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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Jênio', Romeu Zema largou para 2026 chamando eleitor de 'vaca improdutiva'

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo)  - Alexandre Rezende/Folhapress
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) Imagem: Alexandre Rezende/Folhapress

Colunista do UOL

07/08/2023 11h50

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O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), anunciou, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, uma ofensiva de estados do Sul e do Sudeste para evitar o que classificou de "perdas econômicas" para as regiões do Norte e Nordeste. A trincheira já existe: foi criada em 2018 e batizada de Cossud (Consórcio Sul-Sudeste).

O que deveria ser um debate foi lido, com toda razão, como uma declaração de guerra. Zema ataca com um olho nas votações do Congresso, onde observa uma articulação mais efetiva de estados "rivais", e outra nas eleições de 2026.

Ele é um dos nomes que despontam como favoritos para reivindicar o espólio deixado por Jair Bolsonaro (PL), declarado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Nessa corrida, cada um usa a arma que tem. O governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos), outro concorrente nas bolsas de apostas, energiza a base mais radical do bolsonarismo atacando o ensino público e dando sinal verde para chacinas na periferia do litoral.

Zema joga com as cartas da divisão territorial, numa estratégia que emula, com sotaque manso, a tática extremista do velho aliado boquirroto.

Até pouco tempo, a orientação básica a qualquer candidato a cargo majoritário era abandonar radicalismos para não afugentar os eleitores mais moderados. Bolsonaro desorganizou essa premissa ao homenagear torturadores e subir no palanque prometendo metralhar opositores.

A ideia era estimular uma divisão clara do eleitorado, escolher um lado e maximizar os votos naquele campo. Era o que permitia discursar para fazendeiros e adeptos do armamentismo sem sinalizar qualquer concessão a pequenos produtores, grupos sem-terra ou professores preocupados com o arsenal guardado em casa pelos pais de alunos.

Tanto Zema quanto Tarcísio de Freitas sabem que têm um longo caminho a percorrer em seus estados até chegar a Brasília.

O governador mineiro está em seu segundo mandato, não tem pra onde crescer e observa nas fraturas expostas da última eleição um manancial de votos.

Recentemente ele declarou que o Sul e o Sudeste possuem "uma proporção muito maior de pessoas trabalhando do que vivendo de auxílio emergencial", e só eles podem "contribuir para este país dar certo". O discurso é música para os ouvidos do eleitor médio das regiões, que costuma atribuir aos conterrâneos de outros estados os males de tudo o que acontece no país — uma manifestação que emerge com força das camadas profundas do preconceito em cada ano eleitoral.

Na entrevista ao Estadão, Zema pisa com a delicadeza de um touro bravo ao dizer que o Brasil é como um "produtor rural que começa só a dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito".

Ele disse também que estados "muito menores em termos de economia e população se unem e conseguem votar e aprovar uma série de projetos em Brasília", enquanto "nós, que representamos 56% dos brasileiros, mas que sempre ficamos cada um por si, olhando só o seu quintal, perdemos".

Dessa vez, ao menos, não citou Benito Mussolini para marcar posição.

Zema adota um discurso sobre ganhadores e perdedores sem sequer arranhar as estruturas e processos históricos que explicam as disparidades regionais que sempre favoreceram Sul e Sudeste de 1500 para cá. Talvez fosse demais exigir alguma historicidade a quem outro dia deu uma entrevista em Divinópolis (MG) e perguntou se Adélia Prado, poeta mais conhecida da cidade, trabalhava na rádio local.

O governador não quer aprofundar essa discussão — nem as relativas à literatura mineira nem ao arcabouço fiscal do país. Quer aprofundar a divisão. Do contrário, não teria reproduzido o senso comum de que neste país uns trabalham e outros se aproveitam, criando uma cartografia particular na qual as vacas produtivas habitam apenas de Belo Horizonte para baixo.

Com discursos do tipo, Zema parece interessado em maximizar o índice de apoio nas regiões bajuladas sem precisar vestir chapéu de sertanejo em ano de eleição, como fizeram outras lideranças do Sul e do Sudeste para se converter em candidatos com força nacional. Parece convencido de que não vale a pena buscar simpatia (leia-se votos) numa região onde o presidente Lula e o PT receberam o maior número proporcional de votos nas últimas disputas.

Existe uma estratégia nessa conversa. Mas, como tudo no bolsonarismo, e é touro que Zema tenta montar sem sela, não falta estratégia nem arrogância, muito menos preconceito em cada ato. Falta inteligência.

Pensando que iria arrastar ao menos os governadores das vacas "produtivas" para seu lado, ele conseguiu apenas isolamento.

Eduardo Leite (PSDB-RS) até ensaiou uma mensagem de apoio ao colega mas, diante das reações, teve de recuar. Segundo ele, se o mineiro falou qualquer coisa que não seja união em torno de uma pauta comum, "não me representa".

Falta explicar que tipo de união é possível apreender em um discurso que chama parte do país de "vaca improdutiva".

Se alguém ainda apostava nesse cavalo para liderar a boiada, é melhor rever a escolha. No futuro ele pode ser lembrado como o quadrúpede que queimou a largada com três anos e meio de antecedência. Um feito.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL