Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Normalizado por anos, Jefferson virou braço armado dos instintos primitivos
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Com o pedido de prisão preventiva ordenada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), a Polícia Federal encerrou, na sexta-feira 13, as gravações da temporada 2021 de ameaças, ofensas e ataques desferidos pelos instintos mais primitivos do ex-deputado Roberto Jefferson em suas redes sociais contra tudo o que entendia ser o demônio no país.
Em seus últimos episódios, o espectador acompanhava, entre pasmo e vidrado, a escalada delirante do presidente do PTB, que com arma em punho chegou a dizer que eu e você não poderíamos escolher nossos candidatos favoritos em outubro de 2022 se não fosse aprovado na Câmara o projeto de voto impresso.
Só faltou bradar "voto impresso ou morte". As armas ele já empunhava.
Em sua decisão, o ministro do Supremo justificou a prisão dizendo que o dirigente político incitou, por mais de uma vez, a prática de crimes, como invasão ao Senado e agressão a agentes públicos, ofendeu a dignidade de ministros do STF, senadores integrantes da CPI da Covid e outras autoridades, e atuou com o "nítido objetivo de tumultuar, dificultar, frustrar ou impedir o processo eleitoral, com ataques institucionais ao Tribunal Superior Eleitoral e ao seu ministro presidente".
Nos capítulos anteriores, Jefferson já havia xingado o embaixador chinês no país de "macaco" e conclamado os defensores da reabertura de igrejas em plena pandemia a "exorcizar", com armas, o Satanás por trás das medidas de isolamento social.
Um criminoso comum não teria ousado ir tão longe. Mas Jefferson não é um criminoso comum.
Delator do chamado do "mensalão", esquema pelo qual foi condenado à prisão, o ex-deputado atravessou as três últimas décadas com status de celebridade, algo entre o encantador de serpentes e a figura bonachona, polemista, quase um meme ambulante.
Jefferson alcançou tal status, em parte, graças à condescendência dos influencers das três últimas décadas.
Por obrigação jornalística, não se deve nunca desacreditar as palavras de um delator disposto a implodir o esquema do qual saiu revoltado com a divisão do butim. Daí a alçá-lo ao estrelato, festejado e cortejado, são outros 500.
No rescaldo da notícia da sua prisão mais recente, muita gente se lembrou do dia em que o ex-mensaleiro cantou sorridente uma versão de barítono de "Nervos de Aço" com o sexteto do Programa do Jô. Levou a plateia ao delírio e saiu de lá ovacionado. A música era quase um viral de seu livro de título homônimo candidato a best-seller.
Quando voltou a atuar como advogado criminalista, logo que teve o mandato de deputado cassado pelos pares, Jefferson era descrito como "estrela" dos julgamentos do qual participava. Certa vez, em Mato Grosso, um dos jurados de um processo chegou a pedir autógrafo para o homem-bomba do "mensalão". Ao fim da audiência, o petebista foi assediado com inúmeros pedidos de fotos.
Num desses duplos twists carpados da vida, o ex-aliado e desafeto do PT, ex-integrante da tropa de choque de Fernando Collor, citado no esquema dos anões do orçamento e nas investigações sobre desvios nos Correios vestiu a fantasia de "cidadão de bem", armado até os dentes, e foi à guerra cultural contra fantasmas comunistas embaixo da cama. Normalizado durante anos, virou porta-voz do bolsonarismo em versão influencer nas redes, grupos de WhatsApp e entrevistas, como oráculo, para canais simpáticos ao presidente.
A temporada na cadeia, onde cumpriu pena por corrupção e lavagem de dinheiro, não constrangeu seus seguidores, que usaram as redes para protestar contra a nova prisão do mito — ou amigo do mito.
Violento, o sujeito que desfilava como atração de talk show precisa agora ser impedido, por ordem de um ministro do STF, de levar a cabo seus planos e ameaças.
Não sem protestos de seguidores e aliados.
Haja psicologia das massas para entender o fascínio que lideranças do tipo exercem sobre o imaginário popular ao longo da história. A culpa talvez seja de Hollywood. Don Corleone e Butch Cassidy no Brasil seriam chamados de doutor.
As ameaças de Jefferson, que ora se voltam contra quem deu a ele palanque e tratamento VIP, deveriam ficar como lição e alerta: tu te tornas eternamente responsável pelo extremista que alimentas.
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