R$ 13 mi: gasto com hora extra cresce 70% em tribunal eleitoral do Pará

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O gasto com horas extras no TRE-PA (Tribunal Regional Eleitoral do Pará) cresceu 70% entre as eleições de 2020 e 2024.
Documento interno obtido pelo UOL registra que, no final de 2024, havia um débito milionário com servidores.
O tribunal pediu ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) um acréscimo de R$ 7,5 milhões ao próprio orçamento para cobrir a despesa.
A área técnica da corte de Brasília afirmou que a regional já havia recebido R$ 13,4 milhões para gastos com pessoal e sugeriu não enviar mais nada, o que foi acatado.

A folha de pagamento do TRE-PA registrou 1.100 servidores em outubro passado, mês das eleições.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) considera a corte paraense como uma regional de médio porte, semelhante aos tribunais da Paraíba e do Ceará.
O Pará é o 9º maior colégio do Brasil, com 6,2 milhões de eleitores. O valor solicitado pela regional, contudo, foi 313,45% superior à média da verba pedida por outros tribunais, segundo o TSE.
A corte paraense pediu, proporcionalmente, mais dinheiro do que São Paulo e Minas Gerais, os dois maiores colégios eleitorais do país. Os estados têm juntos 50 milhões de eleitores.
Os tribunais somavam 8.249 servidores em 2023, segundo o último relatório "Justiça em Números", lançado pelo CNJ no ano passado.
O TRE-PA ficou na última posição do Ranking de Produtividade dos servidores que atuam na área judiciária, dentre as cortes de médio porte, segundo o "Justiça em Números". Obteve a mesma pontuação dos tribunais de Pernambuco e Goiás.
Para 2025, o tribunal planeja contratar "meditação na modalidade online" e "sessões de terapia reiki" para funcionários da sede, em Belém.
Reiki é uma técnica energética que usa as mãos para alcançar bem-estar e equilíbrio.
O tribunal ofereceu no início de abril sessões de 15 minutos de "massagem na poltrona".
"Benefícios: estimula o autocuidado, ameniza o estresse, efeito relaxante", dizia o anúncio enviado internamente.

As duas poltronas ficam no "Espaço Bem-Viver", inaugurado em janeiro deste ano, na sede, e custaram R$ 4.451, cada. O local é equipado com "salas para atendimento, práticas de meditação, rodas de conversa, ginástica laboral, incluindo atividades psicossociais".

Funcionários recebem por dias de folga
As horas extras na Justiça Eleitoral integram o chamado "serviço extraordinário", com regras estipuladas pelo TSE. Até 2020, havia um limite máximo de 124 horas a cada mês.
Naquele ano, o Tribunal Superior decidiu que o serviço não deveria exceder 60 horas mensais, mas permitiu que o limite alcançasse 90 horas em casos imprescindíveis.
O TSE prevê que os servidores podem ser remunerados pelas horas extras ou compensados com dias de folga. "Excepcionalmente" e se houver orçamento, as horas extras de compensação podem ser remuneradas.
O tribunal do Pará informou ao UOL que contabilizou 81.190 horas e 14 minutos para pagamento e 87.443 horas e 59 minutos para compensação.
Com a verba enviada pelo TSE, o órgão quitou todas as horas remuneradas e 56% daquelas que deveriam ser compensadas.
Durante a negociação por mais verba junto ao TSE, no segundo semestre do ano passado, o TRE-PA alegou que haveria dificuldade para "o usufruto de folgas", sem que isso implicasse "prejuízo" à prestação de serviço.
Contracheques ultrapassam teto constitucional
O TRE-PA paga as horas extras por meio de um benefício chamado "vantagens eventuais".
O portal da Transparência da corte indica um aumento nesses pagamentos, que incluem despesas com serviço extraordinário, férias (1/3, indenização e antecipação), substituição e pagamentos retroativos.
A regional gastou 17,5% a mais com horas extras em 2024, comparado ao desembolsado nas eleições gerais de 2022. O valor é 70% maior do que no pleito municipal de 2020.
A Constituição prevê que servidores públicos não podem ganhar mais do que os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) —o teto é atualmente de R$ 46 mil.
Como o UOL tem mostrado, os contracheques na administração pública, com frequência, superam esse valor.
O que ocorre, na prática, é que o salário-base é mantido dentro do teto, mas o total dispara com o acréscimo de benefícios.
Por exemplo: pagamento de horas extras, venda de férias e folgas, auxílios alimentação, pré-escolar, saúde, natalidade, moradia e outras gratificações.
Em 2024, os ministros do STF ganharam, em média, R$ 31 mil líquidos por mês —o teto era de R$ 44 mil brutos.
O UOL identificou que nove funcionários do TRE-PA receberam valores iguais ou maiores a este, somando salários e benefícios.
A então diretora da corte paraense, Nathalie Castro, ganhou, em média R$ 42,4 mil líquidos ao mês. Em dezembro, o contracheque bruto somou R$ 183 mil.
Também no alto escalão, o secretário de Tecnologia da Informação, Felipe Houat de Brito, ganhou uma média de R$ 31,6 mil mensais líquidos em 2024. O total de créditos do servidor alcançou R$ 111 mil em dezembro.
Brito informou ao UOL ter um saldo de 77 dias úteis (457 horas) de folga.
O que dizem o TRE-PA e os servidores
O TSE informou ao UOL que não repassou recursos adicionais ao TRE-PA, "conforme parecer sugerido pela área técnica".
O TRE-PA declarou que a necessidade de serviço extraordinário é maior em eleições municipais. Afirmou ter sido necessário disponibilizar servidores da sede para atuarem em zonas eleitorais de forma remota ou presencial.
"Tanto em uma forma como na outra, houve a remuneração extra, porque além de cumprir suas obrigações normais, os servidores precisaram se dedicar ainda ao trabalho nessas outras áreas em específico", explicou.
Segundo a corte, 50 zonas foram atendidas nas últimas eleições de forma presencial, remota ou híbrida. As regras internas do TRE-PA preveem que o serviço extraordinário deve ser realizado "exclusivamente na forma presencial".
A regional explicou que os servidores que atuaram remotamente para zonas fora de Belém estavam na sede, presencialmente, por isso tiveram as horas extras remuneradas.
A corte informou que "todas" as horas pagas "mantiveram-se rigorosamente dentro do limite" de 90 horas, do TSE.
O crescimento das horas extras, entre 2022 e 2024, se deu pelos desafios logísticos decorrentes da "vasta extensão territorial e da complexidade da geografia e demografia" do Pará e pelos aumentos da despesa com a folha normal dos servidores ativos e da carga de trabalho em eleição municipal.
O aumento nas vantagens eventuais também ocorreu:
- Pela alta das despesas com a folha de pagamento;
- Pela quitação da Vantagem Pecuniária Individual, de 2016 a 2018, autorizada pelo TSE;
- Pelo pagamento do banco de horas administrativo.
O tribunal declarou que ainda não contratou a terapia reiki e a meditação online, mas ambas podem auxiliar na melhoria de indicadores de saúde. Leia a resposta completa aqui.
Afirmou que o índice de produtividade deve ser interpretado "dentro de um contexto de equilíbrio com outros tribunais da mesma categoria, e não como caso isolado de menor desempenho".
Nathalie Castro, diretora do TRE-PA em 2023 e 2024, mencionou a dificuldade logística de organizar eleição no Pará, com "transporte de urnas, pessoal e equipamentos por aeronaves, embarcações e longas rodovias precárias".
Ela declarou que "planejar, coordenar e executar" o pleito "exige atuação presencial contínua e altamente técnica de toda a cúpula gestora, inclusive da Diretoria-Geral".
"Essa realidade reflete-se, naturalmente, na prestação de serviço extraordinário por parte dos servidores (incluindo Castro)", afirmou.
"Toda a atuação empreendida por mim como Diretora-Geral do TRE-PA foi pautada por rigor técnico, estrito cumprimento às normas legais e dedicação integral ao êxito das eleições municipais de 2024." Leia aqui a íntegra.
Em sua resposta à reportagem, Felipe Houat afirmou que todos os integrantes da Secretaria de Tecnologia da Informação mantiveram-se no limite de 90 horas.
"A estrutura remuneratória é auditada regularmente pela Secretaria de Auditoria do TRE-PA, pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Tribunal de Contas da União; até o momento, nenhuma irregularidade foi apontada", declarou.
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