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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

De tédio ninguém morrerá: o que esperar da CPMI do 8 de janeiro?

Eduardo Bolsonaro parte para cima e xinga deputado que falou que a facada em Jair Bolsonaro era fake - Reprodução
Eduardo Bolsonaro parte para cima e xinga deputado que falou que a facada em Jair Bolsonaro era fake Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

24/04/2023 00h00

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"Te enfio a mão na cara."

A ameaça do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que precisou ser contido para não agredir o colega Marcon (PT-RS) em uma audiência na Câmara, na quarta-feira (19), é um dos muitos termômetros do que está por vir nos primeiros capítulos da novela CPMI dos Atos Golpistas. A briga começou quando o parlamentar petista disse que a facada sofrida por Jar Bolsonaro (PL) era falsa — uma tese sem pé nem cabeça vendida por parte da esquerda e que está na praça desde a campanha de 2018.

Eduardo Bolsonaro é um dos parlamentares escalados para compor a tropa de choque da oposição na futura Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Terá, ao que tudo indica, as companhias do deputado André Fernandes (PL-CE) e do senador Magno Malta (PL-ES).

Fernandes, autor do requerimento para a criação da comissão, é investigado no Supremo Tribunal Federal por sua participação nos atos que a própria comissão busca elucidar. E Magno Malta tem em sua ficha uma lista extensa de excentricidades, como acusação de tortura e gastos excessivos com gasolina via cota parlamentar.

É esse time que promete ao público contar a "verdade" sobre os atos golpistas.

Emparedada desde que invasores de verde, amarelo e faixas em apoio a Jair Bolsonaro depredaram os prédios dos Três Poderes em Brasília, a oposição busca desde então emplacar a conversa de que tudo não passou de um ato provocado por petistas infiltrados nas manifestações.

O vídeo do general Gonçalves Dias, recentemente demitido da chefia do Gabinete de Segurança Institucional, na cena do crime, horas após a invasão, tem sido usado como "prova" para referendar a tese.

A princípio, o governo Lula (PT) buscava jogar água na fogueira da CPI para concentrar esforços na aprovação de pautas como o novo arcabouço fiscal. Depois do vídeo, a situação mudou e os governistas correram para, em vez de dinamitar a comissão, espalhar aliados em postos-chave, como a presidência e a relatoria.

Um elenco conhecido foi então recrutado para a missão.

Destaques na CPI da Covid, que durante meses provocou fissuras no governo Bolsonaro, os senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Randolfe Rodrigues (Rede) e Omar Aziz (PSD-AM) devem compor a linha de frente governista da nova comissão.

Como um segundo filme da mesma franquia, o inimigo ainda é o mesmo, mas os lados do balcão se inverteram.

Há quem duvide da inteligência de opositores que durante meses ficarão expostos a imagens e depoimentos sobre a invasão que deixou o bolsonarismo nas cordas e deu origem a uma série de investigações, processos e detenções. Parte da tropa bolsonarista parece ter se esquecido de que a dinâmica de uma CPI não é a mesma de uma corrente de WhatsApp. Ela possui contrapontos, acareações e uma série de mecanismos para desmentir teses fantasiosas em tempo real.

Mas uma coisa é certa: uma vez instalada a CPI, de tédio ninguém morrerá no país.

Seguem ainda ativos nas memórias os momentos mais tensos da CPI da Covid, como quando Renan Calheiros e o hoje governador Jorginho Mello (SC) trocaram ofensas e por pouco não partiram para a porrada entre xingamentos de "ladrão" e "vagabundo". Ou de quando a então senadora Simone Tebet (MDB-MS) subiu o tom ao ser desrespeitada durante o depoimento do então ministro da CGU Wagner Rosário.

A mesma CPI teve depoimentos sobre pedidos de propina na compra de vacinas e detalhes de como pacientes idosos foram usados como "cobaias" de medicamentos ineficazes. Teve também pedido de prisão de um ex-diretor do Ministério da Saúde por perjúrio.

Para quem achava que o fim do governo Bolsonaro seria o fim também de um filme de ação protagonizado pelos Trapalhões em Brasília, a CPI dos Atos Golpistas tem tudo para alimentar os adictos que já se entediavam com debates modorrentos sobre meta fiscal, taxas de juros ou reforma tributária.

Desde que passaram a ser televisionadas e, mais recentemente, alimentadas pelas redes sociais, as comissões parlamentares de inquérito se tornaram a porta de entrada para quem não se interessava por política até outro dia e, de repente, passou a acompanhar com atenção os desdobramentos de um seriado documental. Geralmente são fãs de filmes de ação que dormiriam em dois minutos de discussões das comissões de fiscalização financeira e controle da Câmara.

Para Lula, que ainda pena para organizar sua base de apoio e deixar uma marca nos primeiros dias de seu governo, vai ser difícil competir pela atenção do público enquanto no prédio ao lado o circo pega fogo. Isso pode ser bom ou ruim.

A história está cheia de exemplos.

Foi em uma CPI no Congresso que o publicitário Duda Mendonça declarou ao país que recebia pagamentos via caixa 2.

Foi também em uma CPI que o então deputado João Alves provocou risos (e o fim de sua trajetória política) ao justificar seus ganhos estratosféricos em meio ao escândalo dos Anões do Orçamento: "Deus me ajudou e eu ganhei dinheiro".

E foi em uma CPI que o Pedro Collor botou um dos muitos pregos no caixão do irmão presidente enrolado no caso PC Farias.

A CPI dos Atos Golpistas tem todos os elementos de uma trama de sucesso do grande público. E não, essa não é a boa notícia.

Como diz o ditado: sabe-se como uma CPI começa, nunca como termina.