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Meta facilita, e golpes no Instagram se perpetuam

Uma jovem desfila roupas de academia de uma marca famosa enquanto uma voz simpática anuncia 70% de desconto. O anúncio no Instagram é atrativo. Clico na hora.

Só tenho o estalo pouco antes de finalizar a compra: após três meses apurando uma reportagem sobre golpes no Instagram, eu estava prestes a cair em um deles.

Muitos já caíram.

A fraude acontece há quase uma década nas plataformas da Meta, dona do Instagram, e a empresa não faz nada para coibi-la.

Pelo contrário: ela facilita os golpes e fatura com o impulsionamento desses conteúdos criminosos.

Funciona assim: após o clique em um link fraudulento, o Instagram ou o Facebook carregam a página do site, mas mantêm o usuário em seu aplicativo.

Se fechar a aba, ele continuará navegando normalmente pelo feed.

Segundo especialistas, isso ajuda a confundir os usuários, porque eles acreditam na reputação da rede social e não percebem que estão sendo direcionados para um domínio externo.

Se a pessoa efetuar a compra, provavelmente nunca verá o produto nem terá o dinheiro de volta.

A big tech fundada por Mark Zuckerberg não ajuda a vítima a identificar o golpista e a reverter o prejuízo. E não adianta reclamar.

A plataforma não revela informações detalhadas de anunciantes e se aproveita de uma brecha na lei brasileira para não se responsabilizar por vendas fraudulentas.

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Imagem: Carol Malavolta/UOL

Esquivando-se da responsabilidade

Nem toda plataforma de vendas online lava as mãos para as fraudes, como faz a Meta.

Gigantes do e-commerce — Mercado Livre, Amazon e Lojas Americanas, por exemplo — contam com times de engenheiros para controlar e verificar anúncios previamente, o que reduz o volume de golpes.

Exigir autenticação em múltiplos fatores e confirmações por códigos dentro do app cria obstáculos para vendedores suspeitos, como ocorre no Mercado Livre.

A empresa tem um sistema de pagamento próprio, que protege o dinheiro dos clientes nas transações e garante o reembolso em fraudes.

Em todos esses sites, o consumidor pode pedir ressarcimento ao desistir da compra.

Se o suporte não resolver o problema e o imbróglio chegar à Justiça, a empresa de e-commerce que fez a ponte entre o fraudador e a vítima pode ser acionada.

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Imagem: Carol Malavolta/UOL

Empresas têm menos chances de ser condenadas quando deixam claro nos termos de uso que não são responsáveis pelas transações, como faz a Magazine Luiza.

Com a Meta é diferente.

Qualquer pessoa pode cadastrar um anúncio inserindo meio de pagamento válido, como número do cartão de crédito, e qualquer conta pode impulsionar conteúdos, incluindo fraudulentos.

A Meta foi acusada na Justiça de facilitar o golpe de terceiros pelo Instagram.

A companhia alegou que não está na posição de "fornecedor do negócio de compra e venda", e por isso o Código de Defesa do Consumidor brasileiro não deveria ser aplicado.

Segundo o Marco Civil da Internet, que regula o ambiente online no Brasil, redes sociais só podem ser responsabilizadas por atos de terceiros se descumprirem ordem judicial para remover conteúdos fraudulentos.

Caso contrário, elas não podem ser punidas pelo que outras pessoas publicam.

Por isso, existe um entendimento de que o Código do Consumidor não pode ser aplicado em golpes patrocinados se a venda acontecer fora da plataforma e sem relação de consumo entre rede social e usuário.

Esta visão é corroborada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Mas não há consenso sobre a interpretação da lei nesses casos, o que acaba protegendo a Meta e outras big techs.

É preciso uma mudança na lei para que essas empresas passem a responder por danos sociais e coletivos, avaliam o Procon e especialistas na área.

A Meta abre portas ao golpe porque é a responsável por fazer o golpista chegar até as vítimas usando seu algoritmo e sua cartela de usuários. Déborah Salles coordenadora do NetLab, laboratório de pesquisa da UFRJ que atua com o Ministério da Justiça para identificar fraudes

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Imagem: Carol Malavolta/UOL

Faturando com fraude

De dezembro de 2023 a fevereiro deste ano, o UOL monitorou dezenas de contas na biblioteca de anúncios da Meta categorizados como "temas sociais, eleições ou política".

Essa é a única categoria de anúncios da Meta possível de ser auditada, por estar no escopo de conteúdo "sensível".

A reportagem descobriu que um perfil golpista foi o segundo maior anunciante do Facebook Brasil nessa categoria.

O anunciante identificado pela conta Ane Bellandi pagou à Meta R$ 2,5 milhões para aparecer na tela de milhares de usuários de Facebook e Instagram.

O dinheiro pago pelo golpista no período só foi menor que o investido pelo perfil do governo federal.

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Imagem: Carol Malavolta/UOL

Ane Bellandi entrou na categoria por veicular anúncios falsos de programas de governo, como supostos mutirões para quitar dívidas e liberar auxílios.

A publicidade exibia imagens do presidente Lula e montagens imitando sites jornalísticos.

Quem clicava no link era direcionado a um chat que simulava uma conversa com um atendente virtual de WhatsApp.

O atendimento levava o usuário a fazer um Pix para zerar dívidas.

A conta Ane Bellandi foi desativada. A Meta não respondeu se derrubou o perfil ou se ele foi excluído pelo próprio golpista para não deixar rastros, o que é comum.

A empresa recebeu de R$ 3.000 a R$ 3.500 por anúncio para espalhar o golpe.

Cada postagem foi vista por cerca de 100 mil pessoas. A maioria eram mulheres entre 35 e 40 anos moradoras de São Paulo — público-alvo definido pelo golpista.

Nos três meses monitorados pelo UOL, a Meta embolsou com golpes pelo menos R$ 4,7 milhões no país em "temas sociais, eleições ou política" — 15% do total recebido com anúncios na categoria.

O lucro que a empresa obtém impulsionando golpes, contudo, é muito maior. Dados da maioria dos anúncios são mantidos sob sigilo.

Questionada pela reportagem, a Meta disse que não permite fraudes nas plataformas, sem detalhar que procedimentos implementa para evitar isso (leia a nota completa no final da reportagem).

Lobby e PL das Fake News

Um dos objetivos do projeto de lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, era tornar as big techs responsáveis conteúdos publicados em sua plataforma, incluindo golpes impulsionados.

Se há remuneração para a plataforma ampliar o alcance de um golpe, evidentemente ela passa a ter parcela de responsabilidade pelos danos causados. Orlando Silva (PCdoB-BA) deputado relator do projeto das Fake News

Mas a proposta, que estava parada na Câmara devido ao lobby das gigantes da tecnologia, foi enterrada.

Depois de Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), desafiar a Justiça brasileira publicamente, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiu criar um grupo de discussão para elaborar um novo projeto do zero. Ele se reuniu com líderes de partidos em 9 de abril.

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Imagem: Carol Malavolta/UOL

'É um prato cheio'

A corretora de seguros Lucimeire Braga, 37, moradora da Vila Prudente, na zona leste de São Paulo, foi uma das que cairam no golpe do Serasa — o mesmo impulsionado pela conta "Ane Bellandi".

Ela viu no feed do Instagram uma conta que simulava o perfil de um jornal. A postagem anunciava a última semana do "Feirão Limpa Nome do Serasa".

Ela clicou e foi direcionada a um chatbot, onde inseriu o CPF. Apareceu na tela seu nome completo, o de sua mãe e um aviso de que tinha dívidas de R$ 5.000.

O "robô" passou um código para ela fazer um Pix de R$ 140.

"Estranhei, mas, como ia acabar o prazo, decidi fazer logo para não perder a oportunidade", diz ela, que mora com o marido e três filhos pequenos.

Lucimeire só se deu conta de que caíra em um golpe quando entrou em contato com o Serasa por telefone para cobrar a limpeza do nome.

E o anúncio estava ali no Instagram, né? Eu não desconfiei porque o aplicativo é conhecido. Lucimeire Braga vítima de golpe no Instagram

Veja abaixo um exemplo de golpe

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Imagem: Arte/UOL
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Imagem: Arte/UOL

O Pix feito por ela foi recebido em nome da Cash Pay, uma intermediadora de pagamentos que não se responsabiliza pelo dinheiro do golpe e não identifica quem recebe a quantia.

Ela decidiu não fazer boletim de ocorrência, pois diz ser quase impossível a polícia encontrar o golpista.

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Imagem: Carol Malavolta/UOL

Queda de braço com a Justiça

A Meta diz em seu site que "cada anúncio é analisado" seguindo as políticas da plataforma.

Especialistas, no entanto, entendem que a moderação é ineficaz e provavelmente feita por algoritmo — a empresa não explicou como funciona o processo.

"Ferramentas de transparência são pouco eficientes. Os dados são incompletos e as plataformas não têm obrigação legal de oferecer dados melhores. A gente depende da boa vontade delas", resume Deborah Salles, pesquisadora do NetLab.

O próprio Procon já notificou a Meta diversas vezes nos últimos meses pela veiculação de anúncios fraudulentos usando o nome da fundação.

Em janeiro, um golpe usava apresentadores falsos de um telejornal para dizer que o Procon havia liberado resgate de dinheiro mediante pagamento de R$ 108. A Meta disse que está verificando o anúncio e que derrubaria os vídeos.

A gente não sabe se as medidas implementadas são devidas porque as plataformas nem informam quais medidas são tomadas. Renata Reis assessora técnica do Procon-SP

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Imagem: Carol Malavolta/UOL

É praticamente impossível controlar as ações da empresa, já que esse tipo de publicidade é personalizada e aparece individualmente para cada usuário.

O Ministério da Justiça informou ao UOL que tramita na Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) um processo de monitoramento de mercado "para estudo e avaliação dos termos de uso e metodologia de anúncio, retirada de oferta e responsabilidades dos envolvidos".

A reportagem enviou 15 perguntas à Meta. A empresa não respondeu a nenhuma delas.

Atividades que tenham como objetivo enganar, fraudar ou explorar terceiros não são permitidas em nossas plataformas e estamos sempre aprimorando a nossa tecnologia para combater atividades suspeitas. Também recomendamos que as pessoas denunciem quaisquer conteúdos que acreditem ir contra os Padrões da Comunidade do Facebook, das Diretrizes da Comunidade do Instagram e os Padrões de Publicidade da Meta através dos próprios aplicativos. Meta em nota oficial enviada ao UOL

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