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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

De Marília Mendonça a Shakira: indireta a infiel não é moda só em 2023

Shakira e Piqué ficaram juntos por 11 anos                              - Reprodução/Instagram
Shakira e Piqué ficaram juntos por 11 anos Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

26/01/2023 04h01

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Shakira se separou do ex-zagueiro Gerard Piqué após um ruidoso caso de traição protagonizado pelo ex-astro do Barcelona. Seguiu morando ao lado da ex-sogra, com um batalhão de repórteres na porta de casa e uma encrenca com o Tesouro.

Por isso não foi difícil reconhecer o emissário das indiretas, nem tão indiretas assim, quando ela cita a mãe do ex, a dívida e a imprensa numa música-chiclete que já aparece entre as mais ouvidas no Spotify.

Curiosamente, a música (provisoriamente chamada de "BZRP Music Sessions #53") lidera as paradas ao lado de outros dois petardos sobre amores fracassados disparados por Miley Cyrus e por SZA, cantora americana que toparia uma passagem só de ida ao inferno se pudesse matar o ex-namorado e sua amante.

A lavagem de roupa suja em público rendeu, além de uma reportagem de capa da Ilustrada, na Folha de S.Paulo, questões sobre exposição e a mercantilização do sofrimento.

Mas teve algum momento que foi diferente?

Na série "1971 - o ano em que a música mudou o mundo", há um episódio especial dedicado ao sucesso de "It's Too Late", canção lançada naquele ano por Carole King após o término de seu relacionamento com o marido e então parceiro de composições Gerry Goffin.

"Algo lá dentro morreu e não posso esconder, simplesmente não consigo fingir", dizia a música, que virou um hino sobre divórcio e encorajou uma multidão de mulheres a fazerem o mesmo.

Puxando pela memória, tenho a impressão de que a dor de corno está, para a música, como o drible para o futebol. O sertanejo está aí para confirmar a tese desde que a Cabocla Tereza deixou o rancho e fugiu com o amante na música de Tonico e Tinoco. Para quem não sabe, a cabocla da música acaba assassinada pelo ex, numa história de feminicídio cantada até hoje como consequência do amor romântico.

Não deixa de ser um assombro que, décadas depois, as mulheres tenham tomado a dianteira nas paradas de sucesso dizendo como os homens não são assim tão inocentes vistos de perto. O infiel expulso do coração da mulher traída e que deixou a casa chorando para viver num motel, por exemplo, foi inspirado no marido de uma tia de Marília Mendonça.

Entre exemplos mais e outros menos problemáticos, a "dor de corno" faz parte de um arco temático maior que engloba a dor da separação, o arrependimento e dos amores contrariados.

Em sites especializados e playlist de streaming o que não faltam são listas de músicas sobre rompimento. Nelas habitam lugar cativo sucessos de títulos autoexplicativos como "I Will Survive", de Gloria Gaynor, "Go Your Own Way", de Fleetwood Mac, "Love Will Tear Us Apart", do Joy Division, e "You're So Vain", de Carly Simon — este, um sucesso absoluto, sempre alimentou rumores sobre seu destinatário, e o mistério só foi parcialmente solucionado quando a autora recentemente foi a público dizer que um dos trechos da música irônica sobre um ex egoísta foi inspirado no ator Warren Beatty. Ele provavelmente pensou em algum momento que os versos eram sobre ele. Estava certo.

As playlists em língua portuguesa não ficam para trás. Uma boa alma juntou no Spotify uma sequência que começa com "Trocando em Miúdos", versão Emílio Santiago, e passa por alfinetadas das grandes como "Não Aprendi a Dizer Adeus", de Leandro e Leonardo, e "Ou Ela ou Eu", de Alcione.

(Faltou ali "Resposta", música-indireta que Nando Reis compôs após entregar alguns versos seus para a então namorada Marisa Monte e ficar no vácuo durante anos. O vácuo dura até hoje, mas rendeu um sucesso na versão do Skank).

Os mais antigos me lembraram, em uma postagem recente sobre o tema no Facebook, de outros clássicos de Maysa, Dalva de Oliveira e até Lupicínio. Era uma tentativa de ninguém inventou a roda nessa seara.

Talvez o destinatário da bronca só esteja hoje mais evidente porque os relacionamentos são também mais expostos.

Todo mundo sabe quem é a Shakira. E todo mundo sabe quem é o Piqué.

Todo mundo sabe também o que eles fizeram nos verões passados porque seus passos são o tempo todo postados nas redes sociais.

Pois é. Se antes a sofrência era o refrão, agora o jogo parece ter virado.

A mudança está anunciada num dos muitos trechos da música-desabafo de Shakira. "Você pensou que me machucou e me deixou mais forte. As mulheres não choram, as mulheres faturam."

Alguém parece ter aprendido a dizer adeus.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL