Conheça truques de campanha para inflar a multidão atrás de candidatos
Assim como na guerra, a primeira vítima durante as eleições também é a verdade — não por nada, a palavra "campanha" tem origem bélica. Entre o dado mais objetivo e as mentiras mais deslavadas, existe toda uma gradação de meias verdades durante as corridas eleitorais.
As manipulações de fotos e vídeos acontecem tanto pela ação de marqueteiros na propaganda oficial quanto por meio de centenas de aliados (pagos ou voluntários) nas redes sociais. Na corrida eleitoral de 2022, porém, entram em cena aplicativos como TikTok e Kwai, que facilitam a edição, dando mais ferramentas para o chamado "gerenciamento de percepção".
"Há dez anos você precisava de um programa pesado, caro e trabalhoso para produzir um vídeo com certa qualidade. Hoje, é só ter um celular", conta Leonardo Cazes, chefe de reportagem do site Aos Fatos, especializado em checagem de informações.
Não faltam exemplos deturpações, mas também há dicas para ter seu próprio "detector de mentiras eleitoreiras" quanto se deparar com fotografias e filmagens que viralizam. A regra de ouro, segundo Cazes, é: "desconfie sempre, pesquise nos buscadores e, na dúvida, não compartilhe".
O ângulo da imagem
De baixo, uma aglomeração de algumas dezenas de pessoas já é todo um sucesso. Se for em local sem muito campo de visão, como uma viela ou uma ribanceira, parece um sem fim de gente. Um registro de cima, contudo, mostra o limite da concentração.
As motociatas de apoio a Jair Bolsonaro são um exemplo de êxito ou fracasso, dependendo do ponto de vista. Uma imagem feita por Alan Santos, fotógrafo da presidência, mostrava um corredor extenso de motos pela rodovia dos Bandeirantes, no interior de São Paulo. Os apoiadores do atual presidente chegaram a veicular nas redes sociais que havia por volta de 1,3 milhão de motos, um número tão megalomaníaco que superava o total da frota da cidade de São Paulo.
Contudo, a foto feita por um drone mostrou que a reunião de motoqueiros era bem menor. Depois, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo divulgou que foram contabilizadas 12 mil motos na manifestação.
A lente da verdade?
Uma lente grande-angular dá destaque ao primeiro plano e abarca mais paisagem. É ideal para candidatos no meio de seus eleitores. Parece que o político está cercado pelo povo. Mas o fotógrafo precisa tomar cuidado e clicar na mesma altura dos personagens para o cenário ao fundo não ficar distorcido pela lente bem curva e tirar a verossimilhança do retrato.
Já teleobjetivas, usadas em situações em que o fotógrafo não pode ficar muito perto, como registros esportivos e de animais selvagens, achatam a imagem e tiram parte da profundidade, o que ajuda criar a sensação de multidão infinita.
Plano e contraplano
Na edição de vídeos, é fácil mostrar que um comício ou uma carreata foi um êxito total. Basta usar a tradicional técnica cinematográfica de montagem que troca de plano: o candidato discursa no palanque, corta a cena para o público amontoado ovacionando.
Postagem de carreata de Fernando Collor, candidato ao governo alagoano, é o típico exemplo, mostrando o político em cima de carro e cortando para pessoas acenando na calçada — as cenas podem ter sido gravadas na hora, antes ou depois, mas a edição dá ideia de recepção calorosa e unânime para o candidato, que detém o maior índice de rejeição entre os eleitores alagoanos.
A voz do povo
Uma das manipulações mais simples em vídeo é trocar o áudio, principalmente se é de uma multidão. Como as bocas não estão em primeiro plano, não é necessário haver sincronia com os gritos, e vaias viram gritos de apoio facilmente (exemplo recente foi um show do sertanejo Gusttavo Lima em Portugal, em que foram inseridas vaias a Lula). São bem mais trabalhosas as trucagens do chamado deep fake para sincronizar os movimentos labiais e a fala de candidatos (verdadeiras ou reproduzidas por programas).
A construção de imagem
Os comandos de campanha precisam empacotar e vender os políticos para grandes públicos. Ciro Gomes, por exemplo, aposta na sua faceta "Cirão da massa", mostrando o candidato sorridente e abraçado com eleitores em seus redutos para diminuir tanto a imagem de nervoso e explosivo quanto a baixa popularidade em relação aos dois líderes das pesquisas.
Bolsonaro repete desde a campanha anterior a estética de filmagens supostamente improvisadas para aparentar que é "gente do povo". Fotos e vídeos aparentemente caseiros com baldes, louças sujas e chinelos foram a tônica na campanha anterior. Em 2022, a receita se repete: a última foi uma imagem com farofa no colo.
De seu lado, Lula se apresentou todo engravatado e alinhado para ficar palatável nas eleições de 2002 para classes mais altas. Vinte anos depois, aos 76 anos de idade, aposta em vídeos fazendo musculação para mostrar vitalidade.
Também são usadas atualmente imagens antigas de Lula e Bolsonaro "nos braços do povo" para representar suas popularidades agora que os esquemas de segurança restringem bastante o corpo a corpo.
Contabilidade criativa
Campanhas adoram exagerar os números das concentrações. Para juntar um milhão de pessoas na praia de Copacabana é preciso que toda a faixa de areia, calçadões e o asfalto da avenida Atlântica estejam lotados em toda a extensão, ou seja, dois indivíduos por metro quadrado do Leme até o Arpoador. Já na Avenida Paulista, mesmo ocupando toda a extensão da via e das ruas perpendiculares, esse número não chega a um milhão nessa proporção.
Por seu lado, a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, comporta por volta de 550 mil pessoas se estiver completamente lotada, mas nas festividades de 7 de setembro apresentava vários clarões. O senador Flávio Bolsonaro tuitou hoje que seria um milhão de pessoas no local (post abaixo). Como a foto postada pelo filho do presidente foi tirada de um local mais baixo que a imagem acima dá a impressão que o local está mais cheio. Houve um tempo em que os institutos de pesquisa e até as polícias estipulavam as multidões, mas agora é possível fazer esse cálculo por aplicativos (como este).
Fora de contexto
A manipulação mais comum nas redes sociais é tirar de contexto fotos ou vídeos verdadeiros — é o que dá menos trabalho. Basta pegar uma imagem antiga ou de outra cidade ou país e trocar a descrição. Isso serve tanto para elogiar o candidato como para atacar os rivais. As redes bolsonaristas, por exemplo, estão usando muitos vídeos das eleições de 2018 como se fossem atuais.
Essa estratégia é muito usada atualmente na Guerra da Ucrânia — até imagens de games e de outros conflitos, como o da Síria, são utilizados para desinformação. O site Bellingcat, com redações na Holanda e Inglaterra, se especializou em desvendar o local de cenas deturpadas, usando aplicativos como Google Earth e investigações a partir de inteligência de código aberto.
Edições maliciosas
Graças à técnica de cortar e colar, Lula pode anunciar em palanque um pacto com Satã (a frase original é "nas redes sociais do bolsonarismo, eles estão dizendo que eu tenho relação com o demônio") ou discursar diante do público, dizendo "aqui tem vagabundo, aqui tem traficante, aqui tem bandido" (a edição tirou a palavra "não" das frases).
Os sites de checagem de notícias, como o UOL Confere, Lupa e Aos Fatos, têm desmascarado essa seleção e edição de trechos e comparado com os vídeos originais. Mas é uma apuração que leva tempo, muitas vezes até achar o discurso nas páginas oficiais a versão deturpada já circulou muito arranhando a imagem de um político.
Cortes abruptos, trechos curtos, diferenças de cor e luz entre os takes e baixa qualidade da imagem são algumas pistas para vídeos que podem estar manipulados.
Retoques e erros técnicos
Aplicar Photoshop e rejuvenescer um candidato é o artifício mais usado na pós-produção de uma imagem — muitas vezes o político prefere a tática usa anteriormente: pegar uma foto antiga. Nas eleições de 2018, as modificações no rosto de Kátia Abreu, candidata a vice na chapa com Ciro Gomes, deixaram a senadora tão irreconhecível que era obrigatória uma legenda para saber quem ela era.
Essas manipulações posteriores colecionam exemplos clássicos da política, como o líder soviético Josef Stálin (1878-1953) apagando os aliados que viraram dissidentes, ou o italiano Benito Mussolini (1883-1945) posando sobre cavalo, sem segurar as rédeas (devidamente retiradas da cena) para parecer mais imponente.
O problema é que elas deixam rastros, e muitas vezes o erro fica bem aparente. Em uma foto divulgada durante a passagem de Lula por Salvador, pessoas apareciam duplicadas. As redes bolsonaristas acusaram de manipulação, e o comitê petista apontou um erro técnico do drone. Intencional ou não, as pessoas duplicadas estavam lá.
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