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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ofensiva de Bolsonaro desrespeita drama familiar e repete roteiro da covid

 Bolsonaro liga para família de petista assassinado - O Antagonista
Bolsonaro liga para família de petista assassinado Imagem: O Antagonista

Colunista do UOL

13/07/2022 10h29

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Em março de 2020, quando o mundo se preparava para enfrentar um furacão chamado coronavírus e os impactos econômicos da crise sanitária, Jair Bolsonaro mostrou o que realmente tirava seu sono.

"Se a economia afundar, acaba o governo. Tem disputa de poder nisso", declarou o presidente, uma semana após a Organização Mundial da Saúde anunciar a pandemia.

Até o momento, mais de 670 mil pessoas morreram no Brasil em uma pandemia que, limitada pelo líder da nação a uma suposta "disputa de poder", preocupava apenas pelos riscos envolvidos ao seu governo.

Especialistas já falaram o suficiente sobre os prejuízos, no combate à covid-19, de uma comunicação de crise direta, sem ruídos, para o momento em que todos deveriam apertar os cintos e trincar os dentes para atravessar com um mínimo de segurança a crise de ordem sanitária. Não é de subestimar o custo em vidas a manipulação oficial do falso dilema entre economia e saúde pública.

A postura do presidente no momento em que o mundo se preparava para a guerra contra o vírus aos poucos foi se distanciando da memória dos brasileiros. Alguns já até o reabilitaram.

A crise mal governada deixou como legado uma penca de desafios urgentes logo à frente. O principal deles é sobreviver em um país empobrecido, armado e com as tensões afloradas.

Essas tensões levaram à morte, no último fim de semana, de um guarda municipal que ousou comemorar seus 50 anos em uma festa com as bandeiras de Lula e do PT. Ele foi alvejado a tiros por um policial bolsonarista que em suas redes não fazia outra coisa a não ser replicar o ódio plantado diariamente pelo presidente e seus subordinados contra seus adversários.

As relações diretas e indiretas entre a explosão de um homem armado num país onde o presidente é o principal fiador do armamento e da violência como solução de conflitos eram inevitáveis.

Bolsonaro sentiu o cheiro da encrenca e resolveu, como sempre, tirar o corpo da reta.

Em um inacreditável telefonema à ala antipetista da família do policial assassinado, o presidente, assim como no início da pandemia, mal disfarçou o que de fato o preocupava.

E o que o preocupa não é a escalada de atos covardes e violentos dos quais ele mesmo já foi vítima em 2018.

O que o preocupa é o suposto objetivo da imprensa de "desgastar o governo".

Essa preocupação levou o presidente a convidar os irmãos em luto do policial a pararem de chorar (como já orientou os órfãos da covid) e viajarem até Brasília para participar de uma entrevista coletiva que limpasse a sua barra.

Bolsonaro já até combinou a versão que tenta emplacar como oficial: o assassino não era um seguidor racional das teses do bolsonarismo que invadiu armado uma festa de família, mas um "desequilibrado" que foi provocado e agredido num desentendimento sem conotação política que pode ser resumida a "briga de duas pessoas".

Como se, nas festas de aniversário Brasil afora, fosse normal um fã da DC entrar atirando contra um aniversariante que celebrou a passagem da idade com o tema "Os Vingadores".

Bolsonaro só faltou dizer que brigas assim acontecem, é da vida, e que todo mundo vai morrer um dia.

O detalhe é que os irmãos não estavam na festa no momento do assassinato. Um deles, a certa altura da conversa, foi enfático em dizer que o atirador não tinha nada que invadir a festa.

Bolsonaro tenta ganhar apoio de uma família em luto pelo caminho da discórdia, como sempre faz. Dessa vez quer se apropriar da revolta, inclusive legítima, dos irmãos com a exploração política do caso.

Para eles (e para muitos), a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, não tinha nada que dar as caras no velório de uma pessoa que mal conhecia — mesmo sendo essa pessoa um dirigente de seu partido.

Mas o que Bolsonaro tenta fazer é justamente atacar uma suposta apropriação política do caso para transformar uma entrevista coletiva em um ato político.

A viúva do policial assassinado classificou o flerte de Bolsonaro com a família do marido como "absurdo". E com razão.

Imagina alguém perder o marido, ficar sozinha com os filhos órfãos, incluindo um recém-nascido, e saber que o ídolo do assassino ligou para seu cunhado para reclamar que aquele crime estava o prejudicando.

Bolsonaro é incapaz de franzir a testa pela morte e o luto de quem quer que seja. Já mostrou isso em diversos momentos.

A morte de um indigenista e um jornalista britânico no Amazonas não o impediu de posar sorridente em sua moto na capital do mesmo estado no momento em que os "remanescentes humanos" das vítimas eram enviados para as suas famílias.

A ideia era mostrar que nada tinha a ver com o clima de guerra de todos contra todos numa região legada aos criminosos no vácuo do desmonte das estruturas de controle ambiental promovido em sua gestão.

Não seria diferente com a morte de um policial que ousou debandar para os lados declarados inimigos.

Para salvar seu governo, Bolsonaro acaba de ganhar do Congresso um cheque em branco para distribuir dinheiro em ano eleitoral. O crime no Paraná ocorreu no momento em que ele e seu governo se preparavam para bater o bumbo das medidas.

Na ligação para os irmãos de um homem assassinado por um fanático da seita que ele alimenta, o presidente nem tentou disfarçar o que lhe preocupava de fato. A imagem de seu governo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL