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Travessura ou pica dura? Como a sacanagem rola numa 'surubalada' de terror

Zé Otávio/UOL
Imagem: Zé Otávio/UOL

Do TAB, em São Paulo

17/01/2023 22h00

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Encurralada em um corredor escuro, a garota miúda estava em pé, cercada, quase encoberta por eles. Um sorvia seus seios. Outro mascava sua virilha. O terceiro se acoplou em seu traseiro. De repente, ela abriu a braguilha de um deles e abocanhou o volume que se insinuava. Na sequência, puxou dois para um quarto.

A porta se fechou, mas aquilo só abriu o apetite do rapaz que sobrou. Logo ao lado, em um sofazão com alto teor de proteína, dois casais se agarravam. Ele ficou assistindo à cena até que uma troca de olhares simbolizou um convite para embolar ainda mais aquele bololô. Pois é: regras de etiqueta existem até nas orgias.

Não estive no surubão de Noronha, muito menos no quarto do sexo de Anitta. Na verdade, nem precisei sair do meu bairro. Adentrei o mundo encantado da liberalidade sem ir a nenhuma ilha tropical ou mansão na Barra da Tijuca.

A aventura começou no Feeld, aplicativo especializado em sexo grupal e fetiches. Na multidão digital de casais buscando trocas e ménages, apareceu uma página de "fextas xxx", com o seguinte lema: "onde tudo é permitido, e nada é obrigatório".

O passo seguinte foi pedir para entrar no Instagram e no WhatsApp do grupo, com cerca de 250 pessoas. Fui aceito. E lá havia mais normas. "Não sejam afobados, saibam chegar e ganhar seus lugares" era uma. "Respeito, educação, higiene e sigilo sempre" era outra. Essa ordem, porém, não consegui cumprir. Tinha a missão de descrever como é uma "surubalada".

No calendário do grupo, vi que já tinha passado o "Carnavrau" e um par de "festas do pijama". Muita esbórnia rolou em um sítio de Mairiporã (SP) e em um hotel no bairro da Lapa. Dessa vez, porém, uma versão liberal de Halloween ficou marcada para uma sauna em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Nada mais excitante do que misturar os dois maiores tabus da nossa sociedade: sexo e morte.

Pornô ou terror?

A festa começou antes no grupo de WhatsApp dos convidados. "A grande puta chegou e está doida para sentar", escreveu Allana, junto com uma selfie mostrando sua fantasia de múmia sexy. Enroladas em faixas de gaze que serviam de top e saia, ela e Samara recebiam os que chegavam no festim. Quando tocava um funk, rebolavam até o chão, e a gaze ia junto, deslizando e revelando ainda mais seus corpos esguios.

"Não sei se vou. Não tenho fantasia", postou um atrasado. "Vem pelado. Só não esquece a camisinha. Saudades de você, delícia", respondeu a anfitriã. A maioria dos homens estava à paisana. Já as mulheres capricharam no fetiche. Havia várias diabas rabudas e vampiras sanguinárias.

Karen vestia capa escura e botas longas. No rosto carregado de maquiagem escorria um fio vermelho do canto da boca, como um sangue cenográfico. Insegura, ela voltava naquela noite para a vida liberal após a separação e a pandemia. Antes, seu perfil nos apps de sexo era junto com o ex.

À meia-noite, ela estava dançando quando chegou um casal que atraiu sua atenção. Como não há sexo sem verbo nem verba, eles bateram um bate-papo, tomaram umas cervejas e deram uns passos na pista. Depois, o trio trocou um ardente beijo conjunto e se encaminhou para um reservado no andar superior.

As mulheres passaram no banheiro antes. Quando voltaram, o chicote estralou. Karen foi enrabada enquanto chupava outra garota, que narrava a sacanagem: "Mete tudo nela. Isso. Faz um estrago nessa gostosa". Quando terminou, as três partes envolvidas e chacoalhadas ficaram deitadas teorizando sobre signos do zodíaco, chegando a conclusão de que "touro combina muito com peixes". Depois da conjunção carnal, a conjunção astral.

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Imagem: Zé Otávio/UOL

A ciranda sacana

A pergunta chave nesse tipo de ambiente é "quer brincar?". Apesar de ser um playground para adultos, a suruba remete a mundos de faz de conta, como os vividos na infância, quando o desejo e a imaginação não conhecem freio. Os grupos se formavam, "brincavam" e a festa continuava. Depois da trepada, mais bebidas, dança e resenha até engatar a próxima "brincadeira".

As metáforas futebolísticas reforçaram essa lógica. "Hoje, o jogo vai ser 4 a 4", "bora juntar os times?" e "precisamos entrosar o grupo" foram algumas das propostas no grupo de WhatsApp antes do evento.

Todos deixaram os pudores na chapelaria, e a festa era a hora e o local para a transgressão ao que é interditado no dia a dia. Mesmo assim, trocando ideia com os surubeiros percebi que há um código de conduta.

As preliminares são parecidas com as de um rolê convencional: primeiro vem a atração física, a paquera e a conversa. Nela, já vai se falando das preferências, taras e desejos. Bateu a química e as vontades? No lugar dos amassos a dois, a transa em grupo.

Pela flexibilidade, casais com um ou dois componentes bissexuais são os mais cobiçados. Já homens estritamente heterossexuais têm menos margem de manobra e devem ter muito tato na farra. "Não é não" e "sim é sim" são as regras básicas. Quer entrar no meio da revoada? Peça e espere a resposta. Digamos que é sexo casual com um grau de formalidade.

No começo da gandaia, havia casais tímidos que ficavam no seu canto. Alguns vinham do interior do estado e viviam a primeira experiência. Outros surubeiros assíduos se mostraram mais sociáveis, como a atividade exige.

Perto do bar, uma panelinha queria mais era fazer um esquenta bebendo e rindo das anedotas de outras surubas. "O gozado foi que meu amigo é todo esquerdinha, todo moderninho, mas chegou na putaria e travou. Falei para ele: 'Você tem que pensar mais no coletivo. Vem fazer um networking, pai'. Ele não gostou nada", contou um dos enturmados, para a risada geral.

A carne é louca

A palavra suruba é mais uma contribuição do tupi-guarani para a safadeza nacional (significa "tronco desgastado"). Os termos anteriores para denominar os coitos grupais têm origem na Antiguidade, como orgia e bacanal, vindos respectivamente da Grécia e Roma e ligados às festanças do deus do vinho (Dionísio ou Baco).

Na surubalada paulistana, a bebida preferida era mesmo uma cerveja gelada no gargalo. Karen segurava uma enquanto conversava com dois rapazes que tinham testemunhado sua performance no ménage pela fresta da porta. Com a conversa mole e o pau duro, eles disparavam elogios e insinuavam um novo jogo para a devassa, que recuperava suas forças e tentava se esquivar.

Apesar de ser uma suruba, muitos casais se trancaram nos quartos do primeiro andar em busca de uma intimidade para o swing. Outros, mais performáticos, se exibiam nos sofás, com direito a cavalgadas sincronizadas e gemidões que concorriam em decibéis com a trilha do DJ, que vinha do andar inferior.

Lá pelas 3h da manhã, a maioria do grupo já tinha tirado de vez as fantasias e aderiu à sauna que havia no segundo andar. Pelados, suados e alcoolizados, os participantes permaneciam fiéis apenas a suas libidos. Trios, quartetos e quintetos de sopro e percussão se formavam a todo o vapor, em todos os sentidos (e as direções).

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Imagem: Zé Otávio/UOL

E lá no meio estava Karen novamente, afogada em chupões e abraçada pelos tentáculos de seus comparsas. Meia hora depois, terminada a fervura daquela almôndega humana, Karen se vestiu, se despediu dos novos amigos, mas se negou a dar seu contato telefônico a eles: "Vem na próxima festa que a gente se tromba". Pediu o Uber e foi embora para sua vida. Pouco depois, fui também pra minha, a pé mesmo. E você, indecoroso leitor, faça o favor de voltar para a sua.