Só para assinantesAssine UOL

'O INSS é só a ponta': aposentadoria cai 25% com débitos indevidos no banco

A pensionista Soeli Viana, de 74 anos, moradora do interior de Minas Gerais, viu o benefício de um salário mínimo que recebe do INSS minguar.

Ao consultar os extratos do INSS e do banco, com ajuda de um advogado, descobriu que entre 10% e 25% da pensão iam, todo mês, para empresas que ela desconhecia, sediadas em Sergipe, Bahia e Rio Grande do Sul.

Um primeiro desconto era feito pelo INSS, no âmbito da fraude investigada pela Operação Sem Desconto, da Polícia Federal.

Mas a maior parte das cobranças indevidas eram feitas no banco, na forma de débito automático, depois que o INSS depositava o benefício.

O INSS é só a ponta. Se chegarem nas instituições privadas, aí vamos ter a dimensão de como os aposentados são roubados. Minha cliente teve o desconto indevido na esfera do INSS, mas nem se compara com os descontos que teve no banco, que foram muito maiores.
Alan Teodoro dos Santos, advogado da pensionista

Primeiro, o INSS descontava R$ 29 mensais da pensão de Soeli para uma associação de Aracaju (SE) — que se tornou um dos alvos da PF. A cobrança começou em 2023.

Depois, no banco, a pensionista tinha descontos de R$ 89,99 de um clube de benefícios de Itamaraju (BA), R$ 56 de uma seguradora e R$ 30,67 de outra seguradora, ambas de Porto Alegre. As três empresas começaram a fazer os descontos em 2022.

O clube baiano chegou a fazer três cobranças na conta da pensionista em julho de 2024. Juntando todos os demais descontos, a pensão caiu 25% naquele mês.

Imagem
Imagem: Arte/UOL
Continua após a publicidade

Ao descobrir os descontos, Soeli sentiu que estava sendo roubada.

"Ela ficou muito nervosa, disse que estavam roubando ela. Ela não conhece essas empresas, nunca teve nenhum benefício delas, nenhuma seguradora jamais mandou uma cartinha para ela, nem de feliz Ano Novo", diz o advogado Alan Teodoro dos Santos.

Os descontos não foram só esses. Entre 2019 e 2021, outras quatro empresas não reconhecidas pela pensionista fizeram débitos em sua conta: três seguradoras e uma empresa de intermediação de pagamentos, todas de São Paulo.

A pensionista foi à Justiça. Fez acordo com uma das empresas, ganhou processo contra outra e aguarda o desfecho dos demais.

"É uma falta de respeito muito grande, uma falta de empatia com o próximo. É uma pessoa que tem apenas um salário mínimo para sobreviver", diz Santos.

Mais de 54 mil processos na Justiça

O UOL identificou três grupos de empresas suspeitas de realizarem cobranças em massa nas contas de aposentados e pensionistas do INSS. Juntas, elas têm 54 mil processos na Justiça, em todo o país.

Continua após a publicidade

Três das oito empresas que a pensionista de Minas Gerais diz ter recebido cobranças indevidas fazem parte desses grupos.

Na maioria dos processos consultados pela reportagem, as empresas não apresentam provas da contratação dos serviços ou anexam documentos com assinaturas que os advogados dos aposentados dizem ser falsas.

Imagem
Imagem: Reprodução/CNJ

A proliferação de casos é um forte indicativo de que houve acesso irregular a dados pessoais e bancários de aposentados e pensionistas do INSS.

Também demonstra fragilidade nos procedimentos de débito automático adotados pelos bancos, que, em muitos casos, não exigem que os clientes confirmem que autorizaram a cobrança.

A Susep (Superintendência de Seguros Privados), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda e que tem atribuição de fiscalizar o setor de seguros, tem dados que levantam suspeitas sobre a atuação de pelo menos uma seguradora há pelo menos dois anos. A empresa segue atuando.

Continua após a publicidade

Um dos grupos identificados pelo UOL reconheceu suspeitas de irregularidades e disse que está investigando o caso.

As demais empresas negam irregularidades. Dizem que as cobranças são legítimas, referentes a apólices de seguros e adesões a clubes de benefício.

O INSS e a Dataprev, empresa de dados estatal, afirmam que as informações bancárias "são tratadas com rigorosos critérios de segurança".

A Febraban afirmou que ela "e seus bancos associados não compactuam com qualquer prática ilícita ou abusiva contra o consumidor e seguem integralmente as normas do Banco Central relativas ao serviço de débito automático".

Múltiplos descontos em débito automático

Na Justiça, há vários casos de aposentados e pensionistas do INSS que recebem múltiplos descontos em débito automático, feitos por empresas que dizem não conhecer.

Continua após a publicidade

Em Dourados, Mato Grosso do Sul, uma aposentada entrou com nove ações contra cobranças indevidas feitas por:

  • associação de aposentados de Sergipe;
  • clube de benefícios de São Paulo;
  • seguradora de São Paulo;
  • duas seguradoras do Rio Grande do Sul;
  • empresa de intermediários de seguros de Curitiba;
  • empresa de intermediários bancários no Mato Grosso do Sul;
  • intermediária de pagamentos de São Paulo, que está ligada a pelo menos nove empresas suspeitas de cobranças indevidas se seguro INSS, segundo investigação do UOL;
  • banco onde recebe a aposentadoria.

O desconto da associação de Sergipe era feito pelo INSS. Os outros sete ocorreram diretamente na conta do banco, em débito automático.

Ao julgar a ação contra o clube de benefícios de São Paulo e o banco onde os débitos automáticos eram feitos, o juiz do TJMS (Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul) disse que não foi provada a contratação dos serviços.

Por isso, condenou o clube a restituir, em dobro, os valores descontados da aposentada.

Também condenou o banco, solidariamente: "Os argumentos apresentados pelo banco não são suficientes para afastar sua responsabilidade em fiscalizar os descontos que realiza nas contas bancárias de seus clientes".

Continua após a publicidade

O magistrado negou, no entanto, o pedido de pagamento de danos morais feito pela aposentada.

Disse o juiz que, ao consultar os sistemas do tribunal, "verifica-se que a parte autora é demandante contumaz". E ilustrou a decisão com uma imagem da lista dos processos contra as empresas das quais a aposentada diz ter sido vítima.

Em outra ação no TJMS, também de um aposentado contra o mesmo clube de benefícios, o magistrado que julgou o caso concedeu o pedido de danos morais, no valor de R$ 10 mil.

A assinatura aposta ao final do documento diverge totalmente daquelas realmente atribuídas à parte autora (...) tratando-se de falsificação grosseira facilmente perceptível por qualquer pessoa.
Decisão do TJMS em ação de segurado do INSS de Bataguaçu (MS) contra o BinClub

Nos dos casos, o clube é o Binclub. Ele integra parte de um dos três grupos suspeitos de descontos em massa identificados pela reportagem.

Em nota ao UOL, o advogado do Binclub reconheceu irregularidades. Disse que a empresa "procedeu uma auditoria interna e afastou diretores que estão sob suspeita de irregularidades, inclusive com furto e manipulação de dados".

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.