Ex-genro se juntou a banco falso para dar golpe em Valdemiro, diz polícia
Na mira da Justiça por inadimplência, Valdemiro Santiago pode ter sido vítima de um golpe milionário tramado pelo ex-genro, o empresário Filipe Iannie. A polícia de São Paulo investiga o caso.
Iannie virou réu em novembro de 2023 acusado de tentar tirar R$ 15 milhões do antigo sogro, em um plano envolvendo associação criminosa e falsificação de documentos.
O crime, segundo a investigação, teria ocorrido após o empresário ser traído por Raquel Santiago, filha de Valdemiro, com quem foi casado de 2014 a 2020. Outras três pessoas foram denunciadas.
A reportagem teve acesso ao processo, que está em segredo de Justiça.
Procurado pela reportagem, o advogado que defendeu Iannie no início do processo, Osvaldo Flausino, disse se tratar de um caso "emblemático e complicado" e que, por isso, só daria "entrevista remunerada", o que fere os princípios editoriais do UOL.
Em conversa com o UOL, após a publicação desta reportagem Iannie afirmou que Flausino não é mais seu advogado, que foi obrigado por ele a assinar um depoimento admitindo um crime que não cometeu, e que agora é representado por Enio Pestana. Iannie afirma que o processo foi todo manipulado, inclusive os prints de conversas em que ele teria tramado o suposto golpe, e que o caso é uma armação de Valdemiro. "Ele fez uma denúncia criminal, mentiu, colocou foto dos próprios netos na ação. Que ser humano faz isso?", afirma.
Boletim de ocorrência de Valdemiro
Valdemiro Santiago procurou o 1º Distrito Policial de São Paulo, na Sé, na tarde de 11 de março de 2023, para registrar um boletim de ocorrência contra Iannie, que também foi procurador do apóstolo.
Dias antes, foi alvo de ordem de apreensão de uma aeronave que pertence a uma de suas empresas, a Intertevê, devido a uma suposta dívida com um banco chamado Nacional Bank.
Valdemiro afirmou à polícia que nunca fez negócio com o banco e que se tratava de uma fraude. A sede da empresa está registrada na avenida Brigadeiro Faria Lima, centro financeiro de São Paulo.
Segundo a acusação de Valdemiro, confirmada pela investigação da polícia, Iannie assinou um instrumento particular de confissão de dívida, no valor de R$ 15 milhões.
A aeronave foi colocada como garantia de pagamento. Segundo a investigação, essa dívida nunca existiu.
O documento tem data de setembro de 2018, mas o reconhecimento da firma é de 2022, quando Iannie já não fazia mais parte da família nem dos negócios de Valdemiro.
O fundador da Mundial diz "que nunca soube desse negócio, não autorizou, tampouco soube qual a destinação dada ao dinheiro", e que "nunca assinou procuração concedendo esses poderes a Filipe, sendo que a única que lhe deu foi específica para questões internas da empresa perante os funcionários".
Valdemiro acusa Iannie de ter agido de "forma sorrateira devido ao divórcio ocorrido com sua filha, Raquel".
A fala foi reforçada por sua outra filha, Juliana, que foi à polícia dois dias após o pai depor. O avião em questão fora registrado no nome de uma empresa dela, a Eu Transpiro Adoração Produções Artísticas.
Juliana disse em depoimento à polícia que "tudo isso está sendo feito por seu cunhado de forma ilícita e vingativa, haja vista o divórcio de Filipe com sua irmã, Raquel".
Segundo a denúncia, ele teria fraudado um documento em 2022 fingindo ser de 2018, quando ainda era procurador de Valdemiro, e inventado uma dívida na qual até a Justiça acreditou ao determinar a apreensão da aeronave, em fevereiro de 2023.
Mas não por muito tempo.
Suposto crime tramado por mensagens
Após a denúncia de Valdemiro, a polícia elaborou um relatório em que concluiu que todo o acordo para a prática criminosa aconteceu pelo WhatsApp, a partir da apreensão e análise do celular de Iannie. Mas Iannie afirma que os prints das mensagens foram manipulados pela polícia.
A reportagem teve acesso aos trechos das conversas destacados pela polícia.
Iannie conversou com o advogado Felício Rosa Valarelli Júnior, genro da proprietária do Nacional Bank, no dia 12 de maio de 2022.
Valarelli diz para Iannie "receber a grana ou pegar o avião", dando a entender que teria havido uma conversa prévia entre ambos.
"Podemos fazer um contrato retroativo", responde Iannie. Ele afirma que poderia assinar em nome de Valdemiro até dezembro de 2019 e que um cartório de sua confiança entraria no esquema.
A conversa prossegue, com ambos combinando a suposta fraude e os valores que cada um receberia. Eles citam compradores interessados no avião, que na sequência seria apreendido.
Em março de 2023, após o êxito da suposta fraude, com um escritório de advocacia já defendendo Valdemiro no processo do banco contra ele, Valarelli orienta Iannie a dizer que não se lembra do que assinou.
"Você não pode abrir a boca. Tem que ficar firme", escreveu, entre conversas que evidenciam preocupação com a venda do avião. "Menos de 12 [milhões] não tem negócio", diz o advogado.
"Vimos aqui que o advogado Felício Rosa Valarelli Junior, em conluio com Filipe Pires Iannie, através do Nacional Bank, impetraram uma ação mediante fraude de documentos, conforme diálogos indicados no aplicativo WhatsApp", concluem os policiais.
Iannie afirma que a relação com Valarelli se deu porque o advogado tinha valores para receber de Valdemiro, o que não aconteceu. Mas que não houve trama de golpe.
Ao final, sete pessoas foram indiciadas. A Justiça aceitou as denúncias contra quatro, que agora são réus: Iannie, Valarelli, Ligia de Mesquita Polido (presidente do Nacional Bank e sogra de Valarelli) e Edner Carlos Bastos (advogado, vice-presidente do Nacional Bank e responsável pelo pedido de busca e apreensão do avião pela Justiça).
Todos foram procurados pela reportagem para falar sobre as acusações.
O advogado de Valarelli, Marco J. Eugle Guimarães, afirmou que "não se poderá conceder entrevista acerca do caso", pois o processo corre em segredo de Justiça.
O escritório Del Nero, Favaretto, Vieira e Gomes, que representa Ligia, enviou uma nota à reportagem também dizendo que ela não pode falar por se tratar de uma ação sigilosa. Edner não se manifestou.
Os crimes apontados são uso de associação criminosa, uso de documento falso e falsificação de documento particular.
O Ministério Público de São Paulo, ao oferecer a denúncia à Justiça, afirmou que os quatro se uniram para "viabilizar o plano criminoso".
Ex-genro confessou culpa, mas voltou atrás
Iannie procurou a polícia no dia 28 de junho de 2023 e confessou ter participado do esquema. Ele disse em depoimento que agiu por querer "justiça com as próprias mãos".
"Após cerca de sete anos casado com Raquel, o declarante tomou conhecimento de um adultério, fazendo-o perder o chão", consta no depoimento, tomado por um policial.
Ele disse que foi limado da família e das empresas de Valdemiro logo que pediu o divórcio.
Iannie afirma que as empresas da família de Valdemiro estavam em dívida com ele, já que, por várias vezes, ele teria usado o próprio dinheiro para "resolver problemas financeiros no dia a dia da administração".
Saiu de cena "humilhado perante seus conhecidos, endividado, enormemente prejudicado financeiramente e extremamente abalado emocional [sic]".
Por isso, procurou o advogado Felício Rosa Valarelli Junior, com quem já tinha contato e que também teria pagamentos a receber da Mundial.
Mas o ex-genro diz que Valarelli "se aproveitou de seu momento de fragilidade para conseguir tomar posse da aeronave como pagamento por supostas dívidas que tinha para receber de Valdemiro".
Assim, "inebriado pelo desejo de vingança [...], acabou cedendo à sugestão do advogado".
Três meses depois, porém, voltou atrás.
Iannie enviou à polícia um documento declarando ter inventado a confissão porque teria sido ameaçado por Valdemiro. O empresário teria procurado o ex-sogro ao saber do boletim de ocorrência e ouvido uma ameaça.
"Valdemiro afirmou que não queria prejudicar o investigado, muito menos no convívio familiar com os seus filhos, mas, para que isso não ocorresse, deveria ajudá-lo a desfazer a tal confissão [de dívida com o Nacional Bank]", afirma o advogado Enio Pestana.
O advogado pede medida protetiva ao seu cliente por ele temer "por sua vida, diante da gravidade dos fatos revelados".
O advogado do Nacional Bank, Leonardo Missaci, reforçou a nulidade da confissão durante o processo, argumentando que Iannie estava sob ameaça.
Mas nem o desmentido do ex-genro nem o pedido de proteção foram aceitos pela Justiça até agora.
Iannie responde às acusações em liberdade. As penas de prisão para os crimes dos quais é acusado são de um a três anos (associação criminosa), um a cinco anos (falsificação de documento) e um a cinco anos (uso de documento falso). Ele afirma que pediu à Justiça, por meio de seu advogado, que o processo seja anulado, uma vez que as provas foram fraudadas. Ainda não houve resposta ao pedido.
Dennis Munhoz, advogado de Valdemiro, diz que prefere não comentar o caso porque "os fatos [...] são objeto de processos judicias cíveis e criminais em curso".
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