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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro faz seu próprio lockdown e país indaga: 'Vai chorar até quando?'

Procura-se Jair Bolsonaro, presidente derrotado e desaparecido desde 30 de outubro - Igo Estrela/Metrópoles
Procura-se Jair Bolsonaro, presidente derrotado e desaparecido desde 30 de outubro Imagem: Igo Estrela/Metrópoles

Colunista do UOL

01/11/2022 10h07

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Passadas as primeiras horas da divulgação de sua derrota nas urnas, Jair Bolsonaro (PL) decidiu se comportar como uma criança que esperava ganhar uma moto ou um jet ski de Natal de presente para passar durante quatro anos e se decepcionou ao abrir a caixa e encontrar uma carteira de trabalho em branco.

Desde então, ele se trancafiou em algum quarto de seu palácio, emburrado e indisposto a sair de lá tão cedo.

Faz isso depois de passar os últimos três anos e dez meses plantando na cabeça de seus apoiadores a ideia de que, se não ele, ninguém vai fazer o Brasil feliz (ou infeliz).

À sua imagem e semelhança, como crianças que aproveitam a ausência dos pai para fazer uma rave no quintal de casa, militantes travestidos de caminhoneiros resolveram asfixiar algumas vias de acesso das estradas em pelo menos 15 estados à espera de um sinal para recuar ou lançar fogo no restante do país. Já pensou se fossem militantes do MST protestando pela derrota de Lula (PT) o que aconteceria? Talvez as forças de autoridade e segurança já protagonizassem as manchetes, mas por outras vias.

Antes de ir às urnas, esses manifestantes que agem sob o mantra do "eu autorizo" já haviam eleito um irresponsável como figura de autoridade paterna, disciplinado e disciplinador, que Bolsonaro nunca foi — nem em seus tempos de Exército nem de caçador amador de tesouro e muito menos como presidente.

O vácuo deixou um país inteiro dividido entre o desamparo e o estado de alerta. É o que dá confundir política com negócios em família.

Não dá para dizer que o movimento é aleatório ou desorganizado. Ninguém que tem contas a pagar no dia seguinte pode se dar ao luxo de deitar por horas ou dias numa pista de rodovia esperando que seus desejos mais primitivos sejam atendidos. Gente graúda certamente está por trás do princípio de distúrbio. Eles sim têm dinheiro na conta e podem bancar de cativeiro enquanto as autoridades pensam no que fazer.

Seria trágico se não fosse trágico.

Na segunda-feira (31), atravessei de carro, com a família, parte do estado de São Paulo, onde o presidente recebeu a maioria dos votos, com a tensão de quem pode ter a trajetória sabotada a qualquer momento.

Saí de uma cidade onde o atual presidente perdeu por pouco e passei por inúmeras localidades onde ele teria sido eleito se o interior paulista fosse um país. Levava no automóvel uma família, com uma criança e uma cachorra, e a aflição de não conseguir chegar a tempo para fazer o que se espera de trabalhadores em um dia útil da semana: trabalhar.

Cada caminhão parado no acostamento era uma sombra do noticiário que já informava que em algumas localidades eleitores revoltados com o resultado das urnas impediam a passagem de veículos.

Nosso trajeto, de cerca de 200 quilômetros, terminou sem intercorrências, diferentemente do que aconteceu em outros lugares.

Durante o dia, muita gente perdeu seus compromissos porque o caminho até o trabalho estava bloqueado. Entre essas pessoas estavam passageiros que pegariam voo no Aeroporto de Guarulhos, o maior do país.

Esse estado de apreensão de quem sai de casa para trabalhar e teme encontrar um cenário deflagrado ao estilo Mad Max é resultado da postura de um presidente que não fez outra coisa nos últimos anos a não ser colocar em dúvida a confiança das urnas eletrônicas e a legitimidade da Justiça e das instituições.

A maior parte dos eleitores deu uma grande banana para essa conversa.

A outra parte, em luto anunciado em suas redes sociais, resolveu colocar em prática um plano de rebelião.

As urnas que o presidente tanto ataca deram a ele a chance de mostrar que é de fato o líder em quem tanta gente votou e botou fé. É justo que muitos agora estejam decepcionados.

Em sua passagem pela Presidência, Bolsonaro disse que a minoria deveria se curvar à maioria. Por ignorância ou má fé, apostou na confusão entre grupos sociais com acesso escasso a direitos com oposição numérica. Pois a maioria dos eleitores decidiu que é hora de ele voltar para casa. Em vez de se curvar, ele se esconde.

Bolsonaro talvez não tenha se ouvido em voz alta ao declarar, após o debate da TV Globo, que respeitaria o resultado do pleito e que quem tivesse mais votos levava.

Na reta final de seu governo, ele agora resolveu desdizer tudo o que disse a respeito de um certo "coitadismo" que ele só identificava nos protestos de opositores.

O escarcéu para passar a faixa a seu adversário periga entrar para a história como o maior "mimimi" já protagonizado por um líder político.

Lembra quando, no auge da pandemia, em uma das muitas tentativas bem-sucedidas de rachar o país ao meio, Bolsonaro afirmou que o trabalhador rural não foi "frouxo" durante a pandemia e graças a eles, "que não pararam, nós da cidade continuamos sobrevivendo"?

Na ocasião, ele se apropriou de um provérbio bíblico para fazer política e dizer: "Se te mostrares frouxo no dia da angústia, sua força será pequena".

Pois no dia seguinte da derrota o presidente se mostrou novamente minúsculo. Não arregaçou as mangas nem foi ao trabalho.

Desapareceu e deixou um país inteiro à beira de um colapso logístico.

Era ele mesmo que queria o melhor para o Brasil? A defesa das famílias brasileiras era só mais uma fake news quando elas tentavam sair de casa e foram impedidas de chegar ao destino por apoiadores à espera do sinal de um presidente contrariado que decidiu agir agora como criança mimada?

Bolsonaro, tão adepto dos ensinamentos de coachs messiânicos que ensinam a colocar a fé e a missão particular acima de qualquer dificuldade, não está conseguindo ver o copo meio cheio da história: no fim das contas, ele elegeu aliados em estados-chave, como São Paulo, e se trabalhar direitinho pode muito bem fazer um balanço das vitórias e das derrotas nestas eleições para reiniciar um jogo cuja regra, ainda, é a alternância do poder.

Esperar isso, porém, é contar demais com a maturidade e a inteligência emocional que nosso Johnny Bravo da Vivendas da Barra já não demonstrou na vitória e não parece mostrar agora na derrota.

Como o mundo dá voltas e capota, Bolsonaro rodopia em sua própria lógica ao se exilar em seu lockdown particular e levar boa parte do país a se perguntar: "Vai chorar até quando, presidente?".

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL