O velho se enfureceu. Agitava um pedaço de papel com um gráfico com os defeitos deixados passar por cada um dos funcionários.
- Vocês não são pagos pra errar! Quem diz "não dá" não serve pra trabalhar aqui! E você, não tenho mais paciência nem pra olhar na sua cara. Não vou te demitir agora, quem vai decidir seu destino é seu supervisor —, retrucou o shachou.
Encerrada a reunião, todos se levantaram e se dirigiram às suas estações. Homens, para as máquinas. Mulheres, para as linhas. Eu, ainda em treinamento no seikei, fui junto aos homens.
"Você foi sincero demais", brincou Pedro, um veterano, dando um tapinha nas costas do menino. "Sincericídio que diz, né?", acrescentou.
Na ala masculina da fábrica, homens conversam quase o tempo todo (exceto quando avistam ao longe um dos diretores japoneses passando).
Usam o uniforme, mas com liberdades: relojões, correntes de ouro, cuecas Diesel à mostra. "O meu andar é erótico, com movimentos atômicos...", cantarolava Pedro, balançando a barriga protuberante, enquanto programava uma das máquinas.
"Ô menino, você é novinho mesmo, né? Aposto que você não conhece essa música. 'Robocop Gay', clássico dos Mamonas Assassinas", perguntou e respondeu Pedro. "Aqui é Primeiro Mundo, mas nós é tudo da roça, viu?", disse-me.
Pedro, paulista de 38, está há 19 anos no Japão. No Brasil, fazia cover de Bento Hinoto (1970-1996), guitarrista dos Mamonas. Mudou-se para cá para trabalhar como dekassegui e nunca mais voltou.
De repente, ficou quieto. Diretores passavam pela área com visitantes. Dias antes, Ren tinha me instruído a me comportar do seguinte modo na visita:
* não pode conversar
* não pode ficar parada
* não pode parecer que está cansada ou descansando
* não pode ficar sem uma peça nas mãos, para não dar a impressão de que os funcionários não estão sincronizados
* se a máquina estiver parada e for preciso esperar, não pode sentar: é preciso pegar uma vassoura e fingir que está varrendo
Mas não há vassoura que vença os fiapos e farpas de acrílico do chão.
No fim do dia, meus ombros pesavam uma tonelada. A lombar travou. Fiquei matutando usos para a calha de acrílico: bumerangue de pets, guitarra de brinquedo, espada samurai. "É a hora, mocinha. O treinamento acabou, você vai pra linha", avisou Riku.