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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Durante campanha, Bolsonaro se comportou como 'paga-lanche' da República

Em Brasília, Bolsonaro troca "lanchaciata" por pastel na feira -
Em Brasília, Bolsonaro troca 'lanchaciata' por pastel na feira

Colunista do UOL

14/02/2023 04h01

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Os gastos com cartão corporativo de Jair Bolsonaro (PL), destrinchados pelas repórteres Gabriela Vinhal e Camila Turtelli, do UOL, mostram que o Brasil foi comandado por um paga-lanche entre agosto e novembro, quando o então presidente estava em plena campanha à reeleição.

Paga-lanche era a forma como chamávamos os garotos inseguros da escola que se cercavam de amigos e projeção de popularidade comprando e distribuindo sanduíches e salgadinhos na faixa em troca de amizade sincera e desinteressada.

Parecia estratégia de sobrevivência, mas o método, como a vaidade, era um princípio da corrupção — principalmente quando o paga-lanche já tinha idade para bancar churrasco e enfrentar sozinho o medo de ninguém aparecer em suas festas de aniversário.

Em sua campanha para ficar mais quatro anos em seu cercadinho, Bolsonaro, que já saiu da escola tem um tempo, embora não pareça, chegou a gastar R$ 50 mil para adquirir 1.024 lanches frios e 512 barras de cereal em uma padaria após uma motociata em Vitória da Conquista (BA).

O então presidente contava com uma equipe composta por 50 seguranças. A não ser que cada membro tenha consumido mais de 20 lanches num único dia, a única especulação possível é que a popularidade do capitão foi inflacionada pagando lanche para o resto da claque.

Bolsonaro, na época, já se apegava à ideia de que era querido por todos e arrastava multidões para onde ia. O DataPovo, usado para desacreditar as pesquisas, permitia a ele medir a própria popularidade e apostar que só perderia as eleições se elas fossem fraudadas, como passou a espalhar por aí.

Ao longo da campanha, ele voltaria a sacar o cartão corporativo para bancar o lanche alheio em atos políticos em Teófilo Otoni (MG), Fortaleza (CE) e até Aparecida (SP), onde apoiadores se embebedaram e arrumaram briga até com o bispo.

Em Belo Horizonte (MG), um só regabofe custou R$ 8.650 apenas em entregas do iFood.

Não deixa de ser irônico que, até pouco tempo, Bolsonaro e seus apoiadores se referissem aos adversários à esquerda do espectro político como "mortadelas", numa acusação velada de que a militância de camisas vermelhas engrossava atos políticos atraída e motivada apenas pelo lanche.

Nas notas fiscais, não é possível saber se a iguaria acompanhava os sanduíches de Bolsonaro. Sabe-se, porém, que o uso de bens e serviços da administração, como os bancados pelo cartão corporativo, para fins eleitorais é ou deveria ser vedado a agentes públicos.

O então presidente estava oficialmente em campanha e, segundo especialistas ouvidos pelas repórteres, usou recursos públicos para se colocar em vantagem em relação a adversários — o que, se não for bem explicado, pode resultar em cassação de registro de candidatura ou inelegibilidade.

Os gastos de Bolsonaro com cartão corporativo durante a agenda eleitoral somaram ao menos R$ 697 mil.

O valor pode ser maior e ainda não leva em conta as diárias de funcionários de diversas esferas da federação escalados a fazer a sua segurança e alterar a engenharia de tráfego dos lugares onde passeava de moto com os apoiadores bem alimentados, numa tentativa descarada de esbanjar moral na escola distribuindo lanche por aí.

Bolsonaro seria só um espertinho inseguro se usasse recursos do próprio bolso para turbinar e ostentar popularidade. Mas faz isso com dinheiro público. A gula dele é problema de todo mundo.

Não é à toa que ele tenha se tornado ídolo de tanto paga-lanche de escola que na última eleição virou cabo-eleitoral dos mais extremistas enquanto bancava o passeio de seu candidato. Questão de identificação.