionalismo.

A partir de 2023, o CNMP e, depois, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), transformaram o adicional numa gratificação que pode ser acumulada sem cair no "abate-teto".

Os dados levantados pelo UOL indicam que, em 2024, um em cada três juízes recebeu mais em "indenizações" no contracheque do que recebeu do próprio salário (ou subsídio).

"A maioria do Judiciário já recebe esse penduricalho, aumentando o salário em até um terço — em média, R$ 12 mil a mais, todo mês", afirma Pavini.

Pois as distorções nas carreiras da magistratura têm começado cada vez mais cedo.

Ao menos 93 juízes, dentre os 99 aprovados no concurso de 2023 do Tribunal de Justiça de São Paulo, já receberam, um ano depois, mais do que a média dos ministros do STF.

Em outras palavras, um juiz substituto do TJ-SP em Dracena, cidade de 45 mil habitantes no interior de São Paulo, recebeu em média mais do que os ministros Alexandre de Moraes ou Luís Roberto Barroso, que têm em suas mãos as decisões de maior poder e impacto da República.

"Isso acaba quebrando o sentido de hierarquia. São juízes recém-aprovados no concurso recebendo mais que o ministro da mais alta Corte do país. É ilógico", diz Bruno Carazza.

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Imagem: Arte/UOL

Embora predomine no Judiciário e no Ministério Público, o pagamento de supersalários também atingiu, em 2024, pelo menos outros 8.000 altos funcionários dos poderes Executivo e Legislativo, que também contam com benefícios que os fazem receber acima do teto.

São diplomatas, auditores da receita, militares e servidores com acúmulo de funções. O tema será abordado futuramente nas próximas reportagens da série Brasil dos Privilégios.

Em nota, o Ministério da Gestão e Inovação afirma que encerrou, em 2024, a política de dar novas bonificações. De acordo com o órgão, a aplicação da regra do "abate-teto" proporcionou economia de R$ 238,6 milhões entre julho de 2023 e junho de 2024 para os cofres da União.

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