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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Radicais bolsonaristas dizem que o Brasil está em risco. Eles são o risco

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro atearam fogo a carros e ônibus em Brasília - 12.dez.2022 - Pedro Ladeira/Folhapress
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro atearam fogo a carros e ônibus em Brasília Imagem: 12.dez.2022 - Pedro Ladeira/Folhapress

Colunista do UOL

13/12/2022 11h23

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Olavo de Carvalho costumava atribuir aos adversários uma tática que ele e seus seguidores absorveram como princípio de ação política. A tática era a seguinte: "Acuse-os do que você faz, xingue-os do que você é".

É exatamente o que fazem Jair Bolsonaro (PL) e seus sabujos desde que decidiram se levar a sério.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), aluno aplicado do astrólogo, afirmou em outubro de 2019 que se a esquerda radicalizasse, como acontecia em outros países da América Latina, um "novo AI-5" seria uma resposta inevitável naquele início de governo do papai.

O chefe do clã também já deixou entrever seu desejo inconfesso de governar sob regras próprias ao primeiro sinal de distúrbio social. Ele imaginava que isso aconteceria em um contexto de "lockdown" durante a pandemia. "O que poderemos ter brevemente? Invasão a supermercados, fogo em ônibus, greves, piquetes, paralisações. Onde vamos chegar?"

Em (quase) quatro anos de mandato, os adversários nunca deram o pretexto que ele tanto buscou. Coube a seus apoiadores radicalizados colocar em prática o desejo que o (ainda) presidente fingia temer.

No dia da diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quem decidiu botar fogo em ônibus e aloprar pelas ruas da capital foram os bolsonaristas mais fiéis à causa.

Eles estavam revoltados não por causa de um certo "lockdown", mas porque o candidato favorito deles não venceu as eleições em outubro.

Em outros contextos, seria razão suficiente para serem detidos, mas há quem veja utilidade ainda na turma. A começar por Bolsonaro, que em nenhum momento fez questão de dizer claramente aos fãs que não poderia atendê-los em seu pedido por intervenção federal.

Alimentados por mentiras propagadas dentro do Palácio do Planalto, eles estão convictos de que Bolsonaro só não obteve mais quatro anos de mandato porque o adversário levou na mão grande.

A multidão enfurecida parece não atentar que foi seu ídolo quem abriu a carteira, rasgou as normas fiscais, eleitorais e usou prédio, estrutura e funcionários do Estado para tentar se eleger a qualquer custo, inclusive dificultando o tráfego de eleitores até as cabines de votação de seções localizadas nos redutos de seu adversário. A operação era comandada por um chefe da Polícia Rodoviária Federal que usava o cargo para fazer campanha descarada pelo patrão.

"Acuse-os do que você faz, xingue-os do que você é", lembra?

Pois não teve acusação de bolsonaristas contra rivais que, diante do espelho, não tenha voltado a eles mesmos.

As imagens da noite de 12 de dezembro em Brasília são o quadro mais bem acabado da tragédia.

Os criminosos que incendiaram carros e ônibus pela capital são liderados por um presidente que gosta de chamar todo mundo de vagabundo, mas trabalha em média 24 minutos desde que perdeu as eleições; que atendia aos apelos pelo "fim da mamata" arrumando cargos para amigos e familiares; que falava em defesa da família colecionando casamentos com mulheres mais jovens; que prometia instaurar a ordem no país enquanto escondia o histórico de indisciplina na caserna; que chama adversários de bandidos enquanto enriquecia e fazia vista grossa a delitos ocorridos debaixo do nariz; que falava em ministérios técnicos espalhando lunáticos fanatizados na Esplanada; que dizia temer a "venezuelização" do Brasil adotando a tática chavista de cooptar militares e encher a suprema corte de aliados do regime.

A turma que temia a perseguição a jornalistas e cristãos sob um governo de esquerda é a mesma que não pensa duas vezes em atacar a imprensa e religiosos que não concordam com as ideias do regime. Padre Júlio Lancellotti, alvo de ofensas e ameaças constantes da turma, que o diga.

A poucos dias de deixar a Presidência, o ex-militar acusado de planejar um atentado a bombas em seu quartel vê agora uma multidão parada na frente ao Exército pedindo reforço em sua luta do bem contra o mal.

O "bem" é bancado e estimulado por grupos privados que atuam à margem da legalidade e tiveram seus interesses atendidos e afagados durante o atual governo, entre eles o de expandir a fronteira de seus negócios para áreas de proteção ambiental sem serem incomodados por Ibama, direitos indígenas ou jornalistas.

Quem está nas ruas em defesa de um presidente que acusava a esquerda de tramar para "liberar as drogas" talvez não saiba (ou saiba), mas os caminhões que hoje estão na pista para salvar o Brasil já foram usados para tráfico de entorpecentes, contrabando e crime ambiental.

Mais um pouco e descobrirão que os toaletes químicos disponíveis nas mobilizações são a configuração real dos banheiros unissex espalhados como fantasmas na propaganda bolsonarista.

A narrativa sobre fraude nas urnas, quem diria, é só mais uma das muitas fraudes que alimentam as manifestações golpistas.

Bolsonaro, que tanto fez para esfolar as condições de vida das populações mais vulneráveis, cansou de esperar que elas respondessem com tiro, porrada e bomba para poder agir como ditador que sempre sonhou. Ele tem pouco menos de 20 dias para encontrar o seu incêndio do Reichstag.

No apagar das luzes de seu governo, são seus apoiadores mais fiéis que tentam criar as condições para que as autoridades, a começar pelas Forças Armadas, cumpram exatamente o que estão pedindo em faixas e cartazes.

O Brasil corre risco, eles dizem.

As cenas de destruição em Brasília mostram que o maior perigo hoje à nação são eles mesmos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL