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Chuva e delírio na Paulista: o que se ouviu no 7 de Setembro pré-eleições

Manifestantes pró-Bolsonaro na av. Paulista, no 7 de Setembro - Daniel Lisboa/UOL
Manifestantes pró-Bolsonaro na av. Paulista, no 7 de Setembro Imagem: Daniel Lisboa/UOL

Daniel Lisboa

Colaboração para o TAB, de São Paulo

07/09/2022 19h35

Por volta das 10h30, nove pessoas desembarcaram na estação Consolação do metrô de São Paulo. O grupo seguiu para a celebração do 7 de setembro na avenida Paulista. Havia duas crianças entre eles. Quando crescerem, é possível que descubram fotos onde aparecem ao lado de cartazes pedindo intervenção militar.

Talvez gostem, talvez peçam explicações aos adultos que as levaram na época. Afinal, golpe de Estado é crime. Mas quem se importa? A manifestação de hoje (7) em São Paulo seguiu o exato roteiro de todas as outras já realizadas a favor — e com o endosso — do presidente Jair Bolsonaro.

É um grande Dia da Marmota inconstitucional. Com uma ou outra novidade, as palavras de ordem continuaram as mesmas: comunismo. Lula. PT. Fechar o STF. Intervenção militar.

Lá estavam, por exemplo, faixas e cartazes com dizeres como "acione as Forças Armadas para expurgar o STF e garantir a eleição" ou "acione as Forças Armadas e escreva uma constituição anticomunista". "STF é a cracolândia do Brasil", ao lado das cada vez mais comuns mensagens em inglês: "we want printed ballots" (algo na linha "queremos voto impresso") e "no more checks and balances", referência ao sistema de "freios e contrapesos" que, teoricamente, garante a independência das instituições em uma democracia.

A estimativa de público em São Paulo ainda não havia sido divulgada, até a publicação deste texto. Na rua, a impressão era de uma manifestação de porte semelhante ou um pouco menor que a de 2021 — três ou quatro quarteirões da Avenida Paulista ficaram de fato lotados.

A manifestação foi uma polifonia de ritmos sertanejos, hino do Brasil e alguém berrando algo sobre Deus ou comunismo. Em um carro de som estacionado próximo ao prédio da Fiesp, os oradores se revezavam ao microfone para chamar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de "maconheiro" e "vagabundo", denunciar que o STF é "sócio dessa constituição bolivariana e seus prevaricadores", chamar eleitores de Lula de "corruptos ou analfabetos" e propor a instituição de "uma corte que levará à prisão dez mil pessoas no Brasil".

O combate à "ideologia de gênero" também foi lembrado. Acabar com as escolas públicas e municipais e transformá-las em escolas cívico-militares era a solução, sugeriu alguém aos berros. Uma senhora com uma bandeirinha do Brasil escutava tudo com aparente encantamento. Mais de uma hora depois de vê-la pela primeira vez, a reportagem do TAB a encontrou no mesmíssimo lugar, diante do carro de som, com a mesma expressão serena e alegre de quem concorda com cada vírgula do que escuta.

Manifestantes na av. Paulista no 7 de Setembro - Daniel Lisboa/UOL - Daniel Lisboa/UOL
Imagem: Daniel Lisboa/UOL

'Pra acabar com o comunismo'

Próximo dali, o carro de som da Fenepe (Federação Nacional de Entidades de Praças Estaduais) não gozava do mesmo prestígio. Mas tinha seu público, observando um homem pegando o microfone para pedir a destituição do STF porque "esse pesadelo não vai acabar enquanto não acabarmos com o comunismo".

O mesmo homem avisou: em seu pronunciamento no Rio de Janeiro, o presidente deveria "anunciar alguma medida". Até agora, não houve notícia de qualquer medida tomada pelo presidente — apenas a garantia, dada por ele mesmo, que não padece de disfunção erétil.

Um manifestante fantasiado de palhaço circulou com um cartaz com os dizeres "o jornalismo morreu". Um carro de som entre as estações Consolação e Trianon-Masp do metrô conclamou os presentes a garantir a reeleição de Jair Bolsonaro já no primeiro turno porque "a mídia está toda contra ele".

O homem que falava ao público explicou que isso se deve ao fato de Bolsonaro "ter cortado toda a grana que o PT pagava a veículos como Folha de S.Paulo e O Estado de São Paulo". "Hoje, só temos um veículo imparcial", diz ele. "Que até tem gente de esquerda, mas abre espaço para o contraditório. É a Jovem Pan! Quem aqui gosta do Rodrigo Constantino?", perguntou o homem. A resposta do público foi tímida.

Manifestantes pró-Bolsonaro na av. Paulista, no 7 de Setembro - Daniel Lisboa/UOL - Daniel Lisboa/UOL
Imagem: Daniel Lisboa/UOL

Em caso talvez único no mundo, os policiais continuam sendo as estrelas das manifestações bolsonaristas. E nem é preciso estar na ativa: um grupo de idosos fardados posou com os manifestantes ao lado de um carro da Rota, a elite da Polícia Militar paulista. É uma viatura dos anos 1970, década de ouro do "esquadrão da morte" da instituição.

Problemas reais e concretos do país, como corrupção (a do governo), fome e inflação, seguem fora da pauta. Em uma barraca de cachorro-quente, dois homens falaram algo sobre, "proporcionalmente", os preços terem sido "muito maiores antigamente".

Um senhor baixo e atarracado grudou na reportagem para mostrar o vídeo da manifestação em Copacabana. "É demais, né? Nunca vi nada como isso", disse. Ele estava acompanhado de dois rapazes que debatiam a dificuldade de Bolsonaro de ganhar votos no Nordeste. "Não dá para entender", afirmou um deles. "O cara levou água para o sertão e fez umas pontes lá que ninguém tinha feito antes."

Não é a primeira vez que a reportagem escuta esse argumento em manifestações pró-governo. Como vários veículos e agências de checagem já disseram, porém, Bolsonaro recebeu as obras de transposição do rio São Francisco praticamente prontas.

É uma afirmação tão falsa quanto aquela história de Bolsonaro ter sido capa da revista norte-americana Time. Mesmo assim, foi sobre isso que alguns amigos conversaram animadamente, na esquina da rua Augusta. "Ele desbancou até o [Donald] Trump, tá doido", afirma um deles.

A chuva deu uma trégua e alguém disse, em um dos carros de som, que se tratava da prova de que Deus é brasileiro "e veste verde e amarelo". Mas a chuva voltou no meio da tarde. Quando Bolsonaro fazia seu breve pronunciamento em Copacabana, muita gente já se dirigia ao metrô para ir embora.

Aquelas pessoas perderam a médica oncologista Nise Yamaguchi, grande defensora da cloroquina, ter sido apresentada como uma estrela do combate à pandemia de coronavírus. Ou Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro, discursando em tom indignado.

Ele estava próximo a um jovem rapaz que parecia ainda mais indignado. "Esse ano, temos que acabar com o PT de uma vez", disse ele.

Nas catracas do metrô, a volta para casa foi silenciosa. Só um passageiro levantou a voz, agradecendo aos "patriotas" pela presença.