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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Debate e entrevistas evidenciam dificuldade de candidatos em sair da bolha

Lula e Bolsonaro tiveram embate envolvendo o Auxílio Brasil no debate na Band                              - Reprodução/Band
Lula e Bolsonaro tiveram embate envolvendo o Auxílio Brasil no debate na Band Imagem: Reprodução/Band

Colunista do UOL

30/08/2022 04h01

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Quem se saiu melhor nos debates ou nas entrevistas recentes dos candidatos à Presidência em rede nacional?

A resposta para essa pergunta exige uma outra formulação. Quem saiu melhor para quem?

Foi-se o tempo em que uma única edição de embate definia "O" desempenho dos candidatos em um resumo consolidado em rede nacional. Hoje as mesmas falas podem ser cortadas, recortadas, picotadas e espalhadas pelas próprias equipes de comunicação dos postulantes e ganhar vida própria com o selo da lacração em outras redes.

Mas a liberdade de manipulação (e aqui sem o sentido só pejorativo que o termo carrega) virou também uma bola de ferro nos calcanhares de quem se apresenta como alternativa ideal a um país inteiro e fraturado.

A vida em rede, sabemos, nos condenou a viver em bolhas. Os algoritmos modelaram nossas afinidades, e nos distanciaram do léxico e das urgências que só flutuam nas bolhas alheias.

A dificuldade dos dois principais candidatos a presidente para falar além de sua base parece evidenciar esse abismo.

Jair Bolsonaro (PL) é a essência desse universo adubado, crescido e alimentado no terreno digital. Cria das redes, ele nada de braçada em um ambiente no qual pode falar como se estivesse sempre diante de uma claque posicionada no cercadinho à saída do Palácio.

Ali pode falar o que quiser sobre os perigos das vacinas, as funções educativas das armas de fogo, desfilar seu desprezo pelo jornalismo profissional, justificar como bem lhe der na teia os fracassos econômicos de sua gestão apontando índices de nações vizinhas e provocando uma crise diplomática a cada espirro.

O "mito" construído pelas redes pode insultar e divulgar o absurdo que for: sempre terá uma claque disposta a aplaudi-lo. Uma claque que representa quase 30% dos eleitores.

Não é pouca gente, mas não ganha a guerra eleitoral sozinha.

Bolsonaro sabe que precisa conquistar os eleitores posicionados um pouco além do cercadinho. Daí o esforço do entorno presidencial em domesticar o lado raivoso dos tempos de militar que ameaçava botar bomba no quartel para conseguir aumento salarial.

Bolsonaro não foi eleito em 2018 por causa de seu extremismo. Foi eleito apesar disso.

Em 2022, sem a esteira da Lava Jato para forçar o eleitor a fechar o nariz e dar ao candidato supostamente convertido o seu voto de confiança, Bolsonaro, assim como seu principal adversário, tem a missão de convencer o eleitor comum, que não bota camisa verde e amarela para pedir o fim do STF em dias de passeata, de que tem algum plano para botar comida na mesa e garantir emprego e renda a um país às voltas do empobrecimento.

No debate de domingo promovido pelo UOL, em parceria com Band, Folha e TV Cultura, a estratégia de alcançar esse público não durou mais do que meia dúzia de palavras escritas com canetinha na palma da mão.

Quando tentava falar sobre políticas que condenava até ontem, como a defesa de políticas distributivas que já chamou de "farelo" e "cabresto", soou tão autêntico quanto uma nota de R$ 3.

Bolsonaro demonstrou que ainda é um candidato de "nicho" ao jogar na conversa expressões que serviam como apito de cachorro para a militância ("mimimi", "coitadismo" e uma versão muito particular do que considera "família"). Seu eleitorado não só não condenou pelas derrapadas, como vibrou ao ver o presidente mostrar as patas para uma jornalista que o questionou em uma pergunta. Como um cavalo solto na loja de cristais, sobrou coice até para a adversária, Simone Tebet (MDB). Do segundo bloco em diante, Bolsonaro não conseguiu retomar a linha e justificadamente foi eleito o pior debatedor do encontro pelos indecisos.

Em toda a campanha até aqui, Bolsonaro não passou nem perto de convencer uma mulher que perdeu um filho para a pandemia que sentia alguma coisa por ela e por ele. Não sem o risco de desagradar a militância que vê qualquer sinal de humanidade como frouxidão.

Apertado, Bolsonaro ainda é o mesmo presidente malvadão que associa vacina a risco de contaminação pelo vírus HIV nas redes sociais e manda o interlocutor comprar imunizante na casa da mãe quando se irrita.

É isso o que sua base espera dele. E ela não se importa que ele demonstre tão agressivamente o seu incômodo toda vez que é questionado por uma mulher. Estes votam nele por isso, não apesar disso.

Daí o regozijo em ver o presidente chamar um adversário de presidiário, deixando um país inteiro a se perguntar se ele dispensa o mesmo tratamento ao chefe de seu partido, Valdemar Costa Neto, condenado e preso por crimes investigados no chamado "mensalão".

Parte da sua torcida vibrou. Mas uma torcida que já o tem como candidato favorito.

Quem assistiu ao confronto com alguma disposição em ser convencido ou convencida de que o sujeito descontrolado iria passar os próximos quatro anos se comportando como mocinho certamente torceu o nariz e já avalia outras opções em campo.

Os mesmos eleitores em dúvida certamente estranharam a forma como o ex-presidente Lula (PT) deslizou de perguntas sobre escândalos de corrupção investigados nos governos petistas e que o levou a perder parte do capital político na última década. Lula deixou sem resposta uma pergunta de Bolsonaro na qual seu ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, era citado.

O petista respondeu dizendo que foi preso injustamente para que não fosse eleito presidente em 2018. É exatamente o que afirmam os eleitores que votariam nele mesmo que ele ainda cumprisse pena. Mas não afasta a pulga atrás da orelha em que votou nele em 2002 e 2006 e em 2018 migrou para Bolsonaro por se sentir decepcionado.

Para esse público, a dificuldade em dizer de modo mais claro que os personagens envolvidos em malfeitos não teriam lugar em um possível novo governo talvez tenha ampliado essa decepção.

Lula mostrou dificuldade também de enviar sinais mais claros para grupos evangélicos que têm sido cada vez mais decisivos na escolha dos rumos políticos no país. E também a setores do agronegócio que hoje dorme nos braços de Bolsonaro.

Por mais que, em sua entrevista ao Jornal Nacional, Lula tenha deixado claro que apenas uma ala do setor é fascista e se opõe às políticas de proteção ambiental, o uso do termo, em rede nacional, pode ter o efeito apenas de eletrizar uma militância já suficientemente íntima da expressão. Mas a chance de espanar o motorista de trator que assistiu à declaração em sua cidadezinha do interior de São Paulo e já ensaiava um cessar-fogo só aumentou.

A boa notícia, para os dois candidatos favoritos, é que a convicção de seus eleitores para a decisão do voto parece consolidada.

A má é que a guerra não está ganha. E ela passa por convencer uma multidão não identificada com slogans de aplauso fácil de que eles merecem uma nova chance.

Fruto de uma época de comunicação em bolhas, modelada pela lógica binária das redes sociais, a pregação para convertidos deve custar caro em uma eleição prestes a ser decidida por margem estreita que não dá margem para o erro.