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Em sabatina em Boston, Moro falou o que quis e ouviu o que não quis
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Em uma fala curta, já no encerramento de uma das sabatinas da Brazil Conference, no último sábado (9), o cientista político e professor de Harvard (EUA) Hussein Kalout explicou por que é uma grande distorção histórica colocar Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como equivalentes, em extremos opostos, da próxima eleição.
Explicou não apenas para a plateia mas para um dos principais (se não o principal) difusores dessa tese: o ex-juiz Sergio Moro.
Moro era uma das lideranças políticas mais esperadas do evento. Em sua sabatina, falava sobre si mesmo na primeira pessoa do plural toda vez que abordava a necessidade de se construir um "centro democrático" para "enfrentar, em melhores condições, os extremos" e "romper a polarização" da disputa presidencial.
Referia-se ao favoritismo de Lula e Bolsonaro em todas as pesquisas de intenção de voto. Juntos, os dois pré-candidatos somam quase 70% das preferências dos eleitores no primeiro turno, segundo o último Datafolha.
Nos tempos em que atuava como juiz da Lava Jato e era acusado de politizar a operação, Moro negava que tivesse qualquer intenção de entrar para a política. Por quase um ano e meio, serviu como ministro da Justiça do presidente beneficiado pela prisão, determinada por ele, do candidato favorito na disputa de 2018. Deixou o posto acusando o ex-chefe de interferência indevida na Polícia Federal.
Em novembro de 2021, Moro se filiou ao Podemos, em uma cerimônia onde se lia, em uma das faixas, um prenúncio de slogan: "Um Brasil Justo para Todos". O ex-juiz que tanto negou a intenção estava finalmente no jogo da sucessão.
Quase quatro meses depois, trocou o Podemos pelo União Brasil, super partido criado pela junção dos antigos PSL e DEM — e que já nasceu com a maior fatia dos fundos partidário e eleitoral. No mesmo dia, Moro anunciou que manteria em stand by sua pré-candidatura a presidente.
O ex-ministro deixou no Podemos pouca saudade e muito ressentimento, segundo a própria presidente da legenda, Renata Abreu. Deixou também um cofre menos robusto, em razão dos dispêndios com salários, transporte e hospedagens dos tempos em que rodava pelo mundo como pré-candidato da legenda cujo nome virou meme, o "Não Podemos".
O vaivém desde que deixou a toga talvez revele que Sergio Moro precisa de um coach, não de um novo partido, para decidir o que quer da vida.
Hussein Kalout, que mediava sua sabatina, mostrou também que o ex-juiz precisa reciclar o discurso, ao menos se quiser posar como candidato honesto. De bandeja, mostrou que ele e os entusiastas da chamada terceira via erram feio ao insistir em colocar candidatos de propósitos distintos na mesma prateleira do radicalismo.
Moro ouviu com cara de velório Kalout dizer que essa paridade não reflete a realidade. Afinal, disse o pesquisador de Harvard, Bolsonaro tem se radicalizado no exercício da função pública desde que tomou posse. Ele lembrou que o próprio Sergio Moro reconheceu que o antigo chefe atenta contra as instituições e impediu a implementação de uma política anticorrupção. Poderia citar as ameaças de descumprimento de ordens judiciais e de não reconhecer o resultado das urnas em outubro. E também a lista de crimes atribuídos a ele pela CPI da Covid.
O cientista político disse ser perigoso, em contrapartida, chamar de "extremado" um grupo político que passou 13 anos no poder, venceu quatro eleições e que reconheceu o resultado jurídico do processo de impeachment com uma transição pacífica de governo.
O especialista lembrou também que Lula, ao ter a prisão decretada pelo próprio Sergio Moro, cumpriu a decisão judicial, o que demonstraria a diferença de propósitos democráticos entre ele e seu provável adversário em outubro.
Para Kalout, nada disso impede que o ex-presidente e seu partido sejam criticados. Podem e devem. "Mas não há uma simetria possível equivalente entre os dois lados no exercício do poder público e no respeito às instituições de Estado", concluiu.
O argumento do cientista político é semelhante ao usado pela jornalista Miriam Leitão, em coluna recente do jornal O Globo, na qual ela apontava como erro da terceira via justamente a insistência em colocar os dois candidatos favoritos da disputa na mesma prateleira de extremismos. Ela rechaçou a comparação, lembrando que apenas um deles defendia, como ameaça do que pode acontecer no futuro, o golpe militar do passado.
Miriam Leitão recebeu como resposta uma prova de que estava certa, por meio de um tuíte em que o filho do presidente debochava do período em que ela foi presa, torturada e jogada numa sala escura com uma jiboia quando estava grávida do primeiro filho.
Não, não existe simetria possível.
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