Como Eduardo virou uma figura de poder capaz de influenciar a Casa Branca

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Quando anunciou que iria morar nos Estados Unidos, em 18 de março, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) deu continuidade a um caminho pavimentado ao longo de quase dez anos para se aproximar de líderes da extrema direita global e investir, principalmente, na relação com pessoas próximas a Donald Trump.
Com método, ele construiu uma rota que resultou no autoexílio e o alçou a expoente da direita brasileira com capacidade de influenciar a visão política da Casa Branca, a ponto de o governo Trump pressionar o Brasil para defender o seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no processo em que é réu acusado de tramar um golpe de Estado.
Os EUA impuseram tarifaço de 50% aos produtos importados do Brasil, revogaram vistos de autoridades brasileiras e incluíram o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, na lista de sancionados pela Lei Magnitsky, aplicada a violadores de direitos humanos.
Mas o lobby de Eduardo tem seu preço também no Brasil. Quando se mudou para os EUA ele não era alvo de nenhuma investigação. Agora, já foi indiciado pela Polícia Federal por tentativa de obstruir a ação penal da trama golpista, e a expectativa é que seja denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República).
Suas ações nos EUA tampouco influenciaram o processo contra seu pai, que começa a ser julgado pelo STF em 2 de setembro.
Ontem, o UOL revelou que Eduardo tem acesso aos gabinetes de integrantes do governo Trump, de ex-assessores do presidente e de ao menos 47 gabinetes de congressistas norte-americanos, incluindo figuras influentes, como o deputado Chris Smith e o senador Ted Cruz, ambos republicanos.
De Mar-a-Lago ao Capitólio
As relações de Eduardo com o Executivo e o Legislativo dos Estados Unidos foram costuradas ao longo do tempo e com ajuda do empresário carioca Paulo Figueiredo, que mora no país desde 2015 e que foi sócio de Trump em um empreendimento no Rio. Eduardo e Figueiredo lideram a ofensiva nos EUA contra Moraes.
Figueiredo conta ter recebido uma ligação de Eduardo em novembro de 2016, logo após a primeira eleição de Trump. Ouviu de Eduardo que ele queria transformar seu pai, o então deputado Jair Bolsonaro, em uma figura com posição similar à de Trump.
Ele diz que não deu muita atenção porque Bolsonaro era um deputado sem peso político relevante. Mas "a situação mudou" após a eleição presidencial de 2018.
Em novembro daquele ano, depois da vitória de seu pai na disputa, Eduardo fez um périplo em Washington, onde se reuniu com aliados importantes de Trump entre os quais alguns que têm influência até hoje, como o então estrategista-chefe da Casa Branca, Steve Bannon, e com o então senador Marco Rubio —hoje secretário de Estado norte-americano, responsável pela revogação de vistos dos ministros do STF e de integrantes do governo Lula.
Em fevereiro de 2019, Figueiredo levou Eduardo a um evento na casa de Trump, em Mar-a-Lago, na Flórida. Ali, apresentou o deputado a Eric Trump, filho do presidente.
Thomas Shannon, ex-embaixador dos EUA no Brasil, diz que a relação que Eduardo desenvolveu com a família Trump foi muito importante para posicionar o deputado com o poder de influência que ele tem hoje. Ele destaca que Eduardo estava em Washington em 6 de janeiro de 2021 e foi testemunha de como o ataque ao Capitólio aconteceu.
Shannon analisa que Eduardo pôde desenvolver sua própria leitura sobre os erros que Trump teria cometido no episódio —para ele, o filho do ex-presidente usou este aprendizado no processo que desaguou no 8 de Janeiro em Brasília.
Meses depois, o deputado americano Jamie Raskin cogitou pedir a inclusão de Eduardo na investigação sobre a invasão do Capitólio por supostamente ter se reunido com articuladores do ataque ao Congresso.
Ele chegou a dizer que via risco de algo semelhante ocorrer no Brasil. Eduardo Bolsonaro negou ter feito reuniões secretas com planejadores do golpe. Naquela semana, ele se reuniu na Casa Branca com Ivanka Trump, filha do presidente, e seu marido, Jared Kushner, então assessor trumpista.
A influência do olavismo
Antes da eleição de 2018, ainda em seu primeiro mandato como deputado, Eduardo se espelhava na corrida presidencial dos Estados Unidos em 2016: entendia que, com a derrocada do PT pós-Lava Jato, havia espaço para uma candidatura "antissistema", que rompesse com o padrão da política brasileira —assim como foi a de Trump.
Seu irmão Carlos Bolsonaro já trabalhava nas redes sociais do pai e, juntos, planejaram a campanha presidencial com foco na pauta de costumes, tendo como base o que aprenderam lendo os livros e assistindo os vídeos do escritor Olavo de Carvalho, que oferecia cursos online com a sua visão sobre ciência política desde sua casa, no Estado da Virgínia, nos EUA.
Morto em 2022, Olavo foi uma espécie de guru da família Bolsonaro. Foi apresentado ao clã dez anos antes por Flávio, o filho mais velho do ex-presidente, que se interessou pelo conteúdo dos vídeos do escritor no YouTube.
Em 2014, Eduardo se aproximou de outro aluno de Olavo, Filipe Martins. Ele, que defendia a aliança conservadora global articulada por Bannon, trabalhou na embaixada dos Estados Unidos em Brasília, se tornou assessor de Jair Bolsonaro para assuntos internacionais no Palácio do Planalto e também ajudou a direcionar Eduardo no mapa da direita conservadora pelo mundo.
Assim como Jair Bolsonaro, Filipe Martins e Paulo Figueiredo são réus no processo da trama golpista.
Em 2017, Eduardo viajou aos EUA para conhecer Olavo, de quem se dizia fã. Em seus livros, palestras e vídeos, o escritor criticava o que chamava de marxismo cultural, a influência da esquerda em escolas e universidades e o globalismo. Esses e outros pontos tinham afinidade ideológica com Bannon, estrategista de Trump, que vê hoje em Eduardo a figura certa para assumir a presidência do Brasil em 2026 e liderar o projeto da direita no sul global.
Articulação internacional da direita conservadora
Com a ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência, Eduardo se engajou oficialmente na pauta de política externa com o objetivo de fazer parte de uma aliança da direita no mundo e influenciar a política do Brasil pelo exterior.
Incentivado por Figueiredo, em 2019 Eduardo passou a participar do CPAC, congresso da direita internacional em que os participantes discutem bandeiras, fazem articulações e networking. Eduardo e o pai são os únicos brasileiros que já discursaram no evento.
Em 2019, no início do seu segundo mandato e do primeiro ano de governo do pai, Eduardo virou presidente da Comissão de Relações Exteriores na Câmara.
Naquele ano, foi cotado para assumir a embaixada do Brasil nos EUA, mas acabou não conseguindo se consolidar para o posto diante da pressão política. Ficou no Brasil e decidiu atuar na prática como o ministro de relações exteriores, se sobrepondo ao chanceler Ernesto Araújo, indicado por Olavo. Era Eduardo quem representava o país nas visitas a Trump, a Viktor Orban (Hungria) e a Matteo Salvini (Itália), entre outros.
Ao deixar a presidência da comissão, em 2021, fez mais um gesto: elogiou, em discurso, o príncipe saudita Mohammed bin Salman, apontado como o mandante da execução do jornalista Jamal Kashoggi. Naquele ano, Eduardo se reuniu em Brasília com a neta de um ministro de Adolf Hitler, a deputada alemã Beatrix von Storch, do partido de direita AfD (Alternativa para a Alemanha). Lutz Graf Schwerin von Krosigk, seu pai, era o responsável pelas Finanças na Alemanha Nazista.
Entre 2018 e 2023, Eduardo participou de ao menos 125 reuniões com integrantes da ultradireita de América Latina e Estados Unidos. Ele também costurou alianças com líderes da direita em Portugal, Espanha, Alemanha, Itália, Polônia, entre outros.
Trump perdeu a eleição de 2020 para Joe Biden. A família Bolsonaro assumiu o discurso do aliado e de que havia fraude no pleito. Quatro anos depois, Eduardo acompanhou a eleição americana no QG de Trump em Palm Beach, na Flórida, e comemorou a vitória que levou o republicano de volta à Casa Branca.
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