Trump mobiliza 5.000 soldados, fecha fronteira e deixa milhares sem destino
O Pentágono mobilizou mais 5.000 soldados que podem ser enviados à fronteira com o México, em um sinal de que o novo governo Trump pretende militarizar de forma inédita a região sul dos EUA.
As tropas vêm de unidades usadas em combates em guerras. 2.500 homens já estão no local. Outros 1.500 estão sendo deslocados para lá, anunciou nesta semana a Casa Branca.
Na última quarta (22), o presidente Donald Trump fechou a fronteira e suspendeu o atendimento a imigrantes e refugiados, deixando milhares sem destino.
A reportagem do UOL percorreu ambos os lados da fronteira entre o México e os Estados Unidos, no estado do Texas, colhendo mais de uma dezena de depoimentos de quem, diante das decisões de Trump, viu sua vida paralisada.
Para essas pessoas, regressar é quase tão impossível quanto saltar o muro que os separa.
"Estou preso aqui", disse o cubano Lazaro, ao receber a reportagem em seu modesto abrigo do lado mexicano da fronteira.
Ele conta que vendeu tudo para conseguir pagar pela viagem até o norte do México. A família, afirma, abandonou Cuba em setembro de 2024 após um de seus tios ser perseguido pelo governo de Havana, por denunciar a grave situação econômica do país.
"Tivemos que sair. Pagamos US$ 3.000 para chegar à Nicarágua. Mas, para nossa surpresa, gastamos muito dinheiro pagando cartéis na Guatemala e no México para que nos permitissem alcançar a fronteira", contou o imigrante.
Segundo ele, em apenas um dos trechos, no sul do México, teve de deixar US$ 350 nas mãos dos criminosos para poder prosseguir com a viagem.
O cubano enfim chegou até a fronteira com o Texas. Ele foi informado por um aplicativo que havia sido criado pelo presidente Joe Biden que seria recebido por agentes norte-americanos em 22 de janeiro.
Ali, esperava mostrar que sua família sofria perseguição e pediria status de refugiado.
Mas, horas depois de Trump assumir, no dia 20 de janeiro, Lazaro recebeu por email um aviso de que todo o serviço de atendimento aos estrangeiros estava anulado, sem prazo para voltar a funcionar.
Lazaro apostava que Trump, por ter uma posição crítica em relação a Cuba, seria sensível à situação dos que fogem do regime, mas não foi o caso.
Ele está em um albergue na cidade de Piedras Negras, aos pés do Rio Grande, na fronteira com os EUA.
A nova residência existe apenas graças a um pastor que decidiu colocar as dependências de sua igreja à disposição dos imigrantes. O cubano passa seus dias pensando no que fazer.
"Não sei se um dia vou conseguir cruzar mais essa fronteira. Mas não tenho como voltar para Cuba. Trump significa o fim do sonho de todo o imigrante", constatou.
O novo governo decidiu suspender toda a admissão de refugiados, mesmo os que já tinham sido aprovados. Cerca de 50 mil pessoas estariam nessa situação.
Doença infecciosa
Fechar a fronteira foi um projeto de Estado. A equipe do novo presidente mergulhou por meses em uma busca para tentar identificar uma doença infecciosa, que existisse apenas na América Latina, e que justificasse o fechamento da fronteira. Não encontrou.
Nada do que Trump fazia, porém, era exatamente novo.
Por décadas, a guarda estipulou que cada latino-americano que entrasse por terra nos EUA precisava, primeiro, ser "dedetizado" com um spray contra eventuais doenças.
Apesar de não encontrar um vírus que justificasse sua ordem, ele foi adiante, sob a justificativa de que os EUA estariam vivendo uma "invasão" e descrevendo os imigrantes como "criminosos".
O hondurenho Elder Noe Delcid Quintero, também impossibilitado de continuar a viagem, é outro que descreve o impacto devastador de Trump para os estrangeiros.
Mas ele insiste que é a "humilhação" imposta aos latinos que o constrange.
"Trump acabou com minha vida", disse, após percorrer 3.000 quilômetros e chegar à fronteira no dia 4 de dezembro.
Quintero fez parte de uma caravana que tomou a direção do Norte para tentar chegar aos EUA.
"Cheguei a pensar em desistir no meio do caminho", admitiu. "Fui sequestrado e todo meu dinheiro acabou. Tive até meus pés atados, o medo era constante. Nunca pensei que meu dinheiro acabaria tão rápido."
História se repete, com sinal trocado
As caravanas fizeram parte de denúncias de Trump. Durante a campanha eleitoral, o presidente se esforçou em descrever o fluxo como um ato deliberado de governos latino-americanos contra os EUA.
A acusação do republicano é recebida com ironia entre mexicanos. Sumiram da narrativa as caravanas de norte-americanos que, no século 19, redefiniram as fronteiras do país.
Em 1846, uma dessas caravanas deixou os EUA rumo à Califórnia, à época parte do México. O grupo de norte-americanos contratou um rapaz mexicano, Antônio, como guia.
A viagem se transformou em um drama. Seus integrantes passaram fome e o garoto latino-americano morreu desidratado. Os sobreviventes comeram sua carne para continuar a viagem.
A história virou um mito popular entre os imigrantes latinos, como um espelho da exploração que lhes custa a vida nos EUA.
Politicamente, foram aquelas caravanas que deram o passo decisivo para a anexação de metade do México.
A guerra que se sucedeu foi encerrada com um acordo assinado num altar da Virgem de Guadalupe, um outro ato de humilhação.
"O americano, sem os imigrantes, não é um americano. Os EUA são esse país graças à existência de nosso trabalho. Quem vai limpar a bunda dos americanos, construir suas casas e servir seus pratos nos restaurantes?", questionou o hondurenho, indignado.
Num dos albergues visitados pelo UOL, o sentimento de indignação era o mesmo.
A sensação de muitos centro-americanos "presos" na fronteira é de que a eleição fez "cair a máscara" dos EUA.
"Não é verdade que seja um país de imigrantes", disse um deles, da Guatemala. "É um país de exploração do trabalho", alertou um dos organizadores do local, que pediu para não ser identificado.
Questionado se se arriscaria a cruzar o Rio Grande nadando, Quintero não descartou.
"Olha, eu queria fazer as coisas de forma legal. Pedir audiência e explicar meu caso. Agora, vou tentar tudo", disse.
Entre 2017 e 2023, mais de 1.100 pessoas morreram afogadas no rio.
Numa das margens visitadas pela reportagem e usada como ponto de partida dos imigrantes, uma cruz é a homenagem silenciosa deixada às vítimas.
Muro em construção
O problema, insistem seus colegas, é que a realidade mudou. Do outro lado, patrulhas em barcos percorrem o rio, tentando evitar que a passagem seja feita.
Sabendo dos riscos, os "coiotes" —homens que controlam os caminhos clandestinos— oferecem apenas levar até a beirada do rio. Cobram US$ 1.000 por imigrante.
São poucos e afastados os locais desprotegidos de um controle mais duro. O UOL esteve em um desses locais, onde as duas margens estão praticamente encostadas uma à outra.
Trump, porém, promete que essas zonas serão prioritárias na ampliação de seu muro, obra instrumentalizada pela extrema direita para ganhar votos.
A reportagem visitou a construção, no momento em que os funcionários instalavam câmeras.
Para chegar ao ponto mais alto, subiam em um guindaste que os fazia percorrer a estrutura como se estivessem construindo os contornos de uma identidade.
Sólido e ameaçador, o aço que marca a separação entre dois mundos cria a impressão de que a fronteira foi sempre ali. Apaga, com sua força, o fato de que, originalmente, a fronteira entre o México e os EUA era em Utah e Idaho.
Erguido numa linha imaginária, ele é o resultado de um ato político e, hoje, ajuda a perpetuar uma narrativa de ameaça à identidade nacional.
Acadêmicos como Hector Tobar apontam que a história dos EUA é repleta de exemplos de cotas que foram estabelecidas para proteger a identidade branca.
O muro é só mais uma delas.
"As pessoas gritavam de desespero"
O venezuelano Hector Wiaxly conta que esta é a segunda vez que tenta chegar aos EUA. Mas Trump foi um balde de água fria em seu sonho.
O venezuelano conta como os imigrantes em seu abrigo começaram a receber mensagens por telefone no dia da posse do republicano, com o cancelamento de suas audiências com os agentes de fronteira. "As pessoas gritavam de desespero."
Dezenas de imigrantes que estavam em seu albergue decidiram trabalhar nas cidades grandes do México, como Monterrey, mas sem qualquer garantia, diz ele.
Ele mesmo aceitou a oferta do pastor da igreja local para ser uma espécie de administrador do abrigo. Mas não esconde seu desejo.
"Estou decepcionado comigo. Uma pena moral. Para mim, a ideia de EUA acabou. Se eu pudesse, hoje eu voltaria para a Venezuela", admitiu.
Desorientadas também estão as autoridades mexicanas. Ao UOL o prefeito da cidade de Piedras Negras, Jacobo Rodriguez, confirmou que o local se prepara para receber entre 3.000 e 4.000 pessoas deportadas por Trump.
"Mas não sabemos nada, nem como vai ser a deportação, onde e por quanto tempo", admitiu. Às pressas, o exército mexicano também ergueu tendas e abrigos para receber os deportados.
Esse tipo de situação levou os governos latino-americanos a iniciar um diálogo político e diplomático, em meados de janeiro, para tentar montar um plano contra o que pode se tornar uma crise humanitária.
Todos admitem que os EUA têm soberania sobre sua fronteira, mas alertam sobre o risco de se "criminalizar" o imigrante e promover um desmonte de seus direitos.
A crise de desorientação não é apenas daqueles que não podem cruzar a fronteira.
Para milhões de imigrantes sem documentos nos EUA, a incerteza sobre como a deportação ocorreria e a chance de que as operações incluam escolas e igrejas causam o que muitos dos ativistas de direitos humanos mexicanos descrevem como "angústia crônica".
Quem sobrevive ao trajeto pela América Central, aos cartéis, consegue atravessar o deserto e não se afoga no Rio Grande, agora descobre que, a qualquer momento, pode ser deportado, inclusive separado de sua família.
"Onde fica a fronteira entre o passado e o futuro dessas pessoas?", questionou uma voluntária dos grupos religiosos de Ciudad Acuña, também na fronteira com o Texas.
"Estamos desarmados", constatou Lazaro. "Somos a invasão de um exército sem armas?", questionou.
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