TCE-RJ: conselheiro que trabalha 90% do mês ganha mais um terço de salário

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No TCE-RJ (Tribunal de Contas do Rio de Janeiro), os conselheiros que trabalham 90% do mês ganham uma indenização de um terço de seus salários.
A condição para receber o adicional é que o número de conselheiros afastados de seus cargos seja, "na média, igual ou superior a dez por cento do total de cargos".
Não é difícil de acontecer: o tribunal é composto por dez conselheiros —sete titulares e três substitutos.
O afastamento de apenas um deles, portanto, já garante que todos os outros recebam mais um terço do salário, na forma de indenização, livre de impostos.
A regra, prevista na resolução 372/2021, do próprio TCE-RJ, foi criada após cinco conselheiros serem afastados por suspeita de corrupção.
Em 2024, cada um dos titulares que trabalhou o mês todo ganhou R$ 13.237,90 a mais por mês; os substitutos levaram R$ 12.576,01 mensais a mais.
A média mensal da remuneração líquida dos conselheiros do TCE-RJ no ano ficou em R$ 40,1 mil —acima dos R$ 31 mil líquidos recebidos pelos ministros do STF, cujos salários são definidos pela Constituição Federal como o teto do serviço público.
Em nota enviada ao UOL, a assessoria de imprensa do TCE-RJ disse que "todos os ganhos remuneratórios são limitados ao teto constitucional, em acordo com a Lei 14.520/ 2023 [lei que define os salários dos ministros do Supremo]".
Desde que o benefício foi criado, o TCE do Rio gastou R$ 2,8 milhões com essas indenizações, contando apenas os conselheiros que estão no cargo hoje e que estavam em atividade na época.
Considerando a média mensal da remuneração líquida de cada um, só o conselheiro Domingos Brazão recebeu menos que os ministros do Supremo.
Ele está afastado do tribunal desde março de 2024, quando foi preso por envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista dela, Anderson Gomes, em 2018.
Brazão é acusado de ter encomendado o crime com seu irmão, Chiquinho Brazão, deputado federal eleito pelo União Brasil, hoje sem partido, preso há um ano.

Equiparação com lei estadual
O direito à indenização foi concedido pelos próprios conselheiros a eles mesmos, na pandemia.
Em sessão administrativa, os conselheiros decidiram estender a eles um direito previsto em lei estadual aos juízes que acumulem funções e tenham a carga de trabalho aumentada.
A lei 5.535/09, aprovada pela Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) e sancionada pelo ex-governador Sergio Cabral, definiu que juízes que acumulam funções "com a de outro órgão jurisdicional" têm direito a uma indenização de um terço do salário.
A resolução foi assinada pelo conselheiro Rodrigo Nascimento, então presidente do TCE. "Aplica-se o disposto no art. 31 da Lei Estadual 5.535/09 no âmbito do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro", escreve.
Na nota enviada ao UOL, o TCE-RJ disse que a resolução "apoia-se na equiparação constitucional e funcional entre conselheiros do TCE-RJ e desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro".
A proposta foi levada ao tribunal pelo conselheiro substituto Christiano Lacerda.
A conselheira Marianna Montebello Willeman chegou na época a ponderar que a criação da indenização não poderia ser feita apenas por meio da equiparação com os direitos dos juízes.
Eram necessários estudos mais aprofundados, na opinião dela.
Mas ficou vencida. Por quatro votos a um, os conselheiros decidiram criar o direito.
Já na proposta inicial, Lacerda chamou atenção para a necessidade de uma medida de compensação financeira: se houvesse um gasto novo, seria preciso deixar de gastar com outra coisa.
A solução veio do então presidente, Rodrigo Nascimento: tirar dos servidores para dar aos conselheiros.
Na mesma sessão, ele propôs acabar com a "gratificação por representação de nível médio" de todos os servidores dos gabinetes dos conselheiros.
"Gratificação por representação", no TCE-RJ, é uma verba paga a todos os ocupantes de cargos em comissão que exerçam atividade de representação do tribunal, como presença em eventos oficiais e cerimônias.
A gratificação de nível médio, citada por Nascimento, é de R$ 7.406,20.
Nascimento não está entre os que foram acusados de corrução e levou R$ 423,8 mil nos três anos e meio entre a criação da resolução e dezembro do ano passado.
Christiano Lacerda, autor da proposta de criar a indenização, ganhou R$ 469.520,33 entre julho de 2021 e dezembro de 2024.
O UOL pediu entrevista ao tribunal, mas o pedido foi negado por falta de agenda do atual presidente, conselheiro Marcio Pacheco.

Tribunal esvaziado por suspeita de corrupção
A justificativa para a edição da resolução 372/2021 foi que o tribunal havia sido esvaziado por uma denúncia de corrupção.
Na época, cinco dos dez conselheiros do TCE estavam afastados de seus cargos após o STJ (Supremo Tribunal de Justiça) transformá-los em réus por corrupção e lavagem de dinheiro.
Era a ação penal decorrente das operações Descontrole e Quinto do Ouro, da Polícia Federal.
Segundo as investigações, os conselheiros receberam, pelo menos entre janeiro de 2011 e dezembro de 2016, mesadas de empresários e políticos para tomar decisões favoráveis a eles no TCE.
Conforme o MPF (Ministério Público Federal) no Rio, o dinheiro correspondia sempre a uma porcentagem dos contratos em discussão, pagos em espécie nas dependências do tribunal.
Todos negam as acusações e seguem se defendendo no processo, que ainda não teve decisão de mérito.
Crimes funcionais
Foram afastados os conselheiros José Gomes Graciosa, Marco Antônio Barbosa de Alencar, José Maurício de Lima Nolasco, Aloysio Neves Guedes, Domingos Brazão e Jonas Lopes de Carvalho Júnior.
Carvalho Júnior foi o delator do esquema e já não estava mais no tribunal quando foi criada a indenização de um terço do salário.
Da composição da época, só Marianna Montebello Willeman não foi afastada.
Hoje, só Graciosa e Alencar seguem afastados devido à ação penal.
Brazão e Nolasco foram autorizados a voltar por decisões do Supremo —embora Brazão tenha sido afastado novamente, pelo caso Marielle— e Aloysio Guedes já se aposentou.
O afastamento aconteceu em 2017, por decisão do ministro Felix Fischer, então relator do caso, hoje aposentado.
Dois anos depois, em junho de 2019, a Corte Especial do STJ confirmou o afastamento e recebeu a denúncia contra os conselheiros.
Por serem "crimes ligados ao exercício funcional", segundo Fischer, era "inconcebível e até mesmo inaceitável que os acusados possam prosseguir atuando", valendo-se da "da relevante função que o Estado lhe confiou para enriquecer ilicitamente".
Entre os réus está o ex-governador do Rio Sergio Cabral, que sancionou a lei de 2009 usada pelo TCE para engordar a folha dos conselheiros.
No final de maio de 2021, a Primeira Turma do STF negou um pedido para suspender o afastamento e manteve os cinco conselheiros longe do TCE.
Um mês depois, o TCE-RJ editou a resolução.
Ainda não houve decisão final e o processo criminal contra os conselheiros corre hoje sob relatoria da ministra Isabel Gallotti, cujo chefe de gabinete foi afastado sob a acusação de vender decisões da ministra.
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