Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Roberto Jefferson foi preso em nome de uma causa: a liberdade de explosão

Guilherme Boulos, depois de incitar uma série de crimes contra a segurança nacional, descumprir as medidas cautelares de sua prisão domiciliar e comparar uma ministra do Supremo Tribunal Federal a "vagabundas arrombadas", grava um vídeo dizendo que dessa vez não vai se entregar.
Ofegante, desafia as autoridades com armas que não poderia guardar em casa e avisa que vai para a guerra. Ao ver os agentes da Polícia Federal estacionarem em frente de casa, arremessa uma granada e dispara cerca de 20 tiros contra o blindado.
Lula, seu aliado, escala então um ministro para negociar a rendição, enquanto seus apoiadores cercam a residência e gritam palavras de ordem contra o STF. Um cinegrafista é agredido pela turma e desmaia durante o ato.
Já imaginou como estaria o país uma hora dessas se algo assim tivesse acontecido?
E se o enredo fosse real e os personagens apenas mudassem de nome?
Pois foi exatamente o que fez Roberto Jefferson (PTB), um dos mais fanáticos militantes do bolsonarismo, ao se rebelar contra a ordem dada à Justiça (sim, a Justiça, não vamos cair nessa de fulanizar uma decisão baseada na lei) para que retornasse à prisão. A ordem foi dada após Jefferson reincidir nos crimes pelos quais foi denunciado pela Procuradoria Geral da República, entre os quais incitação à violência — a mesma acusação que levou à cadeia seu correligionário Daniel Silveira (PTB), a quem Bolsonaro agradeceu pelos serviços prestados com a graça de um indulto.
Jefferson é a versão mais bem acabada do bolsonarismo que se veste de patriota e comete crimes em nome do Brasil, de Deus, das famílias e da liberdade. Ele voltou a afrontar o Judiciário por se dizer contrário a uma suposta "censura" imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral contra a Jovem Pan, acusada de tratar de maneira desigual os candidatos a presidente — o que, como concessão pública, não poderia acontecer.
Desde então entrou em curso, nas redes bolsonaristas, uma história pra boi dormir segundo a qual a Justiça estava em campo para eleger o ex-presidente Lula (PT), à base da mordaça e do direito de resposta.
Não é de hoje que Bolsonaro e seus seguidores pervertem o conceito de liberdade para colocar em campo todo tipo de agressão e ameaça. Como bedéis de colégio, os juízes responsáveis por impedir que o jogo de futebol se transforme em MMA precisam recorrentemente vir a público explicar que liberdade de expressão não equivale a liberdade de agressão.
Jefferson deu um passo a mais no alargamento do conceito. E sua indignação pode ser resumida no nonsense expresso por um usuário no Twitter identificado como @rmatosaw: "estão querendo acabar com a liberdade de explosão".
Em uma postagem na mesma rede, o professor de Direito da USP Rafael Mafei lembrou que Jefferson é advogado criminalista e sabe que cavou sua própria prisão preventiva ao gravar vídeos desde 2021 empunhando armas de fogo, ameaçando e orientando os seguidores a agredir agentes públicos. Depois, fez o que fez até voltar para a prisão.
"Este não é um caso de liberdade de expressão. Não caiam nessa", escreveu o especialista. "É o caso de um preso que conseguiu um benefício, e então abusou dele dolosa e calculadamente, com o objetivo de escalar o conflito com o STF, obter publicidade para si e vantagens para seu aliado Jair Bolsonaro."
Tão absurda quanto a recepção aos agentes da PF é a tentativa, em certa medida bem-sucedida, de criminosos do tipo posarem de gente virtuosa que se arma apenas para garantir a liberdade e a segurança da minha, da sua, da nossa família. A dos agentes alvejados por pouco não conheceram na prática como a teoria funciona.
Jefferson já tinha escalado a montanha do extremismo quando aceitou transformar seu amigo e aliado Padre Kelmon (PTB) em linha auxiliar do bolsonarismo durante o primeiro turno da eleição. Bolsonaro não viu problema nisso.
O aliado precisou atirar em dois policiais para que o presidente se convencesse de que talvez fosse melhor abandonar o aliado ferido na estrada para que a violência que ele mesmo induz e reproduz não incendiasse seu parquinho em período eleitoral.
É o mesmo presidente que passou a campanha inteira chamando seu adversário de ex-presidiário. Faz isso enquanto esconde milicianos empregados nos gabinetes dos filhos, diz ter pintado um clima com adolescentes venezuelanas, acolhe e faz vista grossa a corruptos de toda ordem e produz admiração entre apoiadores de notável contribuição às famílias de bem, como o ex-goleiro Bruno, o assassino de Daniela Perez, Flordelis, Fabrício Queiroz e o próprio Jefferson.
Ainda assim, aquela nossa tia amedrontada com a possível volta do PT ao governo não para de postar em suas redes que sua escolha é pelo bem do Brasil, das famílias, das crianças, da segurança e da liberdade. Tudo o que Bolsonaro não é nem representa, mas não importa: com sua rede de fake news e virtudes fake, o bolsonarismo é a maior fábrica de inversão de valores que esse país já produziu.
A escolha eleitoral da violência crua vendida e justificada como virtude é baseada na projeção de um holograma vendido a preço baixo no ecossistema das redes, mas que não suporta dois minutos de investigação da vida pessoal.
Se a performance de Jefferson serviu para algo foi para lembrar que essa turma está em campo pela defesa mais intransigente da liberdade da explosão.
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