Só para assinantesAssine UOL

Em mensagem, Cid diz que Aras lhe deu informação de 'forma reservada'

Em 2 de janeiro de 2023, o tenente-coronel Mauro Cid enumerou, em mensagem, os inquéritos em que era investigado ao assessor jurídico do Exército, o general (na época ainda coronel) Santana Netto.

Ao fim, escreveu: "Informação passada de forma reservada pelo PGR e pela V PGR Lindora".

Imagem
Imagem: Arte/UOL
Imagem
Imagem: Arte/UOL

A mensagem de Cid aponta para uma comunicação extraoficial entre ele, ex-ajudante de ordens do presidente, e a PGR (Procuradoria-Geral da República), então chefiada por Augusto Aras, com Lindora Araújo como vice-procuradora.

Cid dá a entender que conseguiu as informações sobre os inquéritos nos quais era investigado diretamente com as autoridades responsáveis, em tese, por investigá-lo.

A PGR é responsável por investigar e denunciar autoridades como o presidente, ministros, senadores e deputados, além de ser responsável por ações penais contra autoridades com foro privilegiado.

As investigações de Cid, por envolverem também o então presidente Jair Bolsonaro, tramitavam sob a competência da PGR.

No conteúdo do celular de Cid extraído pela PF, não estavam registrados diálogos de WhatsApp do tenente-coronel com Aras ou com Lindôra. Entretanto, os números dos telefones celulares deles estavam guardados na agenda de contatos do celular de Cid.

O tenente-coronel Cid afirmou em sua delação premiada que Jair Bolsonaro recebia Aras com frequência no Palácio da Alvorada.

Continua após a publicidade

Alguns desses encontros também contavam com a presença da vice-procuradora Lindôra Araújo, que assessorava o procurador-geral em casos criminais.

Augusto Aras liderou a PGR de setembro de 2019 a setembro de 2023.

Arquivou mais de uma centena de procedimentos contra Bolsonaro e enfrentou críticas de subprocuradores, em 2021, por sua resposta considerada insuficiente às ameaças do ex-presidente ao STF.

Em fevereiro, o ex-procurador disse em entrevista que as visitas a Bolsonaro eram feitas a cada dois meses e duravam 15 minutos.

Afirmou também que só conversava de futebol e não fazia nenhum pedido. "Zero conversa de ordem estatal", afirmou.

Em 2023, o UOL mostrou diálogos nos quais Aras antecipou ao empresário Meyer Nigri o juízo que iria fazer em uma investigação envolvendo o dono da construtora Tecnisa que tramitava sob sua competência.

Continua após a publicidade

Procurado para comentar, Aras disse que não tinha relação com Mauro Cid.

"Não tenho qualquer relação com as pessoas mencionadas nas mensagens. Não tenho qualquer responsabilidade sobre conversas de WhatsApp de terceiros, onde qualquer um pode dizer o que quiser", afirmou.

A assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral da República disse que Lindôra não se manifestará sobre a citação.

O UOL teve acesso exclusivo ao conteúdo de 77 gigabytes extraídos do telefone celular de Mauro Cid.

São mais de 20 mil arquivos e, apenas no WhatsApp, 158 mil mensagens —cerca de 500 mensagens aparecem como apagadas.

Uma parte do material se tornou pública após a conclusão das investigações da Polícia Federal, mas o restante estava sob sigilo.

Continua após a publicidade

As regras do MP

Comunicar procedimentos de investigação por canais não oficiais é incorreto, diz o professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Rafael Viegas, que pesquisa o Ministério Público.

"Nenhum promotor pode fazer isso [passar informações de maneira informal], muito menos o chefe do Ministério Público. Tudo isso tem que ser oficializado", afirma.

Comunicação informal sobre casos do Ministério Público que estão em sigilo vai contra ao menos duas regras da carreira.

Segundo a resolução 183/2018 do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), o defensor que deseja ter acesso a procedimento de investigação criminal sob sigilo total ou parcial "deverá apresentar procuração".

"A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade", diz o artigo 20 do Código de Processo Penal.

Continua após a publicidade

Esses não são apenas detalhes formais, diz Viegas.

"Ter um canal direto com a PGR, um canal informal, abre margem para que a gente pense sobre a hipótese de também haver vazamentos de investigações que permitam antecipar os movimentos da Procuradoria-Geral. Cid teve acesso só ao que ele era investigado ou aos passos que viriam depois na investigação?", questiona.

O contexto do diálogo

Poucos dias antes de enviar a mensagem, em 28 de dezembro de 2022, Cid havia sido incluído num inquérito sob a acusação de ter ajudado o presidente Jair Bolsonaro a espalhar informações falsas sobre a relação entre a vacina contra a covid-19 e o vírus da Aids.

O ajudante de ordens também era investigado pelo pagamento de contas pessoais da família de Bolsonaro e de pessoas próximas da primeira-dama e tinha tido o seu sigilo bancário quebrado.

Ainda não eram de conhecimento público o caso das joias nem a operação de venda de presentes presidenciais que estava prestes a começar nos Estados Unidos.

Continua após a publicidade

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.