Na porta de um dos leitos da UTI do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, um grupo de mascarados debatia o que fazer com Odete*, 66, em seu vigésimo dia de internação. Ela havia apresentado piora no quadro de Covid-19.
- O exame de raio-X revelou piora nos pulmões.
- Desculpa discordar do colega, mas eu acho... -- dizia um jovem residente.
- Ela teve uma piora infecciosa de ontem pra hoje, então vamos tentar o seguinte... -- respondeu o chefe da UTI, Jaques Sztajnbok, 54, enumerando medicamentos.
Encostado na porta ao lado, um médico residente apresenta outro caso.
- O senhor Frederico*, de 81 anos, previamente diabético e hipertenso, começou com sintomas gripais. Piorou em 21 de abril, chegou aqui no dia 22 com perda de força muscular e foi intubado ontem, dia 23.
- Se você conseguir fazer uma vez ao dia, como ele [o remédio] tem efeito pós antibiótico prolongado, ok. Por outro lado, o aminoglicosídeo para toxicidade oto e nefro depende de tempo de exposição -- ensina Sztajnbok, em típico vocabulário médico.
O chefe gesticula.
- A questão é a seguinte: é tudo novo, não dá para dizer que isso é só isso ou isso é só aquilo.
Enquanto um falava, com voz abafada pela máscara, os outros usavam os olhos para acompanhar, concordar e discordar. Ouviam e reagiam com os olhos.
Há quase dois meses, a ronda na internação do Emílio Ribas, especializado em doenças infecciosas, se intensificou. Cada leito é uma caixa de vidro. Lá dentro, o som se resume ao bipe agudo das máquinas e ao barulho do respirador. De fora não se ouve quase nada -- talvez um toque de telefone ou a água correndo para lavagem das mãos. Conversas de médico. Familiares em hora combinada, à espera de notícias.
A UTI do Emílio Ribas recebe pessoas com doenças crônicas -- o centro é referência em tratamento de HIV e infecções como febre amarela e H1N1. Mas hoje, a equipe está inteiramente dedicada ao tratamento de pacientes com Covid-19. "Gente que até ontem estava andando na rua", conta Ana Lúcia Guedes Santana, 42, enfermeira.
Cenas como as descritas acima são praxe em UTI. Para Sztajnbok, o que mudou foi o ritmo, agora muito mais intenso. Decisões sobre cada paciente precisam ser tomadas com cautela, mas rapidamente. Não há protocolo ou tratamento padrão, apenas caminhos e incertezas. Qualquer alteração deve ser observada e anotada. Cada resposta do corpo doente, cada exame de imagem e cada som emitido fazem parte de algo que ninguém conhece bem. Não saber o que fazer é angustiante.
O chefe da UTI tem dormido cerca de cinco horas por noite e bate ponto no hospital todos os dias há pelo menos três semanas, como quase a equipe inteira. Além das jornadas cansativas de mais de 12 horas diárias no hospital, os profissionais de saúde usam o "tempo livre" para ler artigos. "Acordo às 5h. É um horário bom para ler, as coisas são publicadas bem cedo e as crianças ainda estão dormindo."