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Ex-bilionário, Eike Batista quer voltar aos negócios: 'Me sinto enjaulado'

Eike Batista quer voltar aos negócios. Mas, para isso, precisa sair do limbo em que se encontra, como disse em entrevista exclusiva ao UOL. "Me sinto enjaulado. Hoje sou radioativo, uma aberração jurídica."

A fortuna, calculada em mais de US$ 30 bilhões, foi virando pó na última década.

Entre as escorregadas, Eike perdeu o comando da petroleira OGX e virou alvo da Lava Jato. Ficou três meses preso em Bangu 9, em 2017, sob suspeita de pagar propina ao ex-governador do Rio Sérgio Cabral.

Por este crime, foi condenado a 30 anos de prisão pelo juiz Marcelo Bretas — hoje afastado do cargo. Por crimes contra o mercado financeiro, as penas somam 28 anos. Sua defesa recorre das decisões.

Apesar de ter feito delação premiada, com pagamento de multa de R$ 800 milhões, seus bens continuam bloqueados.

Eike, que espera a revisão do caso, diz que viaja em avião de carreira e não tem mais os carrões que costumava exibir. A ambição, porém, diz manter intacta.

"Gosto de me envolver em rupturas, e ruptura é no mínimo deixar alguma coisa 100% melhor. Muitas vezes, até 10.000% melhor", diz.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Sonhos tecnológicos

  • Eike Batista presta serviços de consultoria e dá cursos de empreendedorismo.

"Eu vivo desse trabalho, literalmente, graças a Deus. Inteligência se vende. Capacidade de visualizar, enxergar e mostrar ideias novas — isso é o que eu sei fazer. E de ruptura todo mundo quer ouvir. Os empresários gostam de saber do empresário que gerou tanta riqueza e também das falhas. Porque um empresário que não teve um fracasso ou alguma coisa importante que não funcionou ainda tem o que aprender. Muitas vezes você ensina mais com seus erros e fracassos do que com o sucesso."

  • Eike deseja ser sócio em projetos quando resolver suas pendências com a Justiça.

"Gosto muito da área de biotecnologia. Estou envolvido com o pessoal que tem uma variedade de cana-de-açúcar batizada de 'cana celulose'. No agro, o Brasil é muito forte. Também acredito na área de fertilizantes. A gente importa quase 90%, só que o Brasil tem jazidas importantes de potássio, por exemplo, na Amazônia, e de outros fertilizantes orgânicos. A gente estuda e assessora empresas nessa área."

  • O novo foco destoa muito do que Eike fazia 15 anos atrás. No auge, os investimentos eram todos da velha economia -- mineração, petróleo, logística e energia térmica.
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Imagem: Zô Guimarães/UOL


Pendências com a Justiça

"Preciso que o Brasil me permita voltar a ser o empresário que sempre fui. Fui referência para muitos jovens. Quero voltar para empreender."

  • Eike se diz perseguido pelo juiz Marcelo Bretas, que determinou sua prisão preventiva e o condenou em 2018. Também foi Bretas quem determinou que Eike fosse preso novamente em 2019.

"Fui julgado na primeira instância por um juiz que andava com meu carro e que levou meu piano da minha casa para a casa dele. Minha experiência com o Judiciário na primeira instância foi muito infeliz. [O ex-juiz Flávio Roberto de Souza foi flagrado dirigindo o Porsche de Eike Batista e também levou o piano de empresário para seu apartamento. O juiz foi condenado por peculato e fraude processual e afastado do cargo.] Infelizmente, a gente passou essa fase onde muitas coisas foram interpretadas de um jeito, do tipo: 'o Eike é um troféu. Se eu botar o Eike como um troféu na minha parede, eu vou criar mídia'. Acho que foi o que o juiz do Rio de Janeiro, o Marcelo Bretas, fez no meu caso. O próprio governador Sérgio Cabral, numa audiência, disse claramente que com o Eike Batista não houve 'toma lá dá cá'. O juiz, junto com o Ministério Público que atuou na época, usou processos medievais. Na primeira prisão, fiquei 90 dias preso. Por que razão, se não fui julgado nem em segunda instância? Como é que pode? Gostaria de alguma atenção para voltar a empreender. Soltem o Batista, que criou tanta riqueza para o Brasil, fez tantos projetos."

"Sempre contribuí com campanhas, num processo normal, como os empresários podiam fazer até a última lei. Isso já não existe mais, não vou fazer, mas na época podia. Eu dava dinheiro para o partido que estava no poder, o de oposição que estava sempre bem colocado e escolhia alguns políticos de que eu gostava — como qualquer empresário americano, capitalista, acreditando na democracia. Nunca comprei uma empresa quebrada que era do Estado, nunca prestei serviço para o governo, nunca fui empreiteira."

"A Justiça andou em vários casos que estão sendo revistos. Gostaria que o meu também fosse olhado com certa atenção, porque me considero um brasileiro que criou coisas importantes para o Brasil. Não sei se pode ou não pode, mas que avance, que a gente tenha uma posição. Não posso ficar no limbo jurídico. Se houve revisão de todos esses, eu também não mereço ter uma revisão nesse caso, no meu acordo? Da mesma maneira que os executivos da Lava Jato, da Odebrecht, estão aí empreendendo, vendendo ativos de maneira clara, gostaria de ter minhas coisas, que isso avançasse."

"Meus projetos mantiveram 20 mil empregos. A OGX do petróleo não funcionou. Aconteceu o que aconteceu. No mundo dos negócios, às vezes você falha. Mas todos os outros projetos ficaram em pé."

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Imagem: Zô Guimarães/UOL

Bilionário de novo?

"Fui campeão brasileiro de offshore [corrida de lancha], campeão americano e campeão mundial. Ganhei tudo que podia ganhar no esporte de corrida de lancha. E, como um atleta esportivo, você nunca fala que quer ser o número dois, você quer ser o número um. Foi nesse contexto que se colocou que o Eike queria ser o cara mais rico do mundo. Para mim, ser rico é ser capaz de criar de novo. Tenho muito orgulho de ter criado esses ativos que hoje beneficiam o Brasil como um todo, geram impostos. Fora as multinacionais, a Petrobras, os gigantes, a JBS também é um grande grupo, me diga outro que investiu tanto em projetos tão transformadores no Brasil?"

"Eu tenho minha casa onde eu moro, no Rio, que é um bem de família, de que eu tenho o usufruto, mas é uma propriedade das crianças. Mas eu não viajo mais, não tenho mais avião a jato, nada disso. Uso um avião normal [avião de carreira]. A Lamborghini foi um presente do meu filho. Eu nem gosto muito desse carro. Você sabe o que eu tinha na minha sala? Eu tinha uma Mercedes McLaren. Quando jovem eu tinha um sonho pela beleza desse carro. E aí eu botei na minha sala. Na época, a ideia era muito mais de mostrar para o jovem empreendedor brasileiro que, se você gera a sua riqueza honestamente com o seu negócio, por que você não pode ser como um cantor sertanejo ou jogador de futebol? Precisa mostrar a sua riqueza. A Lamborghini que você está falando foi um presente que meu filho quis me dar, mas ele é que gostava do carro. Para mim é só mais um carro."

"Eu tenho as coisas que tenho na minha casa. Mas mesmo isso, quando a Polícia Federal foi na sua casa, tudo é expropriado. O processo é medieval do jeito que era feito. Na segunda prisão, eles foram na casa de um dos meus filhos que nunca trabalhou comigo, nunca teve nada a ver comigo. [Olin Batista, o caçula de seu casamento com Luma de Oliveira, que atua como DJ.] E aí, quando afeta a família, você entra num outro nível de estresse. Aí, tudo fica muito confuso. Quando afeta a sua família, afeta a gente de uma maneira diferenciada."

Aprendizados

"No fundo, um grupo como o meu só quebra quando isso acontece de dentro para fora. Aprendi que tenho que ter mais controle. Apesar de minhas empresas serem todas listadas na Bolsa, ter a governança do novo mercado. Um grande aprendizado é que a governança e o compliance têm que ser muito mais rígidos. Até, eventualmente, filmar reuniões onde tem diretores que compram ou têm um orçamento. Se você vê um pouquinho a história das Lojas Americanas, teve um grupo de executivos que fez algo assim, que você não tem o que fazer. O caso das Lojas Americanas é recente e eu sinto pena dos investidores, dos donos. Então, as diferentes auditorias falharam. Falharam comigo também."

"Eu e milhares de investidores morremos com as ações na mão, a centavos. Que manipulação é essa? Queria eu distribuir. Em 2010, 2011, eu podia ter vendido US$ 15 bilhões em ações da OGX, botado no meu bolso e entregado a companhia para os administradores. Então, se eu morri com as ações, fiquei com as ações, que manipulação foi essa? Eu afundei junto com eles. Não sei se você lembra, eu estava em Nova York [quando surgiram questionamentos sobre a saúde financeira da OGX]. Imediatamente peguei o avião para esclarecer o que estava acontecendo."

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Imagem: Zô Guimarães/UOL

Vida e obra

"Fizeram um filme baseado num livro de uma jornalista que criou a história dela. Não participei dessa história. Ela fez esse livro conversando com executivos. Mas e a versão da pessoa que foi culpada de tudo? Tinha de aparecer uma hora, né? A Malu Gaspar já tinha apontado problemas com executivos [da OGX]. Só que eu apontei mais. Por isso que eu acho que a comparação com as Americanas é muito boa. Qual é o meu interesse de manipular [o mercado]? Não encaixa no indivíduo que sou — um cara que gosta de criar emprego, de ser eficiente, de trazer eficiência para que todo mundo possa usar."

"Ando na rua e as pessoas querem tirar uma foto comigo. Isso pelo menos me diz alguma coisa. Mostra que fiz muita coisa certa. Ganhei muito dinheiro porque fui estupidamente eficiente. E, se eu trago para você uma economia, para você e para milhares de pessoas, mereço um pedaço dessa eficiência, não mereço? Eu te trouxe tanto. Dá um pedaço pra mim. Foi isso que fiz. E eu sinto esse reconhecimento. Nunca sofri hostilidade [do público]."

"Não venha me oferecer algo que já está aí. Quando você pensa num negócio novo, que ele seja no mínimo 100% mais eficiente. A provocação é pensar em modelos exponenciais. Porque a tecnologia te permite isso, o Brasil te permite isso. Não precisa ser tudo grande para ser eficiente. Você pode ter uma eficiência no pequeno também, com tecnologia. Ensinar alguém a fazer queijo não é trivial. Tem uma tecnologia, tem que saber fazer. É muito fácil tirar leite da vaca e vender só a matéria-prima. Vamos agregar valor a esses produtos. Não acredito em nada que seja 10%, 20%. Gosto de me envolver em rupturas, e ruptura é no mínimo deixar alguma coisa 100% melhor. Muitas vezes, até 10.000% melhor. É isso que está acontecendo com essa convergência dessas tecnologias todas."

  • O que falta para Eike voltar aos holofotes é resolver suas pendências legais.
  • Eike se diz perseguido pelo juiz Marcelo Bretas, que determinou sua prisão preventiva e o condenou em 2018. Também foi Bretas quem determinou que Eike fosse preso novamente em 2019.
  • A acusação contra Eike na Lava Jato é de que o empresário teria pagado propina a Cabral por meio de uma conta no exterior. Eike nega e diz que financiou políticos sem pedir favores em troca.
  • Eike diz acreditar que seu acordo pode ser revisto, como ocorreu com o da J&F, em dezembro de 2023, por decisão do ministro do STF Dias Toffoli.
  • Eike justifica o pedido para que a Justiça reveja seu caso no seu histórico de gerador de riquezas e empregos no Brasil.
  • O empresário se incomoda quando questionado sobre voltar a ser bilionário. Acha que não foi bem compreendido no passado quando falou do seu desejo de criar riqueza.
  • Eike afirma que não tem mais os luxos do tempo de magnata. Os carros e iate que usava como símbolo de riqueza e poder foram leiloados.
  • Ele diz acreditar que houve abuso no confisco dos seus bens. Reclama, também, de ações contra sua família.
  • Eike culpa a estrutura de suas empresas pela quebra. Diz que os processos de gestão falharam e que seu maior erro foi confiar nas pessoas, mas não se vê como ingênuo. Ele vê semelhanças do seu caso com o das Lojas Americanas.
  • O empresário nega ter manipulado o mercado de capitais, uma das acusações a que ainda responde na Justiça. Diz que nunca abandonou o barco dos seus negócios: afundou junto com os acionistas.
  • Eike acaba de lançar um filme contando a sua história. "Gigante pela própria natureza" é um documentário em quatro partes, cujos títulos são todos tirados do Hino Nacional: "Terra dourada [sic -- a letra fala "terra adorada"]", "Conseguimos conquistar com braço forte", "Verás que um filho teu não foge à luta" e "O teu futuro espelha essa grandeza". Dirigido por Nicoli Rurik, o filme foi lançado em novembro de 2023 e está disponível no YouTube.

    O documentário é uma espécie de resposta ao filme "Eike - Tudo ou Nada", lançado em 2021 e atualmente disponível nas plataformas de streaming. O longa-metragem, com Nelson Freitas interpretando o empresário, foi baseado no livro de mesmo nome da jornalista Malu Gaspar, que narra os tempos de glória e a derrocada do ex-bilionário.
  • O principal conselho que Eike gosta de dar aos empreendedores brasileiros é fazer tudo mais eficiente do que já existe.
  • Sua vida mudou, mas a ambição é a mesma.

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