TV, bundas e 'pornô POV': ascensão e queda da Buttman Brasil
Stanlay Miranda demora um tanto para reconstituir as memórias do império pornográfico que construiu nos anos 1990. Aos 60 anos, vive modestamente em um flat no centro da cidade de São Paulo e guarda as lembranças físicas em uma salinha empoeirada em um casarão na zona oeste.
Dentro da salinha, uma pilha de fitas masters revela o que deixou Miranda milionário: filme de sacanagem foi o que fez com que o patrimônio do diretor crescesse vertiginosamente e que a pornografia ocupasse um lugar cativo nas bancas de jornais e nas madrugadas da TV aberta.
A Buttman Brasil foi uma das produtoras mais conhecidas dos anos 1990 e 2000. Sua marca registrada era a mais simples possível: bundas grandes, sem roupa, filmadas em close fechado atravessando uma sala de estar ou uma praia paradisíaca.
Foi na Buttman que atrizes da indústria deixaram sua marca. Lana Starck, Juliana Pires e Fabiane Thompson foram algumas das mulheres que não só estrelaram os filmes como também estamparam as capas da revista Buttman, com tiragem de 40 mil exemplares e distribuída no país todo.
Era um conglomerado de mídia, um navio transatlântico dirigido por Stanlay Miranda. Até que o navio afundou igual um Titanic.
Collor e gonzo
Em 1990, quando o então presidente Fernando Collor anunciou o confisco das poupanças dos brasileiros, Stanlay Miranda estava em Buenos Aires e ligou desesperado para a mulher. "Ele confiscou a minha?", perguntou. "Ah, sim, ele confiscou a de todo mundo, menos a sua", respondeu a voz da esposa, ironicamente, do outro lado da linha.
Na época, Stanlay estava tentando emplacar um negócio de importação de peças de caminhão. Foi direto para o ralo. Para enfrentar a pindaíba, virou representante comercial de uma distribuidora de filmes e conheceu um homem que mudou seu destino: John Stagliano.
Fundador da produtora norte-americana Evil Angel, Stagliano é uma lenda do pornô. Nadando no sentido contrário ao estilão cinematográfico dos anos 1970, ele entendeu rápido a nova linguagem que dominaria a pornografia e a era das fitas VHS.
Com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, Stagliano se inspirava em Hunter S. Thompson, escritor que criou o jornalismo gonzo, para gravar suas aventuras. Nos filmes do norte-americano, o espectador vê toda a cena sob a perspectiva do homem que está transando. É o que chamam de "point of view", ou POV. O ator em si quase não aparece e as atrizes olham diretamente para a câmera, como se estivessem falando com o espectador e quebrando a quarta parede. Ou seja: elas estão é transando com o espectador.
Esse recurso foi definidor para as próximas gerações da pornografia. Tanto é que Stagliano foi considerado o Woody Allen da sacanagem por alguns estudiosos.
Filmando suas turnês pelo mundo, sob a alcunha de "Buttman", esse gringo com cara de canastrão batia cartão no Brasil com um time de atrizes e atores para fazer filmes bem naquele esquema Brasil com "z", no Rio: praias, bundas e caipirinha.
Para ouvir a história inteira da Buttman Brasil, ouça "Brasil Para Maiores", uma reportagem em áudio do UOL TAB que resgata a explosão da pornografia brasileira e o surgimento da era de celebridades.
Stagliano também foi um dos primeiros diretores a lançar no mercado estrangeiro filmes pornográficos gravados no Brasil. E, em uma dessas vindas, conheceu Stanlay e o santo dos negócios bateu na hora.
A parceria começou com 20 mil dólares em espécie, entregues pelo norte-americano nas mãos do brasileiro. Sem contrato, sem testemunhas, sem firulas jurídicas. Era o pontapé para a abertura de uma filial brasileira da Buttman. "Era uma encruzilhada: dar um 'perdido' no gringo — e sumir do mapa com 20 mil contos na mão — ou abrir a empresa. Escolhi o segundo caminho", conta Miranda. "Em menos de dois anos, estávamos faturando mais de R$ 1 milhão por mês."
Império das Bundas
Com a Buttman estabelecida no Brasil, Miranda investia pesado nas produções de filmes. Para isso, ele tinha um time de diretores: o próprio Stanlay, o ator e diretor Fabio Scorpion, Valter José, Marcelo Storelli, Roger Lemos e Carla Borges — umas das primeiras mulheres a dirigem pornografia no Brasil.
Mas os filmes não eram o bastante. Stanlay queria dominar o mundo, ou melhor, a mídia. Lançou também a revista, com tiragem respeitável. No começo dos anos 2000, comprou uma hora da grade de madrugada na RedeTV! para Monique Evans entrevistar sub-celebridades, deitada em uma cama redonda. O programa acabou em 2004, mas logo foi substituído por uma entrada 100% dedicada à Buttman, campeã de audiência da grade.
"Era caro, acho que era 'cem pau' [R$ 100 mil], por aí, por semana. Dava para pagar, né? Dava um retorno muito grande", relembra Stanlay, orgulhoso. "Fomos a única produtora que conseguiu ir pra TV."
Sair na capa da revista da Buttman também era uma vitrine poderosa para as atrizes aspirantes que assinavam com a produtora. Uma delas, inclusive, foi Fabiane Thompson, que contou sua história para o podcast "Brasil Para Maiores".
"Não tinha nem saído uma cena minha ainda. Gravei e no mesmo mês saiu a revista. Meu Deus, eu estava em todas as bancas de jornal, de tudo", relembra Thompson, sobre o choque de se ver na capa da Buttman.
Quem comandava a revista era Edson Strafite, jornalista curitibano que trabalhou na Buttman de 2003 a 2007. O salário inicial não era grande coisa, mas ele topou. "Imagina, eu era uma bicha do mato de Curitiba com oportunidade de morar em São Paulo", conta. Passou a escrever todos os textos da revista. Levava a sério a missão, incluindo até entrevistas com figuras como Supla e Núbia Óliiver. Strafite também legendava os filmes que vinham dos EUA e produziu grande parte dos nacionais, além de apresentar parte do programa da Buttman TV.
Acordo de cavalheiros
Na época em que a Buttman estava na ativa, o mercado pornô estava aquecido. Fora o império de Stanlay, havia a Brasileirinhas de Luis Alvarenga, a Sexxxy, Introduction, Privat, As Panteras, entre muitas outras.
Mas nos anos 2004, com a chegada de Alexandre Frota ao pornô, a Brasileirinhas disparou na concorrência e investiu pesado no filão de celebridades e subcelebridades, que viram na indústria uma chance de ganhar uma grana e, talvez, voltar aos holofotes.
Assistindo de camarote a correria da Brasileirinhas para assinar com qualquer "quase famoso" que fosse, Stanlay decidiu não entrar na onda. "Eu decidi que não queria competir. Pensei: 'pô, a gente vende muito bem'. Aí briguei lá dentro da empresa com meu diretor comercial, que quis me matar. Maior erro que eu já cometi (risos)", relembra.
Nem a Buttman, muito menos a Brasileirinhas, estavam preparadas para enfrentar o maior maremoto a atingir a indústria pornô: a pirataria na internet.
'Eu consegui'
No auge da Buttman Brasil nos anos 2000, um espectro rondava o meio. Era a chegada da Blockbuster, rede que aos poucos foi quebrando as videolocadoras de bairro. Além de receber os lançamentos antes de todos, a rede estrangeira não oferecia pornografia para alugar.
Não bastasse a Blockbuster, veio também a pirataria. "Foi um baque, porque mesmo ainda vendendo muitos DVDs, a gente via na rua banquinha vendendo cópias piratas dos nossos filmes", relembra Strafite.
A crise de Stanlay, contudo, foi outra. Nessa época ele passava por mais um divórcio — o quarto, litigioso e traumático. A ex-esposa era diretora comercial da Buttman Brasil. Por um período, ele chegou a perder o controle da empresa. Foi sua derrocada. A depressão veio e dominou. "Lembro que me falavam que era impossível falir a empresa, mesmo se eu quisesse. Mas eu consegui."
Hoje, em andamentos processuais, é possível encontrar migalhas do conglomerado de CNPJs que Stanlay manteve por décadas. Restou da Buttman Brasil apenas o site oficial, comprado pela produtora Brasileirinhas.
Para um homem que esteve no topo, há uma estranha calma em seu tom de voz, tranquila como a poeira que aos poucos engole seu acervo da era dourada do pornô.
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