Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
PF apura digitais de Zambelli em invasão ao CNJ e abre trilha até Bolsonaro

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
No dia 10 de agosto de 2022, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) postou em seu Twitter uma foto lado de Walter Delgatti Neto, o Hacker de Araraquara, com a seguinte legenda: "O homem que hackeou 200 autoridades, entre ministros do Executivo e do Judiciário brasileiro. Muita gente deve realmente ficar de cabelo em pé (os que têm) depois desse encontro fortuito."
Era uma referência indireta ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, que na época já acumulava a função de xerife das eleições daquele ano. "Em breve, novidades", anunciou a parlamentar.
Quase um ano se passou desde então. De lá para cá, ficam cada vez mais evidentes as razões de sua aproximação com o pivô da Vaza-Jato.
A foto do "encontro fortuito" foi feita em 28 de julho, em um hotel de Ribeirão Preto (SP). Dois dias antes, o mesmo hacker havia me concedido uma entrevista, em um restaurante de Araraquara, nossa cidade natal, para falar de sua rotina após a prisão na esteira da Operação Spoofing, em 2019. Solto no fim de 2020, sob a condição de não acessar a internet, ele respondia ao processo em liberdade.
Em nossa conversa, Delgatti expôs seu incômodo com a medida, que o impedia de trabalhar. Ele também manifestou ressentimento pelo fato de que Lula (PT) jamais lhe agradeceu pela decisão de divulgar as mensagens que comprovaram a parcialidade do então juiz Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil do Paraná, nos processos que o condenaram à prisão.
A medida cautelar, prestes a ser descumprida, dava à mensagem da deputada uma aura de crime anunciado. Afinal, o que um hacker proibido de acessar celulares e computadores teria a contribuir com a deputada no meio de uma campanha eleitoral? Parecia óbvio que o escopo de seu trabalho não se limitaria a uma máquina de escrever ou impressão de cartazes. Era como contratar um campeão de Fórmula 1 com a carteira de habilitação suspensa para trabalhar como motorista.
O mistério ficou pouco tempo no ar.
Por intermédio de Zambelli, Delgatti chegou a se encontrar com o então presidente Jair Bolsonaro (PL), em Brasília. Bolsonaro, segundo os presentes, estava interessado em saber a opinião do hacker sobre a segurança das urnas eletrônicas, que ele atacava dia sim, outro também, para justificar uma derrota já iminente em outubro. Pelo visto, não era uma curiosidade "fortuita" do então presidente; era prospecção.
No entorno do capitão não faltou gente desconfortável com a presença do hacker no bunker da campanha à reeleição. Achavam que ele poderia atuar como um "cavalo de Troia".
Outros desconfiavam de que tudo não passava de uma estratégia com o selo Zambelli de qualidade. De fato: da última vez que ela tentou mudar os rumos da história nacional, foi constrangida com a exposição da seguinte resposta, via WhatsApp, do interlocutor: "Prezada, não estou à venda".
Era seu padrinho de casamento, Sergio Moro, a quem Zambelli tentava convencer a permanecer no Ministério da Justiça em troca de uma indicação ao STF.
Mas, dessa vez, nem Zambelli nem Delgatti foram desautorizados publicamente pela trama anunciada. E olha que Bolsonaro não se constrangia a mandá-la calar a boca em público.
O fato é que Delgatti viajou até Brasília para conhecer o então presidente e por lá ficou — para descontentamento de seu advogado, Ariovaldo Moreira, que voltou para Araraquara e rompeu com o cliente, com quem voltaria a trabalhar depois da segunda prisão.
Delgatti, que em sua última entrevista, ao site Brazil Report, admitiu que cuidava das redes sociais da deputada, só voltaria a ser preso em junho deste ano por descumprir a medida cautelar que o impedia de acessar as redes.
Em depoimento à Polícia Federal, o hacker confessou que foi ele o autor da invasão ao BNMP (Banco Nacional de Mandados de Prisão) do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ocorrido em janeiro. A invasão resultou, segundo a PF, na emissão de um falso mandado de prisão "emitido" por Alexandre de Moraes contra ele mesmo e também de 11 alvarás de soltura de indivíduos presos por motivos diversos.
Solto desde 10 de julho, ele comunicou a pessoas próximas o seu desejo de delatar a deputada, de quem, segundo ele, teria partido a ordem para a invasão do CNJ. A investigação subiu, então, para o STF, de onde partiu a autorização para a operação 3FA, da Polícia Federal, nesta quarta-feira (2).
A ação cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados a Zambelli e levou Delgatti de volta à prisão.
Segundo seus advogados, o hacker está custodiado na PF de Araraquara. A defesa diz não ter tido ainda acesso à decisão que determinou a prisão.
A não ser que tenha passado todo esse tempo dormindo, Zambelli teve, desde o depoimento de Delgatti, 20 dias para se preparar para uma operação que fatalmente chegaria, como chegou, nela. Ela já nem devia dormir de pijama desde então.
Era questão de tempo que a PF batesse à sua porta. A única dúvida é sobre até onde chegarão as investigações.
Quem acompanha a trajetória de Zambelli, cujos assessores pagaram via Pix ao menos R$ 13,5 mil ao hacker, sabe que ela não era capaz de usar uma máscara de proteção contra a covid sem a autorização de Jair Bolsonaro, a quem costuma prestar a mais desavergonhada subserviência.
Bolsonaro entrou na cena do crime no momento em que recebeu o hacker dias depois da aliada anunciar que o escalvado presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) teria razão para ficar com os cabelos em pé, se os tivesse, depois daquele encontro "fortuito".
Um ano depois, a cooptação de Delgatti se revelou uma entre tantas operações atrapalhadas do entorno bolsonarista para tentar salvar o seu mandato. Ela pode custar o mandato de sua artífice e complicar ainda mais o ex-presidente, hoje inelegível e enroscado por uma série de acusações — de falsificação na carteira de vacinação a participação nos atos de 8 de janeiro, passando pelo escândalo das joias sauditas.
Delgatti diz que agiu a mando de Zambelli, que não dava um passo sem o aval do capitão. Os desdobramentos da operação podem dizer quantas digitais foram deixadas na invasão ao CNJ, um dos muitos ataques patrocinados pelo bolsonarismo ao Judiciário brasileiro.