Topo

Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Publicitário abraça Lula e vira 'petista infiltrado' em fake bolsonarista

Fernando Brondi, publicitário e alvo de fake news bolsonarista, estava em Araraquara durante os ataques a Brasília - Reprodução/Instagram
Fernando Brondi, publicitário e alvo de fake news bolsonarista, estava em Araraquara durante os ataques a Brasília Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

10/01/2023 10h34

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O publicitário Fernando Brondi, de 37 anos, foi um dos muitos moradores de Araraquara (SP) que se aproximaram do presidente Lula (PT) durante a visita do petista à cidade, no domingo (8).

Lula havia viajado para conferir os estragos das chuvas no município administrado pelo aliado Edinho Silva (PT) e discutir o envio de repasses para a reconstrução de áreas destruídas pelas enchentes.

Uma semana antes, um automóvel foi engolido por uma cratera aberta e encoberta pelas águas de um riacho que passava sob a pista. Seis pessoas da mesma família morreram.

Brondi chegou perto do presidente, com quem fez um vídeo, postou um frame em suas redes e foi para casa.

Naquela mesma tarde, a 782,5 quilômetros dali, uma turba de bolsonaristas fanáticos invadia as sedes dos Três Poderes, em Brasília, com o intuito de tomar o poder quebrando vidraças, portas, móveis, equipamentos e obras de arte.

Diante das cenas, as forças de segurança, em vez de golpe militar, deram aos criminosos uma carona até a cadeia.

Como mostrou o repórter Igor Mello, do UOL, a repercussão negativa das cenas de barbárie provocou um curto-circuito nas redes bolsonaristas, onde os atos foram organizados: enquanto alguns celebravam a destruição, outros começavam a tirar o corpo fora, dizendo que o quebra-quebra era obra de "petistas infiltrados".

Um desses "infiltrados", segundo uma fake news que começou a correr nesses grupos, seria Fernando Brondi, que esteve com Lula no mesmo dia, a dez horas de carro do epicentro da tragédia.

A foto com o presidente foi printada por um seguidor muy amigo do publicitário no Instagram, editada e difundida pelas milícias digitais.

Na montagem, a imagem do publicitário com Lula aparecia ao lado do frame de um vídeo em que um homem vestido de camisa amarela e com um curativo na perna dizia ter sido baleado durante os atos golpistas na capital.

Nem de longe os dois se pareciam, com exceção do desenho da barba, mas isso não impediu que a montagem circulasse em tom de acusação, como se alguém tivesse sido desmascarado.

"Fernando Brondi, dono da agência Vaca Amarela, fez um vídeo falando que foi baleado. Mentiroso, infiltrado e comunista", dizia a mensagem.

"Minha imagem rodou no Brasil e no mundo. Rodou no Telegram, no WhatsApp, no Twitter. Chegou ao meu primo de Goiás e a uma tia de Presidente Prudente. Recebi mensagens de amigos de Araraquara, de São Paulo, Recife, Orlando, nos Estados Unidos, e até da Itália. Gente do Rio de Janeiro me ligou para saber se eu tomei tiro mesmo e como eu estava", conta Brondi, que mal dorme desde então.

Ele pediu prints das postagens aos seus contatos e montou um dossiê, que já foi entregue a um advogado para avaliar as medidas cabíveis.

"Além de ser esquerdista infiltrado, a gente nem sabe se levou tiro ou não. Ele se meteu onde não deveria, incitando o que não era pra fazer e o que não cabe no nosso propósito e nunca coube", dizia uma bolsonarista que compartilhou a montagem.

Em seu Instagram, fechado, o publicitário recebeu mais de 500 solicitações de amizade. "São todos malucos. Se eu aceito, estou ferrado."

Já a página da empresa na mesma rede social, que era aberta, precisou ser fechada devido às inúmeras ofensas, ameaças e pedidos de boicote recebidos. "Diziam que minha empresa iria quebrar. Levei uma vida toda para construir minha agência e agora sou comunista, um infiltrado, vagabundo, sem vergonha, uma pessoa horrível. Isso é frustrante", conta.

"Chegaram a dizer que minha agência era financiada pelo Lula para que eu fosse para Brasília causar tumulto. Olha o buraco onde fomos chegar", diz.

Brondi diz não saber se a imagem do bolsonarista que tomou o tiro é mesmo real, mas acredita que a montagem é parte da estratégia das milícias para se desvencilhar da responsabilização pelos estragos em Brasília. Daí a narrativa de que a invasão foi pacífica e que os excessos foram cometidos apenas por opositores "infiltrados".

Uma conversa que não para em pé, mas que tem sido alavancada com a ajuda de fakes como a que vitimaram o publicitário de Araraquara.

O maior receio agora é que, sem conseguir desmentir a corrente fake, a empresa passe a sofrer boicote de clientes. "Ainda estou tentando digerir tudo. Tem sido um estresse muito grande. Vou esperar uns dias para ver o que acontece, mas o nome da minha empresa ficou queimado para quem não me conhece. Quem me conhece sabe que não fiz nada. Mas até provar que focinho de porco não é tomada, muita coisa já se ferrou", diz.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL