Minhas mãos estavam ardendo. "Qual o truque de vocês pra aliviar a dor?", perguntei. Karina* sugeriu antiinflamatório, munhequeira e Salompas. Yukie imediatamente a interrompeu: "Não ilude a menina. A dor não passa nunca."
Yukie* é rápida como um robô. Depois de 9 anos na fábrica, ela conseguiu tirar 3 meses de licença não remunerada para tratar uma hérnia no pescoço. Voltou a todo vapor. "Você tá puxando o durex com muita força, daí dói o pulso. O truque é puxar de ladinho. É jeito, não força", orientou-me, impaciente.
Por dia, damos cerca de 6.250 passos (o equivalente a 3,3 km, informa meu smartphone) sem sair do lugar, executando os mesmos movimentos mecânicos o dia todo. É o quadro perfeito para desenvolver LER.
Mas reclamar é "chorar", nos jargões da fábrica. Pedir ajuda, dizer que está passando mal ou não está conseguindo acompanhar o ritmo, idem. Atrasar ou parar a linha é "peidar", considerado inaceitável — é aceitável, porém, peidar literalmente, inclusive em alto e bom som no galpão.
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31 de outubro
A temperatura marca 13°C. Passei a ir paramentada para uma guerra: meias elásticas para compressão, joelheira e cinta para lombar. Não sei se surtiram efeito ou se simplesmente me acostumei à dor, mas tomei mais confiança e já não "choro" tanto. De 27, meu tempo caiu para 19 segundos.
O único aviso desta manhã foi o lembrete da vacina contra influenza, para que ninguém tenha a "desculpa" de faltar por causa de H1N1. Não há folga: dia não trabalhado é dia não pago, exceto pelo yukyu, os 10 dias de férias remuneradas por ano, que podem ser reivindicadas com 6 meses de trabalho; um direito inexistente aqui, onde os funcionários não ousam pedir e, se pedem, ouvem "não".
Dias atrás, Alice*, a primeira kensa da linha 5B, faltou; no dia seguinte, foi levada pelo líder à sala do shachou para se justificar: passou mal por cólica menstrual. Não sei se Letícia*, a outra novata, sabia das cobranças, mas, na entrevista, lembro que ela frisou ter posto um DIU para minimizar cólicas e, assim, garantir não faltar à fábrica.
Letícia, 25, era nutricionista no Brasil. Fez faculdade via ProUni e cogitou emendar um mestrado, mas preferiu a porta aberta ao Japão. É articulada e vaidosa: corte chanel moderno e cílios curvados, vem de batom e um pouco de bálsamo (BB cream) para disfarçar imperfeições no rosto. "Você é nova aqui no Nihon, né? Nihon é Japão, cê sabe? Burajiru é Brasil. Brasileiro se diz bu-ra-ji-ru-jin", ela silabou, sorrindo.