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Reduto bolsonarista do agro em MT faz outdoor e caravana para 7 de Setembro

"Aqui só não trabalha quem não quer", diz Glauber Ferreira, do Movimento Conservador de Lucas do Rio Verde (MT) | Na foto, outdoor de de apoio a Jair Bolsonaro (PL) na BR-163, já desgastado pelo tempo - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas
'Aqui só não trabalha quem não quer', diz Glauber Ferreira, do Movimento Conservador de Lucas do Rio Verde (MT) | Na foto, outdoor de de apoio a Jair Bolsonaro (PL) na BR-163, já desgastado pelo tempo
Imagem: Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas

Larissa Linder

De Olho nos Ruralistas, de Lucas do Rio Verde (MT)

05/09/2022 04h01

Na estrada que vai de Cuiabá a Lucas do Rio Verde (MT), a paisagem fica rapidamente monótona, entre campos de soja, milho ou algodão, sob sol implacável. Carretas carregadas de grãos passam sem parar, com borracharias e prostíbulos à beira da BR-163. Não raro surge nas porteiras das fazendas uma bandeira do Brasil balançando. O caminho também tem outdoors de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL), com dizeres como "pátria, família, liberdade".

Lucas do Rio Verde, com 67,6 mil habitantes, é a primeira de uma sucessão de cidades jovens e importantes para o agronegócio. Com Sorriso e Sinop, compõe a tríade com uns dos mais altos PIBs em Mato Grosso. Lá, o preço de um hectare de terra é contado em sacas de soja. Por todo lado se veem as cores da bandeira brasileira e sinais inequívocos de apoio a Bolsonaro — e a nenhuma outra vertente política.

Dois ônibus do Movimento Conservador de Lucas do Rio Verde devem partir para Brasília para o 7 de Setembro. Informal, o grupo bolsonarista foi articulado há cerca de três meses e hoje conta com 270 participantes no WhatsApp. Em dez dias, levantou cerca de R$ 100 mil para financiar a viagem, junto a fazendeiros da região, diz Glauber Ferreira, 33, um dos fundadores. Ele não revela quem são os financiadores. "É o pessoal do agro, né?", desconversa o evangélico, desde 2018 interessado por política ("virou febre no Facebook e WhatsApp, isso me contaminou").

Mais de 75% dos eleitores luverdenses votaram em Bolsonaro no segundo turno de 2018. Neste ano, segundo estudo do Infomoney a partir de pesquisas de seis institutos, divulgado dia 30 de agosto, Mato Grosso é uma das sete unidades federativas onde o candidato do PL lidera, com 52%, ante 32% para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Carreta de caminhão em estrada de MT com cores da bandeira brasileira e a mensagem 'Brasil acima de tudo' - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas
Carreta de caminhão com cores da bandeira brasileira e a mensagem 'Brasil acima de tudo'
Imagem: Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas

Terra de colonos

Na esteira do projeto de integração que abriu a BR-163 na década de 1970, Lucas do Rio Verde começou a tomar forma quando o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) deu início ao assentamento de famílias gaúchas, em 1981.

A colonização sulista se faz notar nessas cidades mato-grossenses, com os gentílicos dos três estados do Sul estampados nos comércios. Também está presente nos nomes de municípios que carregam a história dos empreendimentos colonizadores, como Colniza, cujo nome vem da empresa Colniza Colonização, e de Sinop, sigla para Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná.

Lucas do Rio Verde é uma cidade que aparenta se orgulhar da sua história. Na Expolucas, festa de cinco dias do aniversário do município (5 de agosto), um estande tinha uma linha do tempo da cidade e, nela, uma foto com indígenas nus na carroceria de um caminhão. "Índios Paranás sendo retirados das margens da rodovia. Como consequência do progresso, os índios Paranás foram quase dizimados pelo contato com os homens brancos. De 400 índios na aldeia, 79 sobreviveram, sendo levados às pressas para o Alto do Xingu", dizia a legenda.

Hoje, a primeira impressão é de uma cidade de economia pujante, seja pela presença de gigantes do agronegócio, com seus letreiros marcados em silos enormes, seja pelo aniversário de 34 anos festejado a preços salgados. A entrada para um dia da Expolucas custava R$ 80, um hambúrguer não saía por menos de R$ 25 e uma metralhadora de brinquedo era vendida a R$ 100.

No entanto, 15% dos habitantes vivem em condição de pobreza ou extrema pobreza. O índice é maior que os de Sorriso (8%) e Sinop (9,5%). Proporcionalmente, é a quinta cidade do estado com maior índice de beneficiários do Auxílio Emergencial, aprovado pelo Congresso. Ainda assim, o clima entre os bolsonaristas é de entusiasmo econômico. "Aqui só não trabalha quem não quer", considera Glauber Ferreira, do Movimento Conservador.

Mauro Gabiatti, 51, madeireiro de Lucas do Rio Verde (MT) - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas
'Antes não se via uma bandeira do Brasil na porteira de uma fazenda', diz Mauro Gabiatti, 51, madeireiro
Imagem: Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas

'Igual a nós'

O gaúcho Aquiles Mafini, 67, mudou-se para Lucas do Rio Verde nos anos 1980. "Quando cheguei, um hectare valia duas sacas de soja. Agora são mil."

Sojicultor e dono de uma imobiliária, que desde julho ostenta um painel pintado com a figura do presidente, ele aderiu ao bolsonarismo por uma agenda anticomunista e conservadora. "Bolsonaro era muito o que a gente pensava de família, de religião", define Mafini, que faz parte do Conselho Diocesano da paróquia da cidade.

Assim como Mafini, o madeireiro Mauro Gabiatti, 51, chegou à cidade nos anos 1980, vindo do Sul. Gabiatti tem uma loja no centro emoldurada por bandeiras do Brasil. Mantém no escritório uma santa católica, camisas autografadas pelo presidente e fotos com o mandatário.

Retrato do madeireiro Mauro Gabiatti com o presidente Jair Bolsonaro, no escritório de Gabiatti em Lucas do Rio Verde (MT) - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas
Retrato do madeireiro Mauro Gabiatti com o presidente Jair Bolsonaro
Imagem: Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas

Gabiatti encontrou Bolsonaro em setembro de 2021. Ele encomendou uma estátua de madeira do presidente, medindo cerca de 1,70m — a imagem viralizou e assessores convidaram o madeireiro a visitar Brasília (Bolsonaro ficou com o presente). "Fomos muito bem recebidos. É um homem simples, humilde, igual a nós", lembra Gabiatti.

"Antes não se via uma bandeira do Brasil na porteira de uma fazenda." Agora, símbolo patriota é mato ali, segundo o madeireiro, graças ao bolsonarismo.

Gabiatti começou a flertar com o bolsonarismo influenciado pelo filho, Matheus, 21, anticomunista que trabalha com o pai, fazendo entregas em armazéns, e diz não ter interesse em ingressar na universidade. "Faço a faculdade da vida", conta ele, que considera "ruim" tudo o que ouve de Cuba e Venezuela.

"Minha família é muito de igreja e de Deus. [Bolsonaro] Foi o cara que a gente achou mais próximo da nossa realidade", diz Matheus, citando que "Deus criou Adão e Eva" para criticar a união homoafetiva. "Se alguém quiser ser [homossexual], que seja, mas pegar as crianças na escola e implantar 'ideologia de gênero', aí não." O termo "ideologia de gênero", que surgiu dentro dos debates da Igreja Católica sobre família, no fim dos anos 1980, é considerado por especialistas um slogan usado contra conquistas de movimentos feministas e LGBTQIA+.

Aquiles Mafini, 67, sojicultor e dono de imobiliária de Lucas do Rio Verde (MT) - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas
'[Bolsonaro] abriu as portas para o agro', diz Aquiles Mafini, 67, sojicultor e dono de imobiliária
Imagem: Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas

Abrindo as portas para o agro

A família Gabiatti considera que o país vai bem com Bolsonaro ("melhor presidente"), apesar da inflação galopante, da fome e do desemprego alto. A crise, para Matheus, foi provocada pelas restrições durante a pandemia. O pai, por sua vez, considera que "pelo estado em que ele [Bolsonaro] pegou o país, e o time que tem contra ele, já está fazendo muita coisa".

"[Bolsonaro] defende tudo que a gente queria que defendesse e não encontram nada contra ele", acrescenta Matheus. Na verdade, o presidente pode se tornar alvo de ação de improbidade administrativa por ter contratado funcionária fantasma (Wal do Açaí) quando era deputado, segundo a Procuradoria da República no Distrito Federal. Também há escândalos envolvendo seus ministros e seus filhos — entre eles, o esquema ilegal de "rachadinha". Desde a década de 1990, o clã Bolsonaro adquiriu ao menos 51 imóveis com dinheiro vivo, totalizando R$ 13,5 milhões. Hoje, o Senado discute um projeto para proibir transações em espécie para negócios imobiliários, a fim de prevenir operações de lavagem de dinheiro ou ocultação de patrimônio.

Aquiles Mafini pondera que o governo, para ele, "foi muito bem, com valorização de tudo, segurança, abriu portas para o agro".

Bolsonaro conseguiu angariar apoiadores como Mafini e Gabiatti com uma agenda conservadora em 2018, "100% temas morais", avalia Marcio Moretti, pesquisador da USP (Universidade de São Paulo). Muito dessa aderência, acrescenta o cientista político João Feres, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), se deve ao uso das redes sociais. "Isso explica porque a pauta bolsonarista nessa cidade é partilhada não só por pessoas poderosas, do agronegócio, mas por pessoas pobres, os trabalhadores que vivem lá, que estão integrados nessas redes", diz. E, em 2022, o bolsonarismo parece florescer na terra do agronegócio dentro e fora do WhatsApp.

"Bolsonaro tem ajudado o agro", afirma Camila Tessler, 30, dona de uma empresa que vende bandeiras para demarcação agrícola em Lucas do Rio Verde. Ela estava em frente à Expolucas, recolhendo assinaturas para um abaixo-assinado para mudar o nome de uma creche pública, que hoje homenageia Paulo Freire, para outro que ainda não escolheram. Participante do Movimento Conservador de Lucas do Rio Verde, Tessler "não aceita" outras orientações sexuais além da heterossexualidade e se diz defensora da tríade "pátria, família e liberdade".

Glauber Ferreira, do Movimento Conservador, foi quem teve a ideia de pedir a mudança, inspirado nos discursos de Bolsonaro. "[Freire] fala que existem opressores e oprimidos, mas não é verdade, não sou nem opressor nem oprimido. Isso é coisa de Karl Marx", diz ele, técnico de ar-condicionado, que nunca leu Paulo Freire.

Ferreira conta que vota em Bolsonaro por querer "um militar para organizar a casa", citando controlar o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) como exemplo. "A causa de quem não tem terra é nobre, mas sem querer invadir a fazenda de um cara com um trator e destruir um monte de pés de laranja", diz.

Roni da Silva Prado, 51, ambulante na Expolucas, festa da cidade de Lucas do Rio Verde (MT) - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas
Roni da Silva Prado, 51, ambulante, vai parar na BR-163 para vender toalhas e camisetas pró-Bolsonaro
Imagem: Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas

'Aquiles, obrigado'

Dentro da Expolucas, a Kombi de Roni da Silva Prado, 51, se destacava. O ambulante deixou de lado investimentos como a troca do assento do motorista, que está precisando de espuma, e pagou R$ 1.500 para adesivar o veículo com a bandeira do Brasil, o nome do presidente e as palavras "pátria, família e liberdade".

"Minha ideia é ir parando na BR-163, quando tiver as obras de manutenção da estrada, e aproveitar o engarrafamento para distribuir adesivos e vender camisetas", conta Prado, que é evangélico, pró-família e contra o "politicamente correto".

Os adesivos, com a foto de Bolsonaro e a frase "vai ser no primeiro turno", serão gratuitos. Já as camisetas e as toalhas serão vendidas, como na festa da cidade. No dia, Prado também tinha toalhas de Lula (PT), para uma eventual demanda de clientes, mas as deixou escondidas em uma caixa. Apoia Bolsonaro, mas diz que não contribui diretamente para o financiamento de campanha.

Outdoor de apoio a Jair Bolsonaro em estrada de MT - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas
Segundo o TSE, propaganda eleitoral em outdoor é proibida e pode ter multa de até R$ 15 mil
Imagem: Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas

Aquiles Mafini ajuda o presidenciável usando "isso aqui, 24 horas por dia", mostrando o celular, para compartilhar notícias. "Às vezes uma fake news que a gente não sabe, acontece, né?". No escritório, há um cartaz com uma foto do presidente segurando uma placa com a frase "Aquiles, obrigado por fazer campanha de graça para mim", seguida de um emoji de palhaço. Garante que não é montagem.

Mauro Gabiatti também diz que não contribui para o financiamento de campanha. "Em dinheiro a gente não ajuda nada, só no boca a boca mesmo. A primeira campanha ele fez sem pegar dinheiro de fundo eleitoral. Se ganhar, vai ganhar na raça de novo."

Na campanha de 2018, o então candidato do PSL usou R$ 615 mil repassados pelo partido, dos quais R$ 113,6 mil do Fundo Partidário. Em janeiro, Bolsonaro sancionou orçamento de R$ 4,96 bilhões para o fundo eleitoral, volume de recursos públicos recorde para irrigar campanhas eleitorais de 2022.

Nenhum dos entrevistados reivindica autoria dos outdoors espalhados na rodovia — segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), esse tipo de propaganda eleitoral é proibida por extrapolar o tamanho permitido por lei (50 cm por 40 cm), sob multa de até R$ 15 mil. Após Lucas do Rio Verde, vêm Sorriso e Sinop, e o percurso da BR-163 dá os primeiros sinais do bioma amazônico, anunciado pelas imponentes castanheiras. Ali, onde o ouro é a riqueza maior, os outdoors bolsonaristas se mantêm, mas com alterações. Um deles, na altura de Peixoto de Azevedo, diz: "Os garimpeiros fechado [sic] com Bolsonaro".

Outdoor de apoio a Jair Bolsonaro em estrada de MT - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas - Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas
Após Sorriso e Sinop, a BR leva a Peixoto, onde um outdoor diz 'garimpeiros fechado [sic] com Bolsonaro'
Imagem: Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas