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Ofensiva de Kassab racha grupos locais e desaloja PSDB em São Paulo

As eleições municipais de domingo passado (6) mostraram duas coisas:

  • O PSD é, hoje, a maior força partidária do país;
  • Esse status foi obtido com a ocupação do espaço que pertencia ao PSDB em São Paulo.

E o responsável por esse cenário tem nome: Gilberto Kassab, secretário de Governo e Relações Institucionais do Governo de São Paulo.

Fundador da legenda, em 2011, o político paulistano subiu degraus a cada eleição a partir de um investimento forte na base, filiação de quadros competitivos e bom desempenho nas disputas em que entrou.

Aos 64, o dirigente é quase onipresente para debater composições partidárias. Ele não aceita ficar fora nem das negociações que envolvem os menores municípios ou as chapas de vereador.

Há anos, à exceção dos almoços de domingo com irmãos, primos e sobrinhos, Kassab abre a agenda em qualquer dia para batizados, lançamento de livros e jantares com autoridades estrangeiras.

Qualquer encontro, pra ele, é momento oportuno para fazer política.

E é essa disponibilidade que, segundo aliados e até mesmo adversários ouvidos pelo UOL, faz do ex-prefeito de São Paulo uma liderança inquestionável.

"Veem nele uma espécie de oráculo. Muita gente não toma uma decisão sem consultá-lo", conta o ex-vice-governador Guilherme Afif Domingos, cofundador do PSD e amigo de Kassab.

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Fiador do lançamento do PSD, Afif conta que Kassab chega a opinar sobre votações de projetos de lei em Câmaras Municipais e aceita revisar o texto de propostas apresentadas por correligionários.

Kassab e Afif: apertos de mãos e muitas prefeituras
Kassab e Afif: apertos de mãos e muitas prefeituras Imagem: PSD/Divulgação

Faro político

Em 2023, Kassab já havia conseguido atrair prefeitos de todos os cantos do país, o que levou o PSD a liderar, pela primeira vez, o ranking dos partidos no comando do maior número de municípios do Brasil.

Com a abertura das urnas, o posto se confirmou, assim como o faro político. A vitória veio em 878 cidades - o MDB, segundo colocado, venceu em 865.

O sucesso se deve especialmente aos feitos obtidos no território paulista, onde o PSD levou 207 prefeituras - 32% do total -, e Kassab se dedicou pessoalmente a convencer lideranças tucanas que ficar no PSDB já não era negócio com a chegada de Tarcísio de Freitas (Republicanos) ao Palácio dos Bandeirantes.

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Segundo levantamento feito pelo UOL, o PSD de Kassab filiou 113 prefeitos eleitos pelo PSDB nas eleições de 2020.

Na maioria, comandantes de cidades pequenas, como Uru, que tem 1.387 habitantes, de acordo com o último Censo.

Mas houve também cooptação em cidades-chave para o estado, como São José dos Campos, onde o atual prefeito, Anderson Farias, pode até mesmo ampliar a liderança do PSD se for reeleito em segundo turno - a disputa é contra Eduardo Cury (PL), outro ex-tucano.

A articulação que colocou Farias no cargo ajuda a explicar a metodologia de Kassab.

Então vice-prefeito, Farias se filiou ao PSD em janeiro de 2022 junto com o titular, Felício Ramuth, ambos quadros históricos do PSDB local.

Farias assumiu a prefeitura em abril com a renúncia de Ramuth, que ensaiava se lançar ao Bandeirantes com o apoio de Kassab.

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A ideia era ter a candidatura de Ramuth para negociar alianças com candidatos mais competitivos.

Enquanto quase todo o establishment da política apostava na reeleição de Rodrigo Garcia (PSDB), Kassab divergiu.

Ele ensaiou uma aproximação com Fernando Haddad (PT), mas optou por respaldar o nome do carioca Tarcísio de Freitas, ex-ministro de Jair Bolsonaro que havia transferido seu domicílio eleitoral justamente para São José dos Campos.

A aposta foi certeira. Tarcísio ganhou, com Ramuth de vice na chapa.

Kassab e a parceria com Tarcísio: planos para as próximas eleições
Kassab e a parceria com Tarcísio: planos para as próximas eleições Imagem: Reprodução/Twitter

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'Memória de elefante'

O posto de partido mais capilarizado do país foi alcançado muito em função do avanço da sigla no estado de São Paulo.

O cargo de Kassab na gestão Tarcísio ajuda. Como secretário de Governo e Relações Institucionais, ele recebe prefeitos no palácio - ou em sua casa - e libera verbas.

Ele atua com frequência na negociação de projetos de lei com representantes da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) e ainda intermedeia a aplicação de emendas de deputados federais.

A função administrativa também lhe abre portas. Ao representar Tarcísio em agendas no interior, por exemplo, faz contato direto com políticos e identifica potenciais novos quadros para o partido.

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Colegas citam ainda a chamada "memória de elefante" de Kassab, que chama as lideranças locais pelo nome, fazendo com que elas se sintam "valorizadas".

É uma realidade muito diferente de quando ele amargava rejeições e críticas da direita e da esquerda por ter chegado à Prefeitura de São Paulo, em 2006, como vice do tucano José Serra.

Dois anos depois, e pela primeira vez como cabeça de chapa, superou de uma só vez a ex-prefeita Marta Suplicy e o ex-governador Geraldo Alckmin nas urnas.

Com a aprovação da Lei Cidade Limpa - que retirou outdoors das ruas e regulamentou a propaganda na cidade -, Kassab ganhou projeção nacional.

Na sequência, embarcou no projeto mais audacioso da carreira: a recriação, em 2011, de um partido extinto na ditadura, o PSD.

Passados 13 anos, a legenda que "não é de direita nem de esquerda nem de centro", segundo definição do próprio Kassab, é hoje sinônimo de poder e pragmatismo.

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"Kassab é pragmático, transparente e está sempre disposto a dialogar", comenta o deputado Jilmar Tatto (SP), secretário nacional de comunicação do PT.

Estilo camaleônico

Kassab tem um estilo camaleônico de fazer política.

Ele não exige compromisso ideológico de seus filiados e dá autonomia às lideranças regionais para negociarem as alianças mais competitivas no contexto local.

Isso permite que o mesmo partido abrigue lulistas e bolsonaristas, sem grandes atritos.

O PSD de Kassab tem três ministros no governo Lula, e ao mesmo tempo quadros de direita e bolsonaristas, como o prefeito reeleito de Florianópolis, Topázio Neto.

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O partido tende a acompanhar a tendência ideológica do país. No Sul, tem membros de direita; no Sudeste, de centro; e no Nordeste, mais alinhados à esquerda.

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, reeleito neste domingo (6), é um exemplo do estilo Kassab de fazer política.

Apoiador de Lula, ele angariou voto de boa parte do eleitorado de direita mesmo reunindo em seu palanque nomes de PT, PDT, PSB e PSOL.

No discurso da vitória, explicitou bem como é ser um filiado ao PSD. "Aqui tem gente de direita, gente de esquerda, gente progressista, conservadora. Essa é uma mensagem para o Brasil", declarou Paes.

O prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman, passou para o segundo turno contra o bolsonarista Bruno Engler (PL) com uma campanha igualmente centrista, pouco focada na polarização nacional.

Kassab em audiência com o então presidente Jair Bolsonaro
Kassab em audiência com o então presidente Jair Bolsonaro Imagem: Marcos Corrêa/PR
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Olho no futuro

Ao esgarçar costuras prévias da política regional, alterando o jogo, Kassab incomoda pela concentração de poder.

A reportagem conversou com políticos de diferentes partidos e ideologias e a visão é que, ao abocanhar cada vez mais prefeituras, o PSD reduz o espaço de outros partidos da direita e/ou do centrão.

Ainda segundo caciques de outros partidos, nesse ritmo Kassab corre o risco de se isolar em futuras negociações, como na formação de uma chapa para o governo paulista, em 2026.

O UOL apurou que o atual secretário quer subir de posto na próxima eleição. Desde já, articula a reeleição de Tarcísio e sua indicação para compor a chapa como candidato a vice.

O cálculo é simples. Ao adiar para 2030 a candidatura de Tarcísio à Presidência, Kassab assumiria o governo por ao menos oito meses, alcançando uma já antiga ambição política.

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Trocar de gabinete no Bandeirantes, no entanto, vai exigir dele mais do que negociações na base.

Até lá, Kassab vai ter de discutir — e apaziguar — sua relação com o bolsonarismo. E, nesse aspecto, o resultado de domingo não ajudou, especialmente na cidade de Registro.

Distante de Bolsonaro e também de Valdemar Costa Neto, líder do PL, Kassab lançou candidato próprio no município do Vale do Ribeira.

Ex-tucano, Samuel Moreira venceu com 55,73% dos votos válidos. O segundo colocado ali é conhecido: Renato Bolsonaro (PL), irmão do ex-presidente.

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