Como Braga Netto usou paranoias de Bolsonaro para se manter no poder
Desconfiado até da própria sombra, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) só recebeu duas pessoas na semana seguinte à derrota para Lula (PT) em 2022: o general Walter Braga Netto e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.
Foi Braga Netto quem levou o recado a Valdemar para o encontro após a derrota. Bolsonaro ficou por dias recolhido e em silêncio.
Braga Netto gozava de rara confiança do então presidente e lançava mão disso para ser um de seus poucos interlocutores. Foi o ex-presidente Michel Temer (MDB) quem afiançou a relação.
No último sábado (14), Braga Netto tornou-se o primeiro general de quatro estrelas (a mais alta patente das Forças Armadas) a ser preso após a redemocratização.
Inquérito da Polícia Federal concluiu que ele teve "participação concreta" na tentativa de um golpe de Estado.
O militar sabia como ninguém alimentar o lado paranoico de Bolsonaro.
Nas palavras de cinco pessoas que integraram o governo, Braga Netto plantava intrigas para provocar dúvidas no então presidente e queimar todos que poderiam ocupar seu espaço.
Foi assim, por exemplo, que conseguiu se tornar vice na tentativa frustrada de reeleição em 2022. O nome mais cotado era o da ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP-MS).
Considerada a vice ideal —por ser mulher e da bancada ruralista—, ela foi descartada por Bolsonaro.
A disputa pela vice
Quem acompanhou o período de perto narra que Bolsonaro foi convencido por Braga Netto de que apenas ele poderia afastar uma suposta traição.
A lógica: Tereza é do centrão, grupo com votos suficientes para eventualmente aprovar um impeachment e chegar à Presidência da República usando esse atalho.
Tereza foi informada pelo próprio Braga Netto de que não seria a candidata a vice.
Ao chegar para uma agenda com Bolsonaro no Palácio do Planalto, em junho de 2022, a hoje senadora se deparou com o general no elevador.
Na curta distância até o terceiro andar, Braga Netto disse saber que ela era cotada para a vaga, mas que sentia muito porque ele já havia sido escolhido.
Ela parabenizou o general e afirmou que seu objetivo era se eleger senadora. Àquela altura, no entanto, a decisão ainda não estava tomada, e Tereza entendeu o episódio inusitado como um recado para sair do caminho do general.
A interferência de Braga Netto só ocorria, contudo, porque Bolsonaro não colocava freios em quem confiava —característica que aliados destacam sobre sua forma de fazer política.
O ex-presidente demonstrou que não aceitava a derrota para Lula, o que avalizou o plano golpista de Braga Netto e de outros militares, segundo fontes relataram ao UOL.
A influência do general sobre Bolsonaro foi percebida pelo presidente do PL, que usava Braga Netto quando precisava convencer o ex-presidente a respeito de questões partidárias.
Fazer Bolsonaro mudar de ideia, por exemplo, era missão de Braga Netto.
Valdemar fortaleceu laços com o general dando a ele, em setembro de 2023, o cargo de secretário de Relações Institucionais do PL, um salário de deputado federal (R$ 44 mil), um flat no condomínio Brasil XXI (onde moram ministros e parlamentares em Brasília), uma sala na sede do partido e quatro assessores.
O general perdeu o cargo, o salário e as benesses no PL após a decisão do ministro Alexandre de Moraes (STF) de proibir o contato entre Valdemar, Bolsonaro e Braga Netto em fevereiro deste ano.
Antes disso, Braga Netto despachava em uma mansão no Lago Sul, bairro nobre da capital federal, que servia de QG para a campanha à reeleição.
Anunciada a derrota, o militar continuou frequentando a casa por mais dois meses. O PL pagou o aluguel até dezembro de 2022.
Foi nesse período que, segundo a PF, Braga Netto articulou o plano golpista.
Clima nas Forças Armadas após prisão
Segundo o inquérito da Polícia Federal, Braga Netto entregou os recursos necessários para a organização e execução do plano de matar Lula, Geraldo Alckmin (PSB) e Moraes.
Braga Netto foi o mais citado (98 vezes) no relatório de 884 páginas.
A prisão ocorreu por tentativa de obstrução das investigações. Ele teria buscado informações sigilosas sobre a delação premiada do coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Integrantes da cúpula das Forças Armadas disseram ao UOL que não têm dúvidas de que Braga Netto planejou um golpe para impedir Lula de tomar posse. Discordam, porém, das razões que o levaram à prisão.
Há pressão sobre o comandante do Exército, Tomás Paiva, para que se manifeste a respeito.
A defesa de Braga Netto nega todas as acusações.
"A defesa se manifestará nos autos após ter plena ciência dos fatos que ensejaram a decisão proferida [prisão]. Entretanto, com a crença na observância do devido processo legal, teremos a oportunidade de comprovar que não houve qualquer obstrução às investigações", dizem seus advogados, em nota.
Relação com Temer
Foi o então comandante do Exército, general Villas Bôas, quem apresentou Braga Netto a Michel Temer, que o nomeou interventor na área de segurança pública no Rio de Janeiro em 2018.
Braga Netto resistiu em aceitar o cargo, ameaçou ir para a reserva, mas foi avisado por Villas Bôas que seria um ato de insubordinação.
A área de comunicação do governo Temer não gostou da escolha pelo perfil "sisudo" do general, que não dava abertura para diálogo, mas aceitou por ser uma escolha de Villas Bôas.
Atritos com colegas começaram a partir daí.
O general passou a se dirigir apenas a Temer e a não prestar satisfações aos seus superiores —como ele era comandante militar do Leste, atribuição que exercia concomitantemente ao cargo de interventor, teria que se reportar também ao comandante do Exército.
Família militar
Em entrevista em outubro de 2022, Braga Netto disse ao jornal O Tempo que seu nome para a vice foi uma "escolha pessoal do presidente".
Na ocasião, passou a maioria do tempo se autoelogiando, até pela condução da pandemia, considerada o maior desastre do governo Bolsonaro.
Ele se descreveu como uma pessoa "discreta", "talvez por formação", e que "não gosta de tirar fotografia".
Mas, na opinião de quem conviveu com ele na campanha e no governo, a discrição perde espaço para o que definem como um perfil autoritário e egocêntrico —adjetivos amparados em declarações do próprio Braga Netto.
Durante a campanha, ele chegou a destacar na imprensa propostas de governo "minhas e dele", colocando-se antes de Bolsonaro.
O general também ganhou inimigos quando o inquérito do golpe de Estado revelou ordens para ataques virtuais aos chefes do Exército e da Aeronáutica.
Especialmente este: em 15 de dezembro de 2022, segundo a PF, Braga Netto orientou milícias digitais a "sentarem o pau no Baptista Junior", então comandante da Aeronáutica, dizendo para "infernizar a vida dele e da família". Os laços de família são sagrados na caserna.
Aliados na política e amizades
Ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Braga Netto fez dois amigos no governo - os também ex-ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Gilson Machado (Turismo).
Na semana da prisão, era em um hotel deste último que ele estava em São Miguel dos Milagres (AL).
No dia da prisão no Rio, Machado postou uma foto ao lado de um Braga Netto sorridente com raquete de tênis nas mãos.
Escreveu que a "prisão é injusta", que o Brasil vive uma "ditadura da toga" e reforçou o apoio. "Estamos contigo, general. Anistia já", postou.
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