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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Leonardo diz que Lula fechará igreja, mas é só um patrão fazendo terrorismo

Cartores sertanejos como Leonardo e Gusttavo Lima declararam apoio a Bolsonaro                              - @Gusttavolima (Via Instagram)
Cartores sertanejos como Leonardo e Gusttavo Lima declararam apoio a Bolsonaro Imagem: @Gusttavolima (Via Instagram)

Colunista do UOL

18/10/2022 11h13

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A imagem da tropa de elite do sertanejo nacional em um encontro com Jair Bolsonaro (PL) no Palácio da Alvorada, na segunda-feira (17), é dessas cenas que resumem o espírito de uma época.

O primeiro impulso leva a alguns questionamentos elementares: em que momento foi autorizado fazer propaganda política e eleitoral em prédio público em dia de semana? Bolsonaro está licenciado para fazer campanha 24h durante os sete dias da semana?

Não custa perguntar, mas até essas perguntas são inócuas. É como dizer que a louça da pia está suja enquanto a casa pega fogo.

Toda vez que um artista manifesta apoio a um dos candidatos a presidente, um auê toma conta das redes. Anitta, que declarou voto em Lula (PT), não passou impune. Com ela estão no pelotão da indignação artistas da MPB, os humoristas do Porta dos Fundos, apresentadores da TV Globo, youtubers como Felipe Neto e até o ex-Casseta & Planeta Marcelo Madureira.

Não faz muito tempo, confessar em voz alta a simpatia por Bolsonaro, o homem que ria das vítimas da covid-19 e associava vacina ao vírus do HIV, era mais feio que bater na mãe.

A confissão ficava no campo do foro íntimo e mesmo demonstrações de força em datas sequestradas, como o Sete de Setembro, eram coisas de fanáticos, de homens (em sua grande maioria) e mulheres entediados e influenciados por correntes de WhatsApp que os assustavam com histórias macabras sobre comunismo, ideologia de gênero, sanha abortista, ativismo judicial, globalismo e outros espantalhos fabricados nos gabinetes de ódio.

Mas eleição é eleição, e esta em especial transformou a disputa em um grande tabuleiro sobre o qual os jogadores empilham peças de apoio num mundo influenciável e orientado por influenciadores.

O lado de Bolsonaro começou a ganhar peso principalmente depois que Neymar declarou apoio a ele. O que se viu em seguida foi um verdadeiro estouro da boiada.

O mapa de apoio de cada candidato evidencia uma clivagem estética e geográfica em curso no país. Como já dissemos, são dois "Brasis" que se ignoram e se desprezam.

Parte dos afetos políticos se reúne nas regiões metropolitanas e litorâneas. Outra parte vem do interior de um novo velho oeste e pressiona pelo avanço em direção ao Norte, onde não por acaso habitam os povos originários e as áreas de preservação. John Wayne não ficaria em cima do muro no Brasil de 2022.

Enquanto Bolsonaro mostrava a fatura dos apoios dos astros sertanejos, Simone Tebet (MDB), presidenciável que agora apoia Lula, era aplaudida por 650 convidados de um coquetel na residência de banqueiros ao dizer que nem o agro nem o mercado financeiro tinham razões para temer um novo governo do PT. O local do discurso, um apartamento em bairro nobre de São Paulo, diz muito sobre como e onde essa disputa está sendo travada.

"Basta olhar o passado e ver como o agronegócio evoluiu e se projetou no mundo no governo do PT", disse a senadora, para quem o agro cresce atualmente "não por causa do governo, mas apesar de governos".

Na imagem do encontro é possível observar ao fundo a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que também se engajou na campanha petista nesta reta final.

A presença da ex-ministra em encontros como esse faz com que pesos pesados do agronegócio entrem em campo com todas as armas disponíveis, em defesa da reeleição de Jair Bolsonaro, advogado da classe em pautas como o marco temporal, o armamento, o enquadramento do Ibama, entre outras. Muitos já pressionam seus empregados a voltarem conforme seus interesses — caso contrário é a fome, a praga, a perseguição.

É nesse contexto que os cantores sertanejos precisam ser vistos: como um misto de patrões, empregados e porta-vozes da causa. Quem não possui sua parte no latifúndio é bancado, direta ou indiretamente, por quem o possui.

Vem daí a identificação com o bolsonarismo encarnado por Ricardo Salles e companhia, a ponto de ninguém estranhar que um habitante da Barra da Tijuca, e não um imigrante do agreste pernambucano, tenha sido o escolhido pelos sertanejos para tocar a mesma moda de viola.

Mais do que uma escolha econômica, existe ali uma identificação também baseada numa ideia de masculinidade em crise: homens, em sua maioria brancos, que falam o tempo todo em "família" e que não querem ser julgados pelo que fizeram com as suas.

Para o setor que representam (como sujeitos ou porta-vozes), não são só as leis ambientais que representam uma ameaça aos planos de expansão dos negócios, mas também o tal "politicamente correto", as tais ideologias que anunciam novas formas de expressão de afetos e que tiraram as mulheres do papel de musas inspiradoras das músicas e das sofrências e as botaram no centro do palco — cantando para a plateia que o infiel foi expulso de seu coração e agora vai viver em um motel.

É claro que ninguém, naquele encontro de sertanejos com Bolsonaro, vai manifestar esses incômodos e receios com essas palavras. A performance masculina até admite a "dor de corno", mas não a da maturidade.

O cantor Leonardo, por exemplo, justificou o apoio a Bolsonaro dizendo que "o outro lado" defende o fechamento de igrejas e não respeita as religiões. A fala não representa um apoio político, mas uma mentira. O "outro lado" nunca defendeu fechamento de igrejas.

Chitãozinho disse estar com medo de o "Brasil descambar e virar um desses países de esquerda". Faltou dizer qual. O dele e o nosso, uma potência agrícola, tem 33 milhões de pessoas vivendo em situação de insegurança alimentar.

Torcidas e retorcidas, as palavras ali se resumem apenas a medo e terror do que pode vir a acontecer, nunca do que está em curso.

Numa democracia, cada um é livre para dizer o que pensa e como vota, mesmo que o escolhido em defesa da família tenha nos mandado parar de chorar e agir como homens, não maricas, quando nossas famílias foram desfalcadas por um vírus. O mesmo disse em voz alta que pintou um clima entre ele e adolescentes bonitas de 14 e 15 anos, confundidas com prostitutas só porque eram pobres e estavam bem arrumadas.

Com o devido distanciamento histórico, será possível observar aquela imagem dos sertanejos e revisitar as palavras de apoiadores e do candidato apoiado.

Até lá, talvez fique um pouco mais clara a diferença entre anúncio de apoio e terrorismo eleitoral — dos quais ainda não se sabe se os sertanejos, com suas falas baseadas em "medo" e risco a famílias e religiões, são vítimas, instrumentos ou apenas difusores.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL