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Uso de câmeras corporais vira o principal debate dentro das PMs

A queda de braço entre o STF e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, sobre o uso de câmeras corporais nas fardas policiais reacendeu o debate sobre a tecnologia no estado.

Tarcísio autorizou a troca do equipamento existente e, na prática, extinguiu a gravação contínua das ações de agentes, contrariando recomendação do Ministério da Justiça.

O Supremo, em resposta, exigiu do governo paulista um relatório sobre a efetividade dessas mudanças.

O imbróglio paulista, ainda sem definição, sintetiza o embate acirrado que ocorre dentro das corporações.

As câmeras já se tornaram realidade em sete estados brasileiros e estão em fase de licitação em outros dez.

Mas elas não são um consenso entre as polícias, mesmo endossadas por especialistas em segurança pública.

Há quem argumente que elas podem inibir testemunhas e alterar as dinâmicas de abordagem.

A reportagem analisou por um ano dezenas de casos em que as imagens das câmeras foram fundamentais para que a justiça fosse feita.

O resultado está no documentário "Quem Tem Medo das Câmeras Corporais?", a que você pode assistir agora.

Entre as histórias ouvidas, o UOL destaca três.

 Imagem de câmera corporal de PM da Rota no Morro do Macaco, no Guarujá, durante Operação Escudo, em julho de 2023
Imagem de câmera corporal de PM da Rota no Morro do Macaco, no Guarujá, durante Operação Escudo, em julho de 2023 Imagem: Reprodução/MP-SP

1) Operação Escudo

Em São Paulo, as câmeras já estão em 52% dos batalhões. Apesar disso, o Ministério Público recebeu poucas imagens da Operação Escudo, na Baixada Santista, que deixou 28 mortos.

Um dos poucos registros que chegaram, por exemplo, não tinha áudio.

Mesmo assim, as imagens foram importantes para entender a dinâmica das ações, que terminou com dois PMs réus por homicídio.

Pelas imagens, o MP diz ser possível entender que o PM Eduardo Araújo entrou na casa de um homem e atirou nele à queima-roupa, em 30 de julho de 2023.

Augusto Oliveira, PM que o acompanhava, alterou a cena do crime enquanto tapava a câmera acoplada à farda, um minuto após o início da ação.

Outros dois PMs foram salvos da denúncia porque suas câmeras mostraram que eles não participaram do homicídio.

A reportagem procurou a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública para ouvir os policiais envolvidos na ocorrência, mas não obteve retorno.

Câmeras corporais usadas por policiais penais no Ceará
Câmeras corporais usadas por policiais penais no Ceará Imagem: SAP/Divulgação

2) O caso cearense

O Ceará vive realidades distintas. Apenas policiais penais usam câmeras corporais.

O equipamento ainda não foi adotado por PMs que trabalham nas ruas, onde quatro facções do crime organizado disputam território, esquina a esquina.

A reportagem ouviu agentes que atuam nos presídios, que elogiaram as câmeras corporais.

O número de denúncias contra eles caiu 80% após a implementação dos equipamentos.

Enquanto nas ruas a PM sai perdendo no combate ao tráfico, casos de violência policial ficam sem resposta.

Em 2019, Juan Ferreira dos Santos, de 14 anos, foi atingido por uma bala disparada por um PM.

A versão das testemunhas contradiz o que diz o policial. Se ele usasse a câmera corporal, a morte de Juan poderia ser esclarecida.

O PM ficou um mês preso e continua na corporação, e o caso continua sob investigação na Justiça do Ceará.

Igor de Luna Medina, que foi preso por PMs em São Paulo
Igor de Luna Medina, que foi preso por PMs em São Paulo Imagem: Reprodução

3) Falso suspeito preso em São Paulo

Outro episódio, ainda sem desfecho, também comprova a importância das câmeras.

Em 24 de junho de 2023, policiais em carros e motos perseguiam um Ford Ecosport no bairro do Jabaquara, na zona sul de São Paulo.

Os criminosos largaram o carro após a perseguição e fugiram a pé.

Um deles disparou duas vezes contra os PMs, que não conseguiram identificar os passageiros.

A PM percorreu o bairro ouvindo testemunhas, e deteve em flagrante Igor de Luna Medina, de 30 anos, que estava em casa.

O UOL, no entanto, obteve com exclusividade imagens de câmeras de segurança de ruas próximas que mostram Medina a caminho de um salão de cabeleireiro meia hora antes da perseguição.

Ele usava a mesma roupa azul com a qual foi detido.

Medina está preso há mais de um ano no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Belém, na zona leste da capital.

Sua defesa requisitou à PM as imagens das câmeras corporais e as gravações foram anexadas ao processo.

Após audiência realizada na última segunda-feira (24), o juiz responsável tem, em tese, até 1º de julho para definir o futuro de Igor.

*Esta reportagem é uma parceria do UOL com a ONG Conectas Direitos Humanos e tem apoio do Consulado Geral da Alemanha em São Paulo. Assista acima ao documentário produzido por UOL Prime sobre câmeras corporais.

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