OPINIÃO: Brasil aloca mal recursos e concentra supersalários no Judiciário

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Muito se discute no Brasil sobre os famosos supersalários no serviço público e o constante embate em torno do teto do funcionalismo. Mas raramente esse assunto é colocado em perspectiva diante das práticas internacionais.
Ao se observar o panorama global, no entanto, fica claro que a discrepância brasileira não se limita ao valor expressivo pago à elite do funcionalismo.
Ela é oriunda quase que exclusivamente de remunerações de juízes e promotores, diferentemente de países desenvolvidos onde existe maior diversidade de carreiras de alto escalão, contemplando profissionais da educação, saúde e outras áreas estratégicas.
Em primeiro lugar, a remuneração dos servidores públicos de elite no Brasil apresenta níveis significativamente superiores em comparação aos padrões observados em países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Esse diferencial é particularmente notório quando se avalia a proporção entre a remuneração de autoridades de alto escalão e a média salarial nacional.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a média salarial de um juiz é de US$ 150 mil anuais (cerca de R$ 32 mil mensais, em paridade de poder de compra), equivalente a cerca de 3,5 da média nacional.
Juízes federais podem chegar a pouco mais que o dobro, ou seja, entre 7 e 8 vezes a média nacional.
No Brasil, no entanto, a média dos salários dos juízes e membros do MP já é, mesmo sem considerar os penduricalhos, muito próximo do teto do funcionalismo — cerca de R$ 40 mil reais mensais, o que, atualmente, é equivalente a dez vezes a média salarial nacional, de cerca de R$ 4.000.
Com os penduricalhos (pagamentos indenizatórios que, no entanto, ocorrem recorrentemente), esses salários maiores podem chegar a mais de R$ 50 mil, às vezes R$ 100 mil mensais.
Além disso, nos países da OCDE, essa razão costuma variar entre 1:5 e 1:10, enquanto no Brasil ultrapassa esses patamares consideravelmente.
Imagine que separamos os servidores brasileiros em dois subgrupos: os 10% com menor salário e os 10% com maior salário. Os maiores salários mensais do grupo mais pobre chegam a R$ 1.500, enquanto os piores salários do grupo mais rico são de R$ 13.500 —ou seja, quase dez vezes mais.
O salário mínimo e o teto do funcionalismo se diferenciam em um fator de mais de 30.
Outra das maiores divergências brasileiras está na concentração dos maiores rendimentos no Judiciário.
Em países da OCDE, os servidores públicos com os maiores salários pertencem a diferentes áreas, como educação, saúde, administração executiva, entre outras.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o setor público federal tem no topo das faixas salariais profissionais como médicos, estatísticos e farmacologistas.
Essas carreiras podem chegar a salários anuais entre US$ 340 e US$ 490 mil, enquanto juízes federais americanos têm um salário-base de até US$ 320 mil dólares anuais.
Isso mostra que não apenas promotores ou juízes ocupam posições de destaque, uma vez que o governo norte-americano se caracteriza por essa amplitude de oportunidades, reunindo profissionais de diversas especialidades.
Já no Brasil, os altos rendimentos estão predominantemente concentrados em cargos judiciais, revelando uma distribuição assimétrica da remuneração no setor público.
Essa concentração no Judiciário aponta para ineficiências na alocação de recursos.
Enquanto as nações da OCDE buscam distribuir a remuneração de acordo com funções de alta complexidade e relevância para a inovação e a formulação de políticas públicas, o caso brasileiro se sobressai pela ênfase em apenas um segmento.
Isso gera um desequilíbrio que pode inibir a atração de profissionais qualificados para outras áreas cruciais, como saúde e educação.
A existência de aumentos automáticos, bônus e pagamentos retroativos para servidores judiciais também diferencia o Brasil das práticas comuns em países desenvolvidos.
Por exemplo, as nações avançadas têm adotado reformas para vincular a remuneração de juízes e promotores ao desempenho, evitando a indexação automática de salários.
No Brasil, a prevalência de benefícios como auxílio-moradia, bônus de férias e reajustes retroativos eleva o custo total desses profissionais, ampliando as disparidades internas no próprio setor público.
Para além da questão salarial, as distorções na remuneração de servidores do Judiciário geram impactos negativos na confiança pública e na percepção de equidade.
A percepção de privilégios no Judiciário alimenta a desconfiança popular e pode contribuir para a falta de credibilidade na administração pública como um todo.
Em países desenvolvidos, há uma ênfase crescente em políticas de remuneração que promovam um equilíbrio entre atrair e reter bons profissionais e, simultaneamente, manter a responsabilidade fiscal.
No Brasil, os altos salários de pequena parte setor público contribuem significativamente para o aumento dos gastos governamentais sem, contudo, apresentar uma melhoria proporcional na eficiência dos serviços prestados.
No caso do Judiciário, os gastos representam mais de 1% do PIB, o primeiro colocado entre os países com dados sobre o tema.
As consequências fiscais dessas práticas remuneratórias são substanciais.
O Instituto de Estudos Fiscais (IFS) aponta que, em países como o Reino Unido, as reformas salariais no funcionalismo público tendem a acompanhar as condições econômicas.
No Brasil, em contrapartida, a rigidez dos salários judiciais não reflete necessariamente a produtividade ou o desempenho macroeconômico.
Aumenta-se a pressão sobre o orçamento e reduz-se a capacidade de investimento em setores estratégicos, como infraestrutura, saúde e educação.
Em síntese, a disparidade entre o Brasil e os países da OCDE na remuneração de servidores públicos de alta renda se traduz em um desafio de governança, eficiência e sustentabilidade fiscal.
O Judiciário exerce papel indispensável na garantia do estado de direito, mas a concentração de salários excessivos nesse segmento compromete a busca por uma administração pública equilibrada e orientada a resultados.
A adoção de reformas embasadas em desempenho, transparência e maior distribuição setorial da remuneração contribuiria não apenas para a redução de gastos públicos, mas também para o fortalecimento das instituições e da confiança da sociedade.
*Gerente da Inteligência Técnica do CLP (Centro de Liderança Pública)
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