- Auxílio-alimentação;
- auxílio-moradia
- auxílio-creche
- auxílio-saúde
- auxílio-paletó
- auxílio-isso
- auxílio-aquilo...
A cada ano a lista de pagamentos adicionais nos contracheques de funcionários da elite do serviço público aumenta.
São os penduricalhos.
Em junho de 2023, havia nada menos que 2.669 rubricas diferentes para identificar esses extras, apenas no Judiciário.
A conta foi feita pela ONG Transparência Brasil, que entregou ao ministro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) Luiz Philippe Vieira de Mello uma lista com todos esses penduricalhos.
Muitos deles, aliás, se referem a benefícios semelhantes.
A falta de padronização torna difícil saber quanto cada um desses adicionais custa à administração pública.
"Isso é uma caixa-preta", diz Vanessa Campagnac, uma das autoras do Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público da República.org.
A ONG trabalha em parceria com o projeto DadosJusBr, da Transparência Brasil, para padronizar e identificar esses pagamentos.
Criados por lei ou por decisões administrativas que não passam pelo Congresso, os penduricalhos ajudaram a engordar os recebimentos de pelo menos 36 mil servidores públicos que receberam supersalários em 2024, como apontou o UOL.
Supersalário é o nome informal dado à combinação entre o salário ou subsídio do servidor e o pagamento de benefícios adicionais —alguns não sujeitos ao teto nem a impostos—, que resultam em ganhos mensais líquidos maiores que os dos ministros do Supremo.
Os gastos com esses excedentes já chegam a R$ 13 bi por ano.
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Um exemplo prático da multiplicação de penduricalhos
O desembargador Jadir Silva, presidente do TJM-MG (Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais), recebeu uma série de bonificações em seus contracheques no ano de 2024.
Além do salário propriamente dito, das férias e do 13º (a gratificação natalina), há outros 13 nomes:
- Abono de permanência
- Gratificação de presidência
- Gratificação por encargo curso/concurso
- Indenização de dias de crédito
- Indenização de férias
- Indenização de férias/prêmio
- Indenização de plantão
- Indenização por função administrativa
- Indenização de plantão administrativo
- Pagamentos retroativos
- VP-ATS (adicional por tempo de serviço)
- Auxílio-saúde
- Auxílio-alimentação
Com os adicionais somados, a remuneração do desembargador saltou de R$ 39.717 para R$ 157 mil por mês, na média.
O valor equivale ao triplo do teto constitucional daquele ano (R$ 44 mil).
Descontados o Imposto de Renda e outras deduções, sua conta bancária recebeu do Estado quase R$ 1,9 milhão no ano.
Os companheiros de Jadir no tribunal não ficam muito atrás. Dos 30 magistrados do TJM-MG com contracheques disponíveis, 19 receberam mais de R$ 1 milhão no ano passado.
O UOL questionou o tribunal sobre os vencimentos do desembargador Jadir Silva, presidente da corte, e dos outros magistrados. O órgão disse que são "pagamentos indenizatórios que incluem, entre outros, diferenças retroativas, indenizações de férias-prêmio e de férias anuais, além de compensações por saldo de dias de crédito. Não representam, portanto, a remuneração regular mensal dos magistrados".
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O efeito dominó dos penduricalhos
Pagamentos fora da "remuneração regular", no entanto, viraram a regra para uma elite de funcionários públicos no país, como o UOL mostrou na primeira reportagem da série Brasil dos Privilégios (leia todas as reportagens da série aqui).
Por trás dessa situação está a profusão de penduricalhos, ou seja, dos diversos benefícios adicionais pagos às diferentes carreiras.
Um novo benefício surge a partir da insatisfação de uma categoria e de seu poder de pressionar para consegui-lo.
O Judiciário brasileiro é um bom exemplo da interação desses dois fatores.
O 2º Censo do Poder Judiciário, publicado em 2024, indicou que a grande maioria dos servidores (72%) estava descontente com a própria remuneração.
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A essa insatisfação do Judiciário soma-se o poder que a lei dá a essa categoria de definir seus próprios pagamentos.
No Judiciário e no Ministério Público, penduricalhos são criados por meio de decisões administrativas, sem passar pelo Congresso.
Quando um desses benefícios é concedido por um tribunal, ele costuma se espalhar por outros.
Funciona assim:
- O tribunal de algum estado aprova a criação ou reajuste de um benefício, classificando o novo pagamento como "indenizatório" (indenizações não estão sujeitas ao teto constitucional);
- Associações de juízes acionam o CNJ pedindo que esse adicional seja estendido a todos;
- O conselho acaba avalizando o penduricalho, que é adotado por outros tribunais. Exemplo recente é o da volta do pagamento do quinquênio, instituído em vários estados depois de chancela do CNJ.
O caminho é o mesmo no Ministério Público, por meio do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
Os dois conselhos são majoritariamente compostos por funcionários públicos da mesma categoria.
Dos 15 integrantes do CNJ, nove vieram do Judiciário. Dos 14 integrantes do CNMP, oito são do Ministério Público.
Ou seja, em ambos os casos, os conselheiros têm incentivo para votar a favor de benefícios que podem acabar usufruindo.
O pingue-pongue dos juízes
Outro mecanismo que tem acelerado a concessão de privilégios é a equiparação de Judiciário e Ministério Público.
Em 2011, o CNJ editou a resolução 133, que determina que juízes tenham as mesmas benesses de promotores e procuradores.
A partir daí, a cada penduricalho criado numa instituição, a outra respondia.
Segundo relatório da Transparência Brasil, "configurou-se um pingue-pongue da criação de novas verbas, ora no Ministério Público, ora no Judiciário —jogo do qual ambos tendem a sair vitoriosos, sendo os cofres públicos e a população os verdadeiros perdedores".
O ministro do STF Flávio Dino decidiu, em 10 de fevereiro, contra o argumento da equiparação com o Ministério Público para conceder benefícios a um juiz.
Na decisão, que atendeu a um recurso da AGU, afirmou que, "em verdade, buscou tratar isonomicamente os membros da magistratura com os membros do Ministério Público sem lei que autorize".
Hoje é rigorosamente impossível alguém identificar qual o teto efetivamente observado, quais parcelas são pagas e se realmente são indenizatórias, tal é a multiplicidade de pagamentos, com as mais variadas razões enunciadas (isonomia, 'acervo', compensações, 'venda' de benefícios etc)
Flávio Dino, ministro do STF, em despacho de 10 de fevereiro
Pressão via greve e Congresso
Outra forma de pressionar é por meio de greve. Foi o que fizeram, por exemplo, os auditores fiscais no fim de 2023 e começo de 2024.
Categoria com poder de travar as importações e exportações do Brasil, os funcionários da Receita cruzaram os braços por 81 dias, até conseguirem um bônus que poderá adicionar até R$ 11,5 mil aos seus salários em 2026.
Dez meses depois de ganharem o bônus, iniciaram nova greve, dessa vez pedindo aumento do subsídio (o salário), que parte de R$ 20 mil.
A pressão pode ser feita também dentro do Legislativo, com a criação de leis.
A gratificação do Judiciário por acúmulo de função surgiu da aprovação de projetos no Legislativo em 2014, por exemplo.
A 'raspa do tacho' no fim do ano
Por causa da separação de poderes na Constituição, o Judiciário e o MP têm uma reserva orçamentária blindada dos cortes do Executivo.
Isso também tem ajudado na criação de penduricalhos.
Ao se aproximar o fim do ano, em vez de devolverem o dinheiro à União, alguns órgãos acabam usando as sobras de orçamento para criar benefícios.
É aí que entram fenômenos como a "dezembrada", diz Juliana Sakai, presidente da Transparência Brasil, ONG responsável pelo projeto DadosJusBr, que reúne contracheques do Judiciário e do Ministério Público.
Como mostrou o UOL, esse esforço de "raspar o tacho" fez com que ao menos 41 juízes ganhassem R$ 500 mil ou mais de bônus em dezembro de 2024.
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