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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Qual é a alternativa?' A gente ri de cenas como a de Onyx, mas de nervoso

Ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL) e ex-governador Eduardo Leite (PSDB) participam de debate na Band - Reprodução/Band RS
Ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL) e ex-governador Eduardo Leite (PSDB) participam de debate na Band Imagem: Reprodução/Band RS

Colunista do UOL

28/10/2022 04h01

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Uma amiga da família publicou em suas redes que o ex-presidente Lula (PT) já definiu que, em caso de vitória no domingo (30), seu ministro da Educação será Jean Wyllys.

A notícia, infelizmente, era falsa.

Wyllys, que hoje vive na Alemanha, é formado em jornalismo e tem mestrado em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia. É especialista em teoria da comunicação e cultura brasileira e ajudou a criar, no início dos anos 2000, o curso de pós-graduação em Jornalismo e Direitos Humanos de uma das principais universidades de Salvador.

Como parlamentar, ele venceu o Prêmio Congresso em Foco de melhor deputado federal do Brasil em 2012 e 2015 — ano em que foi citado pela revista britânica The Economist como uma das 50 personalidades que mais lutam pela diversidade no mundo.

Para quem até outro dia olhava para o MEC e encontrava um ministro que defende castigo físico em crianças, declara que universidade boa é universidade para poucos e que deixou a pasta sob suspeita de negociar vantagens para liberar recursos para prefeituras por meio de Bíblias e pneus de caminhonete, a mudança parecia vantajosa.

Mas, vale repetir, e não sem lamento: a notícia era fantasiosa — apesar de ter sido compartilhada com as fontes e a identidade visual de um importante portal de notícias, justamente para confundir os leitores.

A postagem dessa, digamos, amiga da família vinha cheia de alertas sobre os riscos que o Brasil corria nessas eleições.

Alguém, por educação, resolveu avisar que a notícia era fake. O que se sucedeu em diante é desses encontros entre o microcosmos e a macro História que ajudam a entender a degradação da inteligência e das relações sociais em curso no país.

Maria (não é esse o nome dela, mas doravante será chamada assim) achou o cúmulo do absurdo a abordagem do amigo, um conhecido professor da cidade. Veja: ele não fez nada além de avisar que a colega patriota estava compartilhando uma mentira.

Mas Maria preferiu responder com uma voadora no peito, dizendo que o professor nunca comentou nenhuma postagem dela e estranhava sua intromissão repentina bem agora que ela decide salvar o Brasil. O que ele queria? Censurá-la?

Ele explicou que, veja lá, veja bem, não queria censurar ninguém, até porque quem censura é o Estado. Apenas alertou que ela estava passando vergonha ao transmitir uma informação errada para seus seguidores.

Maria bateu o pé. Ele perguntou onde ela viu a notícia. Ela admitiu que era um print recebido no Instagram. Ele então mandou o link de uma agência de checagem mostrando que a notícia fake era? fake.

O alerta do amigo custou a ele a pecha de "defensor de ladrão".

Quando a discussão já caminhava para um pacífico bloqueio mútuo, outra pessoa resolveu entrar na refrega. Fez isso ao perguntar qual era, afinal, o problema de Jean Wyllys ser ministro. A bronca era por que ele era homossexual?

Pra quê?

Tente chamar uma pessoa homofóbica de homofóbica para ver o que acontece.

O esforço para não dizer o que ela claramente tentava dizer resvalava aqui e ali em argumentos que partiam do nada em direção a lugar nenhum. Maria dizia que não tinha nada contra, mas que era mãe e temia por seus filhos. Reclamou do julgamento dos que a julgavam por um post falso e disse que eles não visualizavam o medo que sentia e o quanto ela se preocupava com as perversões de um país de base cristã etc.

Depois da exposição, veio novamente a pergunta: "Então o problema é mesmo ele ser gay?"

Como sempre, a refrega terminou com uma grande porta batida no cara do autoquestionamento: "É a minha opinião e pronto".

Era como se dissesse: a capacidade de pensar é minha e eu a estrago como bem quiser.

Nos pontos corridos do debate, a ignorância somava mais uma vitória.

A disposição ficou implícita na manutenção da postagem. Moral da história (ou da História): em nenhum momento ela quis compartilhar uma notícia.

Uma das minhas apostas para as eleições de 2022 é que, diferentemente da disputa anterior, as pessoas, assim como a Justiça Eleitoral, estariam mais atentas desta vez sobre fake news, um tema que passou a ser debatido nas escolas e até em programas de variedades; ninguém, afinal, queria assumir o risco de passar vergonha e ganhar o selo de ignorante em seu círculo social.

A aposta era só um pensamento desejoso. As pessoas, em geral, não só não querem sair da ignorância como têm orgulho dela e a reivindicam como um direito.

Não é que não achasse que em algum momento os debates sobre política e religião se encontrariam na mesma calçada dos afetos e identidades sociais que quase sempre produzem rusgas em tempos de eleição. Mas não esperava menos do que um embate entre Habermas x Ratzinger versão 2022. Talvez eu esperasse mais das pessoas. Aqui o inocente sou eu.

Em 2014, o ator e humorista Daniel Furlan criou um personagem chamado Adolfo Borges, um candidato que orientava sua campanha em torno das platitudes implícitas em seu projeto "Brasil Melhor". O nome do projeto o desobrigava a dizer o que ele significava.

Em uma simulação de debate, resgatado nesta semana pelo Twitter, o personagem altera o tom de voz ao ser questionado sobre a proposta.

O diálogo é mais ou menos assim:

— E qual é o projeto?

— É o projeto que visa a melhoria do Brasil.

— E quais seriam essas melhorias?

— Você está questionando o projeto Brasil Melhor? Você quer um Brasil pior? Se você quer um Brasil melhor você é a favor do meu projeto.

Fim.

Deu até saudade de quando a gente podia rir de discussões do tipo. Elas estavam no campo da ficção e qualquer transposição parecia um flerte apenas com o absurdo.

Vista hoje, a cena serve como spoiler do modus operandi da extrema direita brasileira, como mostrou o candidato bolsonarista ao governo do Rio Grande do Sul Onyx Lorenzoni (PL) ao ser questionado inúmeras vezes pelo seu adversário, Eduardo Leite (PSDB), sobre qual era a sua alternativa para o programa de recuperação fiscal do estado, que ele atacava com paus e pedras em um debate. Onyx mostrou que não tinha ideia do que estava dizendo ao responder apenas que a sua alternativa seria melhor e pronto.

— Mas qual é a alternativa?

— Uma muito melhor que a sua —, dizia o Adolfo Borges da vida real.

É um tanto assustador saber que é quase mínima a distância entre a dona Maria, um candidato a governador e os personagens da ficção.

A diferença entre uns e outros está na ordem apenas na proporção e o alcance dos estragos. A dona Maria não quer só espalhar bobagem em suas redes: quer governar um estado.

Os memes do episódio com o ex-ministro de Bolsonaro, comparando a capacidade do candidato de tergiversar como um personagem da TV Quase ou da Turma do Chaves, produziram um alívio cômico a poucos dias da votação. A gente ri, mas é de nervoso.