Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
PRF brecava eleitores na Bahia enquanto Bolsonaro dava lanche para sua base

Sob o pretexto de que se preocupava com a explosão de crimes eleitorais pela região, o então ministro da Justiça Anderson Torres viajou no fim de outubro até a Bahia para uma reunião com o ex-superintendente da Polícia Federal Leandro Almada. No encontro ele solicitou reforço para as operações que deveriam ser realizadas em conjunto com a Polícia Rodoviária Federal no estado onde Lula (PT) recebeu quase 70% dos votos em 2022.
O encontro aconteceu às vésperas do segundo turno, segundo o blog da jornalista Andréia Sadi, no G1.
No dia da votação, a PRF promoveu uma blitz com o claro objetivo de atrapalhar a chegada de eleitores do estado às suas zonas de votação — um crime denunciado a partir das redes sociais e que só não se consumou como planejado porque o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, proibiu operações do tipo na data do pleito.
Torres seria preso meses depois, sob suspeita de deixar aberta uma trilha para os atos de 8 de janeiro antes de viajar de férias para os EUA. Ele havia reassumido o cargo de secretário da Segurança do Distrito Federal uma semana antes.
Em sua casa foi encontrada a minuta golpista com o passo a passo sobre como instaurar o estado de Defesa no TSE e melar as eleições em caso de derrota do chefe.
Torres segue detido até hoje e sobre ele paira agora o fantasma de uma possível delação premiada sobre as ordens do presidente durante a campanha — segundo o colunista do UOL Tales Faria, Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados temem que as juras de fidelidade de seu ex-ministro não durem muito tempo.
Bolsonaro tem razão para se preocupar.
Enquanto escalava seu ministro da Justiça para dificultar o fluxo de eleitores na Bahia, era ele quem colocava na pista o coronelismo mais pedestre ao distribuir lanches para as equipes de segurança responsáveis por acompanhá-lo em atos grandiosos de campanha.
Bolsonaro chegou a movimentar mais de mil agentes em suas motociatas pelo país.
A pirotecnia a duas rodas não saiu barata.
Conforme revelou o UOL, o então presidente pagou ao menos 21.447 lanches com cartão corporativo em suas viagens no valor de R$ 754 mil.
O agrado não foi pago pelo candidato à reeleição, mas pelo presidente em exercício. O mesmo que usava a estrutura do Palácio do Planalto como palanque num encontro com embaixadores.
Enquanto minava um reduto petista, ele alimentava a sua base com quitutes recheados de abuso de poder político e econômico.
Os beneficiários eram, em geral, militares, policiais, bombeiros e até agentes do Samu — profissionais que Bolsonaro mais bajulou durante seu mandato a fim de fidelizar seu próprio reduto eleitoral.
Como lembrou a reportagem, a alimentação desses agentes é de responsabilidade de suas corporações e o uso de recursos públicos em viagens eleitorais é proibido.
Mas o paga-lanche oficial da República não parecia disposto a medir esforços para posar como o candidato gente-boa que distribui agrados com o chapéu alheio — o nosso.
Longe dos holofotes, pouco antes da campanha, a pavimentação do apoio sincero e desinteressado das tropas ao ex-capitão (e mau militar) também sairia caro: uma fiscalização do Tribunal de Contas da União mostrou que o Exército gastou R$ 700 mil em recursos destinados ao combate da covid-19 com salgados, sorvetes, refrigerantes e carnes bovinas de corte nobre, como filé mignon e picanha.
Segundo o TCU, 50% dos gastos beneficiaram organizações que não possuem sequer tropas, o que afasta o argumento de que era preciso compensar o gasto calórico do desgaste físico em operações militares relacionadas à pandemia.
Bolsonaro, talvez confiante de que não perderia a disputa nem o sigilo de seu empenho pela reeleição, deu de ombros ao princípio da impessoalidade desde o primeiro dia de governo.
A distribuição de lanches com cartão corporativo não foi a primeira nem seria a última vez que confundia interesses públicos com anseios pessoais.
O esforço, revelado após deixar o cargo, para levar para casa as joias oferecidas pela Arábia Saudita é outro dos muitos indícios de que, sob Bolsonaro, a estrutura do Estado foi sequestrada pelos interesses particulares do ex-presidente, que demonstrava "aspiração em poder desfrutar das comodidades" da fortuna desde seus tempos de tenente.
Bolsonaro fez carreira política apontando os dedos para adversários que, dizia ele, implementavam política pública em troca de votos de cabresto. Ele e seus seguidores chamavam de "mortadelas" os militantes que cerraram fileiras em apoio a seus rivais.
Foi essa lógica, forrada de preconceito de classe e origem, que levou Anderson Torres até a Bahia iniciar uma operação criminosa disfarçada de preocupação com eventuais crimes eleitorais.
Era exatamente o que seu chefe fazia com um cartão corporativo na mão e uma ilusão de impunidade na cabeça.
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