Por 'simetria', MPs pedem retroativos de benefício dado a juízes

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Integrantes de uma das carreiras mais bem pagas do funcionalismo público, membros do Ministério Público reivindicam o direito retroativo a um benefício criado para juízes em 2015.
Trata-se da chamada gratificação por exercício cumulativo (ou acúmulo de acervo), paga ao funcionário público que acumula alguma função além de suas atribuições tradicionais.
Essa gratificação passou a ser concedida graças a um artifício que integrantes da magistratura e do Ministério Público possuem: o direito à "simetria" entre as carreiras.
Esse princípio está previsto na Constituição e, na prática, é utilizado para garantir que ambas as carreiras tenham reconhecidos os mesmos tratamentos e direitos.
Isso significa que um integrante do Ministério Público pode reivindicar o mesmo direito concedido a um juiz, e vice-versa —e foi justamente o que o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) fez.
O órgão é o responsável por passar orientações administrativas e fiscalizar unidades do Ministério Público de todo o país.
Em 2020, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que orienta o Poder Judiciário, editou uma resolução recomendando que os tribunais do país passassem a implementar a gratificação, que já valia para as Justiças Federal e do Trabalho.
Entre 2022 e 2023, o CNMP editou uma recomendação e duas resoluções para replicar a gratificação no Ministério Público.
Segundo a Transparência Brasil, a gratificação por exercício cumulativo tornou-se um dos principais penduricalhos do Judiciário e do Ministério Público brasileiro, "principalmente em sua transmutação como licença compensatória para driblar o teto constitucional".
A gratificação por exercício cumulativo é limitada ao teto constitucional. Mas, na maior parte dos órgãos, o funcionário que acumula função ganha uma folga a cada três dias trabalhados.
E essas folgas, limitadas a dez por mês, podem ser vendidas, em vez de usufruídas, e o valor financeiro desse acumulado não está sujeito ao teto.
Com isso, os rendimentos ultrapassam o valor de R$ 46 mil (teto do funcionalismo, aplicado a ministros do STF).

Efeito cascata de milhões
Mais do que garantir o benefício a partir da recomendação do CNMP, membros do Ministério Público já reivindicam o direito a receber retroativamente o penduricalho.
A conta seria feita a partir da data em que foram promulgadas as leis criadas para instituir o benefício para dois ramos da magistratura, em 2015.
Ao regulamentar o penduricalho, o CNMP definiu que caberá a cada unidade do Ministério Público definir como será gerido o pagamento.
Como os MPs estaduais possuem autonomia própria e orçamento vinculado aos estados, cada unidade define como pagar a folha salarial.
Já no caso do Ministério Público Federal, toda a gestão é centralizada.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o direito a esse pagamento já foi reconhecido no Ministério Público de São Paulo, que prevê pagar mais de R$ 1 milhão a cada um dos 1.900 integrantes que teriam esse direito.
Os pagamentos ainda não começaram.
O UOL pediu explicações aos Ministérios Públicos dos outros estados e do Distrito Federal, do Trabalho e Militar sobre o penduricalho.
A reportagem queria saber desde quando esse tipo de gratificação começou a ser pago, como foi regulamentado, quantos o recebem, até que data seria pago retroativamente e qual estimativa de custo para o pagamento desse benefício.
A resposta foi a mesma para todos os questionamentos, em diferentes órgãos, apesar de cada MP ter autonomia e orçamento próprios:
"O Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) esclarece que a política remuneratória do Ministério Público brasileiro acompanha parâmetros normativos estabelecidos nacionalmente. Acrescenta-se que todos os pagamentos são suportados por orçamento próprio de cada unidade da instituição e atendem aos limites de despesa total com pessoal estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2001), estando as informações disponíveis pelos respectivos Portais da Transparência."
Como os pagamentos retroativos da gratificação, como o do MP-SP, ainda não começaram a ser feitos, eles não necessariamente aparecem nos portais.
Como os valores retroativos acumulados acabam sendo mais altos, os pagamentos destes recursos devem ser feitos de forma parcelada e respeitando o orçamento de cada unidade.

No MPF, zero retroatividade e sentimento de injustiça
O Ministério Público Federal disse não haver pagamento retroativo da gratificação em nenhuma de suas unidades.
Isso tem gerado um mal-estar entre as categorias.
O UOL conversou com integrantes do Ministério Público e Ministério Público Federal e ouviu que funcionários se consideram "injustiçados" por não poderem receber o retroativo.
O argumento para justificar a gratificação é que, nos últimos anos, o volume de processos da Justiça Federal e outras demandas só tem aumentado.
O MPF, contudo, não realizou concursos suficientes para zerar o preenchimento de vagas em aberto.
Conforme o Portal da Transparência da instituição, há um déficit de mais de 600 vagas de procurador que estaria levando ao acúmulo de trabalho e de funções.
Questionada sobre o motivo de não regulamentar o pagamento retroativo da gratificação, a assessoria do MPF informou que a regulamentação é um "ato discricionário do procurador-geral da República" e não deu mais detalhes.
O pagamento da gratificação em si está em vigor no MPF (que possui unidades em todos os estados e no DF) desde 2023.
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