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'Cortejo': defesa de Dani Alves tem termos antiquados, mas não ingênuos
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"Jogo erótico" é uma das muitas expressões usadas por uma equipe de advogados para argumentar a inocência de Daniel Alves no processo em que o (ex?) jogador é acusado de estupro.
A defesa encaminhou ao UOL alguns trechos da estratégia.
Quem conferiu deve ter ficado com vontade de ajeitar a cartola e botar o monóculo para ler melhor. Os adereços, assim como os bigodes, a charrete e as expressões usadas pela defesa, eram comuns no início do século passado: enviada para a Justiça em 2023, a peça caberia numa página do jornal "Crítica", diário dirigido por Mário Rodrigues nos anos 1920 e 30.
Filho mais conhecido do jornalista, o dramaturgo Nelson Rodrigues talvez nem corasse ao conferir a descrição das imagens em que "se vê claramente dois adultos desenvolvendo um jogo erótico preliminar ao coito".
Ou que, a partir das mesmas imagens, "observa-se na denunciante uma conduta abertamente sexualizada, própria de um galanteio sexual em fase de cortejo".
"Em algum momento, se vê a jovem colocando-se de costas ao atleta, contorcendo-se e roçando os glúteos em movimento com a zona pélvica do denunciado ao ritmo da música", descreve a defesa.
E olha que nas páginas do jornal da família Rodrigues as mulheres que não se recolhiam ao confinamento do lar e/ou que ousavam se separar dos maridos eram igualmente demonizadas. Sobretudo se usassem vestidos de seda azul, chapéu de feltro, madeixas da cabeleira loura e "decote triangular do traje que deixava descoberto o colo". Pior ainda se "por vezes sorria".
A estratégia de Daniel Alves parece clara, e ela ganha contornos ainda mais nítidos com a inserção, aparentemente aleatória, num fato da vida do ex-lateral da seleção. "O atleta Daniel Alves tem um projeto de vida em Barcelona. A família sempre quis que seus filhos realizassem seus estudos universitários na Espanha. O próximo ano letivo de estudos será realizado em Barcelona e a moradia de seus filhos foi registrada na casa que Alves possui em Esplugues de Llobregat".
Os termos podem ser antiquados, mas não são ingênuos.
Na crônica de "A vida como ela é" versão 2023, o atleta é descrito como pai de família que andava preocupado com a educação e o futuro dos filhos quando sua zona pélvica foi provocada com o glúteo de uma mulher adúltera cujo destino é pecar. O "jogo erótico preliminar ao coito" levaria a uma sentença tipicamente rodrigueana em uma de suas peças: "Toda nudez será castigada".
A dança citada pelos advogados não leva os personagens aos anos 1920, quando expressões como "coito" ainda eram usadas. Leva a uma alcova improvisada no banheiro da casa noturna.
A tentativa de empurrar a culpa à mulher que denuncia um homem por agressão fica nas entrelinhas dos argumentos da defesa. Faltou dizer apenas que nada de mal poderia ter acontecido se ela tivesse mantido "sua condição de anjo do lar" — expressão usada pelo advogado da família Rodrigues em um famoso julgamento na época. (Não vamos entrar em detalhes para não confundir os papéis de réus e acusados de histórias distintas, mas escritas em linguagem e matéria-prima semelhantes).
Alves, como acusado, tem o sagrado direito de se defender com todos os recursos de que dispõe. Mesmo que no processo precise mudar a versão de uma mesma história só para, segundo ele, não abalar as estruturas da família (aparentemente, já bem abaladas).
Mas isso não impede de dizer que o material produzido pela defesa é uma vergonha completa. Seus advogados não medem esforços para pintar a mulher como a personagem a ser descredibilizada porque saiu para dançar e, ao menos no primeiro momento, respondeu a um flerte, segundo a defesa.
(Em tempo: é na sacralidade do lar, sem dança ou "jogo erótico", que acontece a maioria dos casos de violência contra a mulher. Na idade que for. Vistam as roupas que vestirem).
A defesa passa vergonha também porque esquece, ou finge esquecer, de um detalhe: o que está em discussão nessa história não é o que aconteceu antes da entrada da denunciante na cabine, e sim durante o período em que ficou por lá.
O que se sabe é que ela deixou o local machucada, com o joelho ralado e alguns hematomas, e foi chorar abraçada com a prima. Alves foge de lá sem nem oferecer um abraço a quem, minutos antes, jura ter se relacionado de maneira consensual.
Ao menos o lateral patriota e moralista não repetiu um personagem típico de Nelson Rodrigues: o que agride, pede desculpas e depois diz que ama.
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